sexta-feira, 1 de agosto de 2014

“Estado e Forma Política” – Alysson Leandro Mascaro


 
Resenha livro # 116“Estado e Forma Política” – Alysson Leandro Mascaro – Ed. Boitempo



Advertimos o eventual leitor desta resenha que o objetivo deste estudo não envolve qualquer preocupação de tipo acadêmico: não encontrará aqui um resumo geral desta obra do professor Mascaro desde que o objetivo deste blog não diz respeito aos trabalhos da universidade: o objetivo deste blog é o de servir como uma pequena trincheira virtual da luta de classes, discutindo livros e incentivando sua leitura, e não o contrário.

Faremos aqui um breve relato geral do “Estado e Forma Política” e destacaremos uma passagem a partir da qual proporemos algumas reflexões.

Considerações Gerais

Alysson Mascaro é filósofo e jurista, professor da Faculdade de Direito da USP e da Pós-Graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Publicou os livros “Filosofia do Direito” e “Introdução ao estudo do direito”(resenhado por este blog) pela Atlas e “Utopia e direito: Ernt Bloch” pela Quartier Latin. Prefaciou, finalmente, “Em defesa das Causas Perdidas” do renomado filósofo esloveno Slavoj Zizec.

Neste livro o tema abordado é a relação entre o Estado e a sua conformação na história diante das distintas fases do modo de produção capitalista.

Mascaro parte de um ponto de vista original e que, aqui, se distingue de um certo senso comum no âmbito da esquerda segundo o qual o estado seria o mero “órgão ou aparelho gestor” das classes dominantes que o utilizam como mera forma de dominação sobre as classes dominadas.

Avançando sobre tal perspectiva rudimentar, Mascaro irá detalhadamente analisar as relações entre Estado e reprodução capitalista, a forma política e as instituições políticas, a relação entre a forma política e a forma jurídica, o problema da autonomia do estado (fenômeno que ocorre apenas nas sociedades capitalistas com a efetiva separação entre economia e política), o estado e sua especificidade histórica e o estado e a luta de classes; enfim, Mascaro irá destrinchar de maneira pormenorizada o tema da forma política estatal tanto na história como na sua concretização no capitalismo na sua forma jurídica. Há o objetivo de demonstrar como o estado tal qual o conhecemos é um fenômeno típico da sociedade capitalista, uma tese que não é consensual, mesmo dentro do marxismo.

Obviamente existia estado em sociedades pré-capitalistas. Mas, alerta Mascaro, a forma política estatal tal qual conhecemos hoje com as figuras do sujeito de direito (que permite pela primeira vez capitalistas e trabalhadores transacionarem as forças de trabalho), a separação do estado em relação às classes possuidoras e sua relativa autonomia como momento necessário para o regular funcionamento do capitalismo, proteção da propriedade, delimitação de fronteiras, etc., esta forma política é necessariamente capitalista: e, outra conclusão importante aqui, dentro desta forma ou dentro deste estado, não é possível pensar alternativas societárias distintas em que pesem todas as ilusões dos setores reformistas da esquerda que alimentam esperanças em construir o socialismo por meio do estado.

Os dois últimos capítulos do trabalho de Mascaro tratarão de temas mais específicos ao universo dos operadores do direito: o penúltimo “pluralidade de estados” discutirá a questão das relações internacionais e introduzirá a noção de imperialismo dentro do sistema de estados. E aqui temos uma analogia entre como a forma política se materializa e como ela se dá em sua aparência. Formalmente os estados tem sua soberania reconhecida e são supostamente iguais, com direitos garantidos perante as organizações internacionais. Materialmente é o poder econômico internacional (imperialismo) que determina as relações de dominação e subordinação. Já o último capítulo aborda um tema novo e pouco discutido na esquerda que é o da regulação e estado, qual seja, a busca dos ciclos de crise e dos elementos comuns dentro das distintas fases do capitalismo.

A regulação também é estudada no âmbito da economia, mais comumente pelas escolas não marxistas, que buscam soluções para as crises cíclicas do capital. No âmbito do marxismo, o estudo dos fenômenos cíclicos da crise são importante para se identificar os impactos ou efeitos dos problemas econômicos nas instituições políticas: identificar relações entre o desemprego em massa e o ascenso de partidos de direita, como ocorre neste momento na Europa, por exemplo. Temos aqui um recorte de estudos que aparenta ser mais estudado por aqueles que se colocam do lado do mundo do trabalho.

Destaques

“Não é porque determinado instituto político já tenha existido antes do capitalismo que ele seja o embrião causal do Estado. A forma estatal nasce da produção capitalista, da exploração do trabalho assalariado, da conversão de todas as coisas e pessoas em mercadorias. Os institutos sociais e políticos do capitalismo são criados ou transmudados num processo de convergência à forma. É possível que se vejam vestígios históricos dos atuais corpos de magistrados e promotores de justiça em antigos inquisitores da igreja. É possível que até mesmo os ritos, as nomeclaturas, as vestimentas, os locais e as práticas simbólicas dos administradores do Poder Judiciário moderno sejam transplantados de instituições de julgamentos religiosos medievais. Mas a forma moderna de tais instituições se constitui  a partir de específicas modalidades de reprodução social, que se valem dos ritos e das nomeclaturas para objetividades de prática social próprias e específicas. Não é porque os romanos chamam a uma instituição política sua por Senado que a moderna instituição do Senado nos Poderes Legislativo seja, material, estrutural e funcionalmente, igual à do passado. As instituições são reconfiguradas pelas formas sociais, num entrelaçamento estrutural”

E esta forma social ou forma política dará ao termo o conteúdo do tipo de relação social que se estabelece na infra-estrutura. Pode-se ter como exemplo dois sujeitos. O primeiro ordena que o segundo corte o capim do primeiro. Apenas com estas informações não temos como descobrir qual o tipo de relação social ou qual o modo de produção perpassa a relação entre os dois sujeitos. Mas com a forma política ou a sua expressão jurídica contratual, podemos decifrar a infra-estrutura (modo de produção). Assim, se o primeiro ordena que o segundo corte o capim caso contrário será o segundo morto, temos o modo de produção escravagista. Se o primeiro ordena que o segundo corte o capim caso contrário o segundo será expulso de suas terras e não terá direito aos benefícios de proteção temos uma relação do tipo feudal. Se o primeiro ordena que o segundo corte o capim por que o segundo assim o quis (consoante um contrato de trabalho) temos uma relação do tipo capitalista. Daqui vemos claramente a importância da forma política como elemento que irá talhar e determinar a relação de exploração. Daí a centralidade do direito, visto aqui numa nova perspectiva, que vai muito além do mero “gestor dos interesses imediatos da classe dominantes”.   

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