sábado, 16 de agosto de 2014

“Stálin” – Paulo Mendonça (org)


Resenha Livro #119 “Stalin” – Paulo Mendonça – Biblioteca de História – Grandes Personagens de todos os tempos – Editora Três (2)




Biografias de grandes personagens da história sempre estarão fortemente condicionadas pela linha editorial, pelos pressupostos teórico-metodológicos e pela orientação política do autor e dos criadores da obra. Não poderia ser diferente com uma biografia de Stálin, personagem tão controvertido e que tanto impactou a história do séc. XX.

A quantidade de biografias dedicadas a determinado personagem da história é um bom sinal das distintas perspectivas em jogo e, sendo aqui, um personagem diferente de um Nero dos tempos do Império Romano, desde que historicamente muito mais recente, há uma relativa disputa em jogo em torno do que significou o legado de Stálin para a história mundial recente.

É importante destacar aqui três faixas de interpretação, que em todo caso coincidem também com linhas interpretativas da história política da União Soviética: há as versões pró-imperialistas, que são as mais numerosas no âmbito editorial no Brasil; há as versões trotskystas que sintomaticamente em muito se assemelham em sua narrativa às versões do imperialismo sendo importante apontar as mesmas fontes primárias, no caso, os estudos do trotskystas polonês Isaac Deutscher, além dos próprios textos de Trótsky sobre Stálin; e o que poderíamos genericamente chamar de fontes residuais correspondentes às fontes independentes e em menor escala às fontes oficiais, estas sim muito menos acessíveis aos estudiosos críticos da história da revolução russa e da vida de Joseph Stálin, em particular.

Esta biografia foi escrita 20 anos após a morte de Stálin, no final da década de 1967, em pleno vigor da era Brezhnev. No Brasil, estávamos a um ano de imposição do Ato Institucional nº 5, o recrudescimento de uma ditadura militar pró-imperialista profundamente anti-comunista cujo slogan era entre outros “Brasil, ame-o ou deixo-o”. Nestes marcos, como não poderia deixar de ser, esta biografia de Stálin é permeada de falsificações tanto no que se refere à vida pessoal dele – e que são facilmente perceptíveis numa leitura atenta ao se observar a insistência (e neste ponto a falta de verossimilhança) com que o biografado é pintado (como um alguém sem nenhum escrúpulo, vingativo, extremamente desumano, assassino cruel etc).

 As falsificações vão ao extremo quando o historiador busca equiparar as atrocidades cometidas pelos nazistas com as mortes decorrentes dos expurgos e da coletivização, o que obviamente não tem o menor cabimento e não pode ser tomado como algo sério. Adolf Hitler assassinou 6 milhões de judeus. Stálin jamais chegou a perseguir e matar um número próximo deste, em que pese alguns analistas de direita delirantes falarem em 20 milhões (!) de mortos por Stálin, uma falsificação grotesca, que deve ser prontamente combatida por todos os comunistas (incluindo os adversários de Stalin na esquerda)!

De outra monta, a biografia dos liberais nos servem para extrair algumas informações filtradas. Algumas dados sempre acabam servindo-nos como fonte de conhecimento e aqui há um interessante relato da infância e juventude de Stálin – pseudônimo que significa “aço”. Ao contrário da maior parte dos dirigentes bolcheviques, como Lênin que era filho de um inspetor escolar – Stálin veio de uma família bastante pobre da Geórgia. Seu pai era um sapateiro, era alcoólatra e frequentemente agredia brutalmente o filho. Depois abandonou a família e mãe e filho se sustentaram sozinhos, a primeira costurando para fora. Posteriormente Stálin ingressou num seminário religioso, onde também vivia sob um forte regime opressivo –era proibido aos seminaristas a leitura de textos estranhos determinados, além de haver uma imposição cultural russa via igreja ortodoxa sobre os usos e costumes do caucásio. E foi desde o seminário que Stálin iniciou sua militância política clandestina – desde muito jovem Stálin foi um militante revolucionário profissional, muito pouco afeito à teoria e muito associado à prática revolucionária. Consta que apenas posteriormente enquanto colaborador do Pravda escreveu, com o apoio do Lênin, um trabalho mais aprofundado sobre a questão das nacionalidades, o que lhe valeu o posto correspondente no primeiro governo soviético.

Sempre foi um homem de confiança de Lênin pela sua dureza e disciplina e, fato narrado de forma errada na biografia, no testamento de Lênin, seria criticado quanto ao seu temperamento – que como podemos observar remete às suas origens em nada cosmopolitas e assim muito diferentes das de um Plekhanov ou de um Trótsky.  

A quem interessa a total desmoralização do stalinismo, não só 20 anos depois de sua morte, consoante esta biografia escrita sob as penas do imperialismo, mas conforme os seus papagaios da esquerda (trotskystas) e mesmo hoje em tempos de neoliberalismo, com o fim formal da URSS? Por que se teme tanto uma revisão crítica do stalinismo? Certamente se Stálin e o stalinismo é um ciclo encerrado na história não haveria tanta insistência em evocar o seu nome como forma de supostamente “atacar” adversários com a pecha de “stalinista”. Outro ponto que talvez mereça maior reflexão decorrente da leitura desta biografia: por que coincidem em tantos aspectos as interpretações extraídas da direita/imperialismo tanto da história da revolução russa quanto de Stálin e do stalinismo em particular com a narrativa propagandeada pelos trotskystas? Que militantes trotskystas são acusados de colaboração com o imperialismo já há indícios e em outros casos provas concretas (ver caso do PSTU na Ucrânia, mais recentemente) fazem-nos pensar que haja de fato uma matriz comum entre imperialismo e trotskysmo. Não há fatos gratuitos na história. O papel dos comunistas aqui envolve reunir todo o material disponível, todas as fontes e em especial buscar aquelas elencadas como as fontes de terceiro tipo (as mais raras): fontes independentes e as fontes oficiais da história da revolução russa de forma a esclarecer os engodos criados pelo imperialismo. Afinal, longe de se interessar pela verdade histórica referente a quem foi e o que significou na história Joseph Stálin, o imperialismo, como inimigo encarniçado da revolução, o deseja semear confusão e desmoralização dentre as fileiras comunistas. Se o imperialismo e os trotskystas gritam histericamente que Stálin é nosso inimigo, temos boas razões para pensar que Stálin foi um grande camarada da causa comunista.

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