Resenha Livro #119 “Stalin” – Paulo Mendonça – Biblioteca de História – Grandes Personagens de todos os tempos – Editora Três (2)
Biografias de grandes personagens da história sempre estarão
fortemente condicionadas pela linha editorial, pelos pressupostos teórico-metodológicos
e pela orientação política do autor e dos criadores da obra. Não poderia ser
diferente com uma biografia de Stálin, personagem tão controvertido e que tanto
impactou a história do séc. XX.
A quantidade de biografias dedicadas a determinado
personagem da história é um bom sinal das distintas perspectivas em jogo e,
sendo aqui, um personagem diferente de um Nero dos tempos do Império Romano, desde
que historicamente muito mais recente, há uma relativa disputa em jogo em torno
do que significou o legado de Stálin para a história mundial recente.
É importante destacar aqui três faixas de interpretação, que
em todo caso coincidem também com linhas interpretativas da história política
da União Soviética: há as versões pró-imperialistas, que são as mais numerosas
no âmbito editorial no Brasil; há as versões trotskystas que sintomaticamente
em muito se assemelham em sua narrativa às versões do imperialismo sendo
importante apontar as mesmas fontes primárias, no caso, os estudos do trotskystas
polonês Isaac Deutscher, além dos próprios textos de Trótsky sobre Stálin; e o
que poderíamos genericamente chamar de fontes residuais correspondentes às
fontes independentes e em menor escala às fontes oficiais, estas sim muito
menos acessíveis aos estudiosos críticos da história da revolução russa e da
vida de Joseph Stálin, em particular.
Esta biografia foi escrita 20 anos após a morte de Stálin,
no final da década de 1967, em pleno vigor da era Brezhnev. No Brasil,
estávamos a um ano de imposição do Ato Institucional nº 5, o recrudescimento de
uma ditadura militar pró-imperialista profundamente anti-comunista cujo slogan
era entre outros “Brasil, ame-o ou deixo-o”. Nestes marcos, como não poderia
deixar de ser, esta biografia de Stálin é permeada de falsificações tanto no
que se refere à vida pessoal dele – e que são facilmente perceptíveis numa
leitura atenta ao se observar a insistência (e neste ponto a falta de
verossimilhança) com que o biografado é pintado (como um alguém sem nenhum escrúpulo,
vingativo, extremamente desumano, assassino cruel etc).
As falsificações vão
ao extremo quando o historiador busca equiparar as atrocidades cometidas pelos
nazistas com as mortes decorrentes dos expurgos e da coletivização, o que
obviamente não tem o menor cabimento e não pode ser tomado como algo sério.
Adolf Hitler assassinou 6 milhões de judeus. Stálin jamais chegou a perseguir e
matar um número próximo deste, em que pese alguns analistas de direita
delirantes falarem em 20 milhões (!) de mortos por Stálin, uma falsificação
grotesca, que deve ser prontamente combatida por todos os comunistas (incluindo
os adversários de Stalin na esquerda)!
De outra monta, a biografia dos liberais nos servem para
extrair algumas informações filtradas. Algumas dados sempre acabam
servindo-nos como fonte de conhecimento e aqui há um interessante relato da
infância e juventude de Stálin – pseudônimo que significa “aço”. Ao contrário
da maior parte dos dirigentes bolcheviques, como Lênin que era filho de um
inspetor escolar – Stálin veio de uma família bastante pobre da Geórgia. Seu
pai era um sapateiro, era alcoólatra e frequentemente agredia brutalmente o
filho. Depois abandonou a família e mãe e filho se sustentaram sozinhos, a
primeira costurando para fora. Posteriormente Stálin ingressou num seminário
religioso, onde também vivia sob um forte regime opressivo –era proibido aos
seminaristas a leitura de textos estranhos determinados, além de haver uma
imposição cultural russa via igreja ortodoxa sobre os usos e costumes do
caucásio. E foi desde o seminário que Stálin iniciou sua militância política clandestina
– desde muito jovem Stálin foi um militante revolucionário profissional, muito
pouco afeito à teoria e muito associado à prática revolucionária. Consta que
apenas posteriormente enquanto colaborador do Pravda escreveu, com o apoio do
Lênin, um trabalho mais aprofundado sobre a questão das nacionalidades, o que
lhe valeu o posto correspondente no primeiro governo soviético.
Sempre foi um homem de confiança de Lênin pela sua dureza e
disciplina e, fato narrado de forma errada na biografia, no testamento de
Lênin, seria criticado quanto ao seu temperamento – que como podemos observar
remete às suas origens em nada cosmopolitas e assim muito diferentes das de um
Plekhanov ou de um Trótsky.
A quem interessa a total desmoralização do stalinismo, não
só 20 anos depois de sua morte, consoante esta biografia escrita sob as penas
do imperialismo, mas conforme os seus papagaios da esquerda (trotskystas) e
mesmo hoje em tempos de neoliberalismo, com o fim formal da URSS? Por que se
teme tanto uma revisão crítica do stalinismo? Certamente se Stálin e o
stalinismo é um ciclo encerrado na história não haveria tanta insistência em
evocar o seu nome como forma de supostamente “atacar” adversários com a pecha
de “stalinista”. Outro ponto que talvez mereça maior reflexão decorrente da
leitura desta biografia: por que coincidem em tantos aspectos as interpretações
extraídas da direita/imperialismo tanto da história da revolução russa quanto
de Stálin e do stalinismo em particular com a narrativa propagandeada pelos
trotskystas? Que militantes trotskystas são acusados de colaboração com o
imperialismo já há indícios e em outros casos provas concretas (ver caso do
PSTU na Ucrânia, mais recentemente) fazem-nos pensar que haja de fato uma
matriz comum entre imperialismo e trotskysmo. Não há fatos gratuitos na
história. O papel dos comunistas aqui envolve reunir todo o material
disponível, todas as fontes e em especial buscar aquelas elencadas como as
fontes de terceiro tipo (as mais raras): fontes independentes e as fontes
oficiais da história da revolução russa de forma a esclarecer os engodos
criados pelo imperialismo. Afinal, longe de se interessar pela verdade
histórica referente a quem foi e o que significou na história Joseph Stálin, o
imperialismo, como inimigo encarniçado da revolução, o deseja semear confusão e
desmoralização dentre as fileiras comunistas. Se o imperialismo e os
trotskystas gritam histericamente que Stálin é nosso inimigo, temos boas razões
para pensar que Stálin foi um grande camarada da causa comunista.
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