terça-feira, 26 de agosto de 2014

“A Revolução Soviética (1905-1945) – O Socialismo Num Só País” – Paulo F. Vizentini (org.)



Resenha Livro# 121 “A Revolução Soviética (1905-1945) – O Socialismo Num Só País” – Paulo F. Vizentini (org.) – Ed. Mercado Aberto – Série Revisão 36
 
 

A história da revolução russa bem como os sentidos políticos e a forma como aquele grandioso evento impactou o mundo ao longo do século XX pode ser contada de diversas formas, a depender não só dos pressupostos teóricos metodológicos do historiador (quais são suas fontes, os livros utilizados, os documentos pesquisados, a forma como se interpretou tais documentos), mas especificamente a orientação política daquele narrador do passado.

Tal fato ganha evidência quando falamos da história da Revolução Soviética na medida em que a evolução histórica que passa do ensaio geral da revolução com as mobilizações contra o czarismo em 1905, a participação da Rússia na 1ª Guerra Mundial incrementando o descontentamento popular, a queda, afinal, do Czar em fevereiro e a tomada do poder pelos bolcheviques em outubro de 1917, todos estes fatos, criariam tamanha repercussão no mundo que criariam mitos, falsificações mais ou menos intencionais, narrativas que expressem visões sociais de mundo distintas, em que pese arvorarem-se frequentemente estarem expressando uma versão efetivamente verdadeira ou objetiva daquela história.

Uma revolução envolve um conflito ou um acirramento entre as classes sociais, que também vão reproduzir a disputa no âmbito da historiografia.

Este volume de ensaios corresponde a uma reunião de textos decorrentes de palestras proferidas por ocasião da Semana de Estudos Sobre a Revolução Soviética em novembro de 1987 na UFRGS, coordenada pelo professor Paulo Vizentini e os professores Luiz Dário Teixeira Ribeiro, Luiz Roberto Lopez e Vera Regina Cohen. Os textos vão da Rússia pré-revolucionária de 1905 até os aspectos culturais (literatura, arte e música) da Rússia imediatamente antes e após a revolução, até o stalinismo.

Como se trata de um trabalho com fins acadêmico, não se nota, ao contrário de certa literatura baseada em manuais trotskystas, uma velha tendência em reiterar velhos mitos, como o de demonizar Stalin ou o Stalinismo, por exemplo.

As relações históricas – vistas sob um ângulo mais profundo, a partir de quem busca realmente entender e explicar fenômenos aparentemente singulares como o que foi os movimentos de política internacional de Stálin no contexto imediatamente anterior à II Guerra – não uma “mera traição pessoal” consoante o fácil receituário trotskysta – mas como a expressão (vitoriosa ao final) de uma orientação política baseada na linha do “socialismo num só país”.

Assim preleciona Paulo V.

“O Stalinismo não se explica pelo socialismo, mas pelas características russas, pela dureza das condições histórico-sociais em que a coletividade e a industrialização tiveram de ser realizadas, e também, em grande medida, pela conjuntura internacional, tanto pela hostilidade externa como pelo isolamento e falta de apoio para vencer o atraso do país (historicamente, a URRS foi o único país que empreendeu uma modernização revolucionária em condições tão difíceis). Visões puramente intelectuais do fenômeno stalinista provocam irônicas distorções, em que mesmo marxistas situam suas análises apenas no plano ideológico, transformando-se em personalistas e produzindo uma espécie de história das elites (abordando apenas lutas dentro da cúpula partidária). Infelizmente, o povo raramente escreve, e obras intelectuais como memórias de Victor Serge, por mais honestas que sejam, dão apenas uma visão parcial da realidade.”

Como dizíamos, muito dos interesses políticos que perpassam a historiografia da história da revolução contribuem para o maniqueísmo supracitado, particularmente quando se referem especificamente à figura de Stalin e ao legado do stalinismo.

O problema da coletivização forçada, por exemplo, costuma ser relatado pelos historiadores da burguesia como um episódio equivalente ao holocausto nazista, o que consiste num absurdo e numa falácia.

O que pode-se colocar é que o enfrentamento aos Kulags (grandes proprietários rurais) foi decorrente do fim da política da NEP concomitante a uma política dura e de vida ou morte para o estado soviético que sucumbia à fome, que os historiadores sérios claramente colocam de uma luta entre socialismo contra capitalistas e especuladores do campo – em contraponto aos Kulags, as cooperativas estatais, o controle e o monopólio estatal das máquinas agrícolas, para além do fato da cidade (meios de produção) estar sob domínio do estado. Stálin derrotou os grandes camponeses e este fato corroborou para fortalecer a URRS para os futuros embates da II Guerra Mundial:

Ainda Paulo V.

“A Revolução Pelo Alto feita a ferro e fogo pelo stalinismo permitiu à União Soviética sobreviver à invasão do melhor exército do mundo. Não se deve esquecer que uma guerra desta magnitude exigia uma organização industrial, bélica, tecnológica e alimentar complexas, bem como a mobilização popular total e a politização do Exército, e o Estado socialista demonstrou mais capacidade para realizar estas tarefas do que muitos esperavam, caso contrário teria sido derrotado”.

O que há de se destacar diante destes artigos é que a história da Revolução Russa, bem como a de qualquer evento que envolva o conflito de classes antagônicas especialmente considerando a sua recente projeção na história, é suscetível de muitos desenganos, inclusive com muitos discursos errados sendo reproduzidos dentro da esquerda.

São os próprios historiadores gaúchos que dão conta disto ao explicarem pacientemente como a III Internacional não foi “enterrada” por Stálin como um ato de traição ao internacionalismo (argumento propalado comumente pelos trotskystas), mas como uma ação geopolítica do pós-guerra num contexto em o Comitern na prática não tinha qualquer eficácia – e mais importante, relevando-se fatos comumente esquecidos - como a situação da própria URRS depois da II Guerra, completamente devastada em seus campos abandonados e 26 milhões de mortos – impotente frente aos EUA que saiam da Guerra depois de Hiroshima (mais de 200 .000 mortos) e Nagasaki (mais de 100. 000) mortos. Diante de circunstâncias internas tão graves não era Stálin, mas o povo soviético que não estava mobilizado para impulsionar a revolução na Europa e na Ásia.

É tempo de parar de replicar frases feitas seja pela historiografia burguesa seja pelos seus papagaios trotskystas. É tempo de olhar a história da Revolução Russa efetivamente com os olhos de um historiador, considerando as condições objetivas, qual seja, as relações de classe, as lutas entre as classes sociais e sua expressão política na história sem apriorismos e sem determinismos, mas de forma dialética e compromissado com a verdade.  Livros escritos por historiadores profissionais com este tipo de compromisso ajudam, neste sentido.

 

 

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