Resenha Livro #115 “São Bernardo” – Graciliano Ramos – Ed. Record (1)
Panorama Geral: Autor e
Obra
Graciliano Ramos nasceu em
1892 em Quebrangulo no estado de Alagoas. É um dos mais destacados escritores
da literatura nacional. A crítica literária costuma inseri-lo dentro do
conjunto de artistas e escritores do movimento modernista, ou, mais
especificamente, da 2ª Fase do Modernismo. O traço distintivo do modernismo e
sua importância para a cultura nacional foi a de lançar as bases para a criação
de uma arte genuinamente brasileira.
A semana de arte moderna
de 1922 foi nesse sentido um marco histórico importante e é tomada pelos
historiadores da arte como um ponto de partida: até então a arte produzida no
Brasil tinha como pressuposto modelos importados do estrangeiro, especialmente
da europeus e especificamente dos franceses e alemães, do Romantismo byronista,
do Realismo de Machado de Assis e do Naturalismo de Aluízio de Azevedo e Lima
Barreto.
Certamente em Lima Barreto
com seu “Triste Fim De Policarpo Quaresma” ou mesmo em Machado de Assis há
importantes traços de originalidade nacional, além do fato importante das
narrativas estarem, já desde o Realismo do séc. XIX, descrevendo a sociedade
brasileira, as relações sociais derivadas da escravidão, da transição entre a
monarquia e a república, etc.
O que há assim de novo com
o movimento modernista de 1922? Trata-se de uma nova pretensão de introduzir também
na forma artística uma independência em relação ao que é dominante na Europa.
Daí a importância dos quadros de Tarcila do Amaral que não só retratam a
natureza do Brasil, mas o fazem sob uma forma que revoluciona e transgride modelos
até então importados desde fora.
O mesmo pode-se dizer de “Macunaíma”
de Mário de Andrade que para além de ser uma história fantástica relacionada a
um índio (lembrando que o tema indígena já era preocupação dos românticos do
XIX desde sua primeira geração com José de Alencar) mas criando uma narrativa
original e nesse sentido genuinamente nacional.
Apenas para pontuar, vale
ressaltar que aquele movimento modernista não está restrito ao âmbito das artes,
mas também se desdobra no âmbito das ciências sociais. É justamente entre 1922
e 1930-45 que surgem os primeiros trabalhos e esforços no sentido de pensar e
produzir trabalhos intelectuais que de alguma forma façam avançar a ideia de
uma identidade nacional: no Brasil ocorre fenômeno curioso e distinto dos
países europeus onde a criação da identidade nacional antecede e não sucede a
formação do estado nacional.
Os três autores
modernistas mais importantes daquele período são Sérgio Buarque de Holanda,
Caio Prado Júnior e Gylberto Freire, cada um com uma linha teórico-metodológica
distinta, mas com esforços comuns no sentido de pesquisar o passado do Brasil
para a partir da análise histórica ajudar a criar aquela identidade nacional,
uma tarefa histórica que se colocava claramente no Brasil dos anos de 1922-30.
Voltando ao Graciliano
Ramos, o autor alagoano começou a trabalhar como periodista na cidade de
Palmeira dos Índios. Em 1915 muda-se para o Rio de Janeiro onde trabalha no Correio da Manhã. Em 1927
assume o cargo de prefeito da cidade de Palmeira dos Índios, cargo que
renunciará em 1930. Em 1936 é preso sem processo durante o estado novo de
Getúlio Vargas – desta experiência escreverá um livro baseado no tempo de
prisão, “Memórias do Cárcere”. Quinze
anos depois em 1945 Graciliano ingressa no PCB sem contudo ter uma vida ativa
dentro do partido comunista – é antes um escritor do que um militante comunista
engajado. Viajou pelo leste europeu e escreveu relatos sobre os países que
conheceu. Fumava compulsivamente e bebia. Morre em 1954.
São Bernardo
Este romance de Graciliano
Ramos foi publicado em 1936. Narrado em primeira pessoa, relata a vida de Paulo
Honório, um personagem agreste e seco como o clima e ambiente da fazenda de São
Bernardo na zona da mata nordestina. Paulo nasceu pobre e sozinho, foi
adquirindo patrimônio, sem o auxílio de familiares e qualquer apoio de
terceiros, sempre através de métodos violentos. Sua personalidade se relaciona com
as dificuldades brutais que teve para ascender: de pobre e só a um
latifundiário poderoso, dono das terras de São Bernardo, num contexto social de
coronelismo onde o poder político está fundado na propriedade.
Paulo Honório vê a vida
sob o prisma do utilitarismo. A reificação o leva a subverter as relações
humanas e o torna um proprietário particularmente cruel, incapaz de conceber o
amor da mulher e a amizade dos amigos. Não julgamos Paulo Honório por isso: o
fato da narrativa ser feita em 1ª pessoa contribui para o leitor criar uma
empatia com a personagem e o fluxo de seus pensamentos demonstra a forma como
pensa aquele que entende a vida como um amontoado de interesses egoístas. O
homem como o lobo do homem.
A personagem Madalena surge
na narrativa como um elemento contingencial e irá mudar radicalmente os rumos
de São Bernardo e da vida de Paulo Honório. O drama do resenhista de romances é
a velha dúvida: devemos contar o final da história? Não! Não queremos tirar a
curiosidade do leitor, mesmo por que um dos objetivos desta resenha é incentivar
que os leitores do blog vão atrás dos livros resenhados.
Apenas concluímos dizendo
que a experiência amorosa junto à Madalena (observar o nome da Mulher, a
prostituta do texto bíblico) revoluciona a percepção de Paulo, o utilitarista.
Não, Paulo não capitula ao amor. São Bernardo é uma história triste. Aliás,
esta é uma característica das histórias de Graciliano Ramos. O final de suas
histórias não costuma ser feliz. Este é um dos motivos pelos quais este escritor
de resenhas tem o Graciliano Ramos como ser romancista favorito, ao menos
dentre os romancistas em língua portuguesa: são histórias que escapam da zona
de conforto do senso comum.
Superior à “São Bernardo”,
só “Angústia”.
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