Sobre autor e obra
Léo Figuère publicou este livro na condição de membro do
Partido Comunista Francês. Tivemos acesso à uma tradução portuguesa de 1971 que
não contém a data da publicação do original em francês. Não se sabe porque, mas
a tradução do português é “O Trotskysmo”.
Certamente, consoante os últimos capítulos que tratam do
maio de 1968 Francês, a brochura deve ter sido escrita entre 1969-1971. A própria
orientação política, que perpassa todo o texto e que certamente iria de acordo
com a linha oficial do Partido Comunista Francês, sinalizava não só a linha
oficial do partido francês mas a do movimento comunista internacional. Já
estamos em processo de desestalinização pós XX Congresso. Todavia as críticas a
Stálin são parciais e tem-se em vista à preservação da imagem da URRS diante do
contexto geopolítico da Guerra Fria.
Figuère integrou o comitê central do PCF entre 1945-1976,
além de dirigir o secretariado do partido entre 1959-1964. Ademais, foi diretor
da revista teórica do PCF “Cadernos do Comunismo”.
Como dirigente do Partido Comunista Francês, pode observar,
particularmente diante das experiências das lutas das frentes populares
anti-fascistas e dos levantes do maio de 1968 a influência do trotskysmo,
particularmente diante da juventude daquele país. Talvez estes elementos devam
ter motivado os dirigentes do PCF a escrever a brochura.
Neste seu material, Figuères buscará (i) fazer um resgate
histórico do papel de Leon Trótsky antes, durante e depois da Revolução Russa,
com o escopo final de demonstrar como o trotskysmo esteve historicamente a
maior parte do tempo contra o bolchevismo, Lênin e seus ensinamentos; (ii)
neste último ponto, dará uma atenção especial ao problema da revolução permanente
e a tática leninista da revolução e, a partir de uma exposição de fontes
primárias do próprio Lênin, demonstrará como a construção teórica do dirigente
bolchevique em nada se assemelha à tese da teoria da revolução permanente, em
que pese os argumentos de Trótsky correspondentes aos textos após 1924; (iii) ainda
quanto às diferenças táticas fundamentais que opuseram na história Trótsky e
Lênin, a célebre polêmica entre ambos acerca dos tratados de paz a serem
assinados em separado com a Alemanha em Brest-Litoviski na I Guerra, na qual a
história demonstrou cabalmente a justeza do ponto de vista leninista; (iv) o
problema da criação das opoisições partidárias que surgiram desde pequenas
escaramuças em manifestações de ruas até atividades ilegais que culminaram com
a exclusão do partido de Trótsky; e (v) o trotskysmo na França
Como se sabe, o embate de Trótsky e trotskystas e os
partidos comunistas ligados à URSS perpassou todo o século XX e não poderia
estar livre de toda forma de falsificações e deformações, a depender dos
narradores, percepção dos fatos conforme interesses políticos bem delimitados.
Evidentemente, quando se trata de um conflito muito agudo
(como trotskystas contra estalinistas) o mais provável é que as falsificações
estejam presentes nos dois lados e mesmo nos demais lados que irão tentar relatar tal
intricada história – liberais, social-democratas, etc.
Trotskysmo e Divisão no
movimento operário
A burguesia e o imperialismo também se serviam das correntes
trotskystas e suas seitas nos diversos países – o que é relatado em todo caso
por Figuères – sempre como forma de dividir o seu inimigo, o movimento
comunista internacional, o que explica a forte atração de setores burgueses no
contexto do maio de 1968 pelo trotskysmo e grupos anarquizantes.
O mesmo se deu durante a Guerra Civil Espanhola em nível
ainda mais dramático: a Frente Popular se viu dividida por grupos anarquizantes
e trotskystas (POUM) que chegaram a combater em armas entre si, fortalecendo o
inimigo fascista.
Na verdade, o trotskysmo, e isto é demonstrado fartamente no
livro de Figuères, endossava após a vitória da revolução russa uma política
criminosa segundo a qual o triunfo da revolução estava condicionado pela
vitória subsequente dó socialismo nos demais países, particularmente nos países
do ocidente - Lênin chegou a acreditar nestas ideias mas diante da urgência da
defesa das conquistas da revolução, e contra tal política criminosa e
derrotista, advogava a vitória do socialismo num país só como um meio para se
fortalecer e avançar na luta pelo socialismo internacional[i].
De outro lado, Trótsky e sua Teoria da Revolução Permanente
na prática colocariam toda a sorte da revolução em jogo, abandonando a fórmula
da revolução por etapas e a construção socialismo num só país por meio da
aliança com o campesinato – setor social burguês negligenciado na teoria de Trotsky.
Esta política, em termos práticos, significaria transformar a experiência
soviética numa Comuna de Paris (duração de menos de 3 meses): e portanto, não é
a toa que a burguesia incitava e abria seus jornais para as seitas trotskystas,
onde o próprio Trótsky podia publicar artigos.
Destaques
“Embora em teoria
proclame a unidade dum partido centralizado e disciplinado, o trotskysmo, na
prática insurge-se contra as necessidades dum partido do tipo leninista e tem,
como todas as seitas, uma tendência permanente para o fraccionismo, quer atue
no exterior ou no interior de qualquer organização. Ele não deixou de cultivar
a desconfiança em relação à organização do Partido Comunista, o quadro de
revolucionários profissionais sem os quais não há partido revolucionário,
opondo-os ao conjunto dos membros do Partido ou simplesmente à massa. Há que
ver nisso uma das razões pelas quais os trotskystas nunca puderam erguer
organizações, mesmo que pouco importantes e duradouras”
E se estas linhas tratam de um passado que
remete à uma corrente política que já existe há quase 100 anos, não deixa de
ser nada atual, ou seja, o prognóstico se mantêm. Nestes marcos, o trotskysmo
enquanto corrente política interessa aos inimigos do proletariado como meio de
divisão e tensionamento constante da classe. Obviamente o trotskysmo não é
produto de uma intervenção direta da burguesia na classe operária, mas pode e
já foi em determinadas circunstâncias instrumentalizado em eleições, por ex.,
neste sentido – em outros momento, a divisão em si favoreceu o inimigo comum,
como os fascistas diante da derrota das Frentes Populares da Espanha. A explicação
mais essencial para esta caracterização do trotskysmo encontra-se tanto em Marx
e Engels quando analisam o blanquismo quanto em Lênin em seu “o esquerdismo”: é
um fenômeno esquerdista pequeno-burguês que tem um tom anticapitalista mas não
se centraliza ou se coloca sob a direção da classe operária ou, em outros
termos, é vacilante e na política revela-se oportunista. Isto explica porque
Trótsky antes encarniçado inimigo político de Kamanev ou Bukharin, amanhã será
deles aliados, surpreendendo seus mais radicais aliados.
O próximo destaque refere-se à uma intervenção de Lênin de
1914 denunciando Trótsky como “representante dos piores vestígios do
fracionismo” (A DESAGREGAÇÃO DO BLOCO DE AGOSTO)
“Quando falamos de
corrente liquidacionista, designamos uma certa corrente ideológica formada
durante anos e cujas raízes se prendem ao “menchevismo” e ao “economismo” tais
como se manifestaram durante os vinte anos da história do marxismo, e que está
ligada à política e à ideologia duma classe determinada, a burguesia liberal.
Os “Transfugas de
Touchino” declaram-se acima das facções , pela única razão de que “retiram” as
suas ideias hoje a uma facção, amanhã a outra. Trotsky foi um furioso Iskrysta
e Riazanov disse, a seu respeito, que tinha desempenhado no Congresso de 1903,
o papel de “matraca de Lênin”.
No final de 1903,
Trótsky é um furioso menchevista, quer dizer, passou dos iskristas aos “economistas”:
proclama que há um abismo entre a velha e a nova Iskra. Em 1904-1905 deixa os
menchevistas e ocupa uma posição indecisa: tanto colabora com Martynov (um “economista”)
como proclama a teoria absurda da revolução permanente. Em 1906-1907,
aproxima-se dos bolchevistas e, na Primavera de 1907, declara-se solidário com
Rosa Luxemburgo”.
Na época da
Desagregação, após longas flutuações “não fraccionistas”, guina para a direita
e forma bloco, em Agosto de 1912, com os liquidacionistas. Agora afasta-se de
novo, mas no fundo retoma suas miseráveis ideiazinha”
Como explicar esta flutuações de posições que explicam tão
bem a instabilidade e a pouca vida dos agrupamentos das correntes trotskystas,
bem como a sua profusão, consoante a própria instabilidade de seu mentor, tão bem
delineado por Lênin?
O aspecto pequeno burguês desta orientação política e
especialmente daqueles que se filiam a estas correntes (estudantes,
intelectuais, etc.) é um bom ponto de partida para uma explicação. Há de se
considerar alguns traços da personalidade do próprio Trótsky que, no que tange
aos comunistas mais diretamente ligados ao movimento russo, contribuíram para
criar uma aversão que, via reversa, fortaleceriam o stalinismo e o culto à sua
personalidade (esta pelo menos é a opinião de Léo Figuères).
Aqui concluímos nossa resenha:
“Dissemos já quanto os
seus próprios partidários ficaram desconcertados pela conciliação que aqueles
que eram tidos por seus inimigos mas
encarniçados no Partido, Zinoviev e Kamenev.
Em 1928, não teria
hesitado tão pouco em se aliar com o grupo de Bukharin que no entanto apontara,
nos anos anteriores, como sendo o principal coveiro do socialismo.
Se acrescentarmos a
isso que, após cada uma das suas derrotas, tomava diante do Partido e o país todos
os compromissos possíveis de respeitar as decisões para, imediatamente depois,
as infrigir cada vez mais, compreende-se que tenha voltado contra si a massa dos
comunistas e dos cidadão soviéticos.”
[i]
Adesigualdade do desenvolvimento econômico e político é uma lei absoluta do
capitalismo. Segue-se que a vitória do socialismo é possível inicialmente num
pequeno número de países capitalistas ou mesmo num só país capitalista
considerado à parte. O proletariado vitorioso deste país, depois de ter
expropriado os capitalistas e organizado aí a produção socialista, erguer-se-ia
contra o resto do mundo capitalista atraindo atrás de si as classes oprimidas
dos outros países e levando-as a insurgir-se contra os capitalistas, empregando
mesmo, em caso de necessidade, a força militar a força militar contra as forças
exploradores e seus estados. (ACERCA DA
PALAVRA DE ORDEM DOS ESTATOS UNIDOS DA EUROPA)
Nenhum comentário:
Postar um comentário