Resenha Livro #117 “As Três Fontes” – Vladimir Lênin – Cadernos
de Expressão Popular – Ed. Expressão Popular
Respectivamente, os textos supracitados são “Karl Marx”; “Friederich Engels”; “As Três Fontes e as Três Partes Constitutivas do Marxismo”; e “ Carta a um camarada”.
Uma característica que perpassa toda a brochura é a preocupação didática que aliás singulariza todo trabalho intelectual de Lênin, com algumas exceções eventuais, como quando aborda temas mais abstratos, como filosofia hegeliana. Mas a marca característica da narrativa de Lênin é um esforço em se fazer entender não só pelo intelectual, mas pelo operário e pelo mais simples camponês, traço que fica de todo modo bastante evidente não só nas brochuras sobre a vida de Marx e Engels, mas na correspondência referente à crítica ao projeto de organização do Partido Revolucionário de São Petersburgo.
A leitura da carta – que data de 1902 – evidencia em primeiro lugar o senso prático do agitador e organizador político que 15 anos antes da revolução socialista já pautava questões de máxima importância como a distribuição massiva de jornais nos bairros e nas fábricas – de forma não só a fazer circular informações mas a preparar deste modo a insurreição; a extrema preocupação com o trabalho clandestino e a preservação dos melhores quadros frente a espiões e provocadores, sempre levando em consideração que o regime absolutista do Czar só iria ruir em fevereiro de 1917; os trabalhos de maior e menor clandestinidade referentes a distribuidores, propagandistas, estudiosos das condições de trabalho, etc.
Sabe-se que a teoria geral do partido em Lênin encontra-se no seu renomado “O que Fazer” que também é de 1902. Mas elementos daquela teoria são encontradas na Carta a um Camarada. Lênin advoga a construção de um partido de vanguarda que organize e dirija a classe operária – sem o partido de vanguarda não há organização e consciência de classe sem as quais não há força para derrotar o estado capitalista e a burguesia.
Lênin entende o partido sendo ao mesmo tempo um dirigente teórico e um dirigente prático. No plano teórico caberia ao “Iskra”, ou seja, ao jornal do partido dirigir o trabalho ideológico, mover o partido no sentido de dar a linha mestra de sua política – daí a grande importância da imprensa e do jornal dentro da tradição leninista. Já do ponto de vista prático, o partido teria como dirigente o Comitê Central, qual seja um órgão com as melhores forças revolucionárias. Não custa frisar que tal modelo de partido, altamente centralizado e disciplinado, dizia respeito àquela conjuntura política da Rússia czarista em que o crescimento do proletariado nas cidades e suas precárias condições de vida engendravam uma situação explosiva que seria de fato observada em 1905-6 com a série de greves que abalou o estado russo – o assim chamado “Ensaio Geral da Revolução de 1917”.
É interessante que a centralização preconizada por Lênin é
muitas vezes (ora de forma oportunista pela direita ora por desengano pelos
anarquistas) confundida com autoritarismo. O que fica claro é que existe uma
dialética entre centralização e descentralização no modelo partidário leninista
de forma que a existência de um pequeno núcleo de revolucionários num órgão
restrito como o Comitê Central (algo em todo caso necessário numa luta em
condições de clandestinidade) é balanceada pela dinâmica de comunicação do
partido – segundo Lênin um elemento muito mais relevante do que cláusulas
estatutárias do partido. Assim afirma:
“O Movimento deve ser dirigido por um pequeno número de
grupos, os mais homogêneos possíveis, e de revolucionários profissionais
respaldados pela experiência. Mas no movimento deverá participar o maior número
de grupos, os mais diversos e heterogêneos possíveis, recrutados nas mais
diferentes camadas do proletariado (e de outras camadas do povo) . E com
relação a cada um desses grupos, o centro do partido deverá sempre ter em vista
não somente dados exatos sobre sua atividade, mas também “os mais completos
possíveis a respeito de sua composição”. Devemos centralizar a direção do
movimento. Mas devemos também (e precisamente “para isso”, pois sem a informação é impossível a centralização) “descentralizar”
o quanto possível a responsabilidade ante o partido de cada um de seus membros
individualmente, de cada participante no trabalho, de cada um dos círculos do
partido ou próximo dele”.
Em determinado momento, Lênin faz uma analogia entre o
partido político e uma orquestra dentro da qual temos sempre a figura de um
maestro, equivalendo a uma liderança que deve estar a par de todos os detalhes
da banda, desde a afinação dos instrumentos, sua organização, os músicos, sua
escolha, definição do repertório, etc. A analogia parece ser interessante desde
que enquanto o partido político leninista produz a revolução, a orquestra
produz música ou arte: em ambos os casos é necessária, de acordo com o
pensamento político de Lênin, organização, direção unipessoal ou relativamente
centralizada e uma articulação entre todos os membros, tal qual numa banda. A
questão que se coloca é: a teoria do partido de Lênin forjada num contexto
político de clandestinidade se aplica e em que medida se aplica no capitalismo
em tempos de crise, com sua “democracia” cada vez revelando ser um engodo? O
que parece é que Lênin por vias tortuosas atravessou o deserto neoliberal: sua
mensagem, que se refere aos tempos do czarismo russo, tem aplicação atual, na
opinião deste observador.
Nenhum comentário:
Postar um comentário