Resenha livro #43 “Cultura e Sociedade no Brasil: ensaios
sobre ideias e formas” – Carlos Nelson Coutinho
O livro coresponde à compilação de ensaios de Carlos Nelson Coutinho escritos num intervalo de 30 anos. O
que unifica os ensaios é a análise da cultura e, particularmente, da produção
artística do Brasil a partir da opção teórico-metodológica marxista. Dentro do
campo marxista, o autor serve de categorias como “revolução passiva” , “Via
prussiana”, “Sociedade civil” ou “intimismo a sombra do poder” dentre outras
expressões decorrentes do pensamento de destacados intelectuais marxistas, a
saber: G. Lukács, A. Gramsci e V. Lênin.
A opção teórico metodológica de Coutinho parece não sofrer
grandes mudanças ao longo destes 30 anos. Há a sensação de que os escritos têm
como mínimo denominador comum o esforço de relacionar a arte e a cultura de
forma geral com as transformações econômicas e políticas de maiores proporções,
partindo do Brasil colônia, passando pela modernização conservadora e inserção
do país ao capitalismo em suas fases industriais (a partir dos anos de 1930) e o
capitalismo monopolista de estado (a partir do golpe e do regime militar).
Nas palavras do autor, “(...) não proporia uma leitura
conjunta destes ensaios se não estivesse convencido de que eles possuem uma
unidade substancial, tanto de método como de conteúdo”. Assim, o autor tem como
fio condutor de suas analises da produção literária no Brasil as interações
entre arte/cultura e as relações sociais dominantes de determinada conjuntura. Os artigos reiteram ser somente possível
entender os “fenômenos artísticos e ideológicos quando estes aparecem relacionados
dialeticamente com a totalidade social da qual são, simultaneamente, expressões
e momentos constitutivos”.
Tomada de posição política e Contextualização Histórica
Esta unidade entre artigos escritos em um intervalo de três décadas é possível de ser percebida não só pelas escolhas das categorias
sociológicas para análise da realidade, mas também pela própria orientação
política de Coutinho, para quem uma arte superior seria produto de uma verdadeira cultura
nacional popular, realidade que apenas teria concretude numa sociedade
socialista.
A opção teórico metodológica marxista igualmente repercute nos
ensaios quando o autor “historiciza” os fenômenos culturais ou a produção
literária e intelectual de pensadores e escritores brasileiros. “Historicizar” significa contemplar as obras também
como produto das relações sociais dominantes em cada período. Significa
analisar o universo de escolhas possíveis a cada autor/artista, e interpretar o
porquê de cada escolha, apontando para o conteúdo político do resultado final
das obras intelectuais. Significa, portanto, analisar o contexto histórico geral (economia,
sociedade e política) a partir da qual o artista/autor intervem, sem cair no anacronismo, ou seja,
determinando que a obra de arte “poderia ter tido um resultado diferente”, não considerando
o universo/repertório de possibilidades de escolhas de cada momento histórico. (Anacronismo,
portanto, é desconsiderar que determinada opção simplesmente não estava colocada
em dado período histórico).
Desta forma, dificilmente haveria no Brasil do início do
séc. XX autores que tivessem acesso às obras marxistas, além da “sociedade
civil” (Gramsci) não estar estruturada o suficiente de forma a criar uma arte
nacional popular verdadeiramente aliada aos setores explorados pelo
capitalismo. Lima Barreto simpatiza com a Revolução Russa, mas sua simpatia é
antes intuitiva do que resultado de uma profunda convicção política. Ainda
assim, o autor de Policarpo Quaresma, ao estabelecer uma crítica radical e
irônica aos poderes políticos de sua época, aponta para um novo tipo de arte
que supera a lógica ornamental e formalista decorrentes da relação de
subordinação dos intelectuais ao poder–
realidade que marca o romance brasileiro do séc. XIX e é produto do “intimismo a
sombra do poder”. (Lukács).
A busca de uma interação entre as produções culturais e a
totalidade das relações sociais de cada conjuntura histórica implica, em
Coutinho, na não adesão a uma certa
crítica literária que centra sua análise exclusivamente nos traços biográficos
do autor. Assim, a análise de Lima Bareto não está ancorada em evidenciar o
alcoolismo ou eventuais patologias individuais do escritor/jornalista, mas sim
estabelecendo sua obra (contestadora e intuitivamente socialista/igualitarista)
como o resultado da percepção de mundo do autor e a do repertório cultural
disponível no Brasil do início dos anos 1920: há também de se considerar as possibilidades abertas para
uma nova posição social do intelectual a partir das transformações por que
passa o país (urbanização, gênese de uma incipiente classe operária e inserção do capitalismo pela “via prussiana”,
o que significa a sobrevivência e a coexistência de elementos pré-capitalistas
no processo de modernização conservadora). Além de Lima Barreto, são objeto de análises específicas Graciliano
Ramos, Caio Prado Júnior e Florestan Fernandes.
Sínteses
Os diversos ramos da nossa literatura e
produção intelectual têm a ver inicialmente com a posição social dos
intelectuais frente à inserção do Brasil ao capitalismo. A reiteração do fato
do Brasil ter passado por um processo de "revolução passiva" (Gramsci), serve,
nos ensaios, para justificar as dificuldades dos intelectuais de superarem sua
subordinação à classe dominante, criando condições para a ocorrência de uma arte
Ornamental, vício que será superado a partir da literatura realista e humanista
de Lima Barreto e Graciliano Ramos. Há, na tradição literária brasileira, o fato
dos intelectuais estarem condicionados ao “intimismo a sombra do poder”. O escritor de valor superior é aquele que,
escrevendo sobre as questões de seu tempo, consegue, outrossim, criar
personagens de caráter universal expressando possibilidades de interpretação
que vão além do mero relato do tempo presente, havendo mesmo projeções em
direção ao futuro em suas obras.
A leitura “Cultura e Sociedade” é de difícil assimilação,
desde que a crítica literária parte do pressuposto de que o leitor tenha certo
repertório cultural inicial para melhor compreender os exemplos comparativos
de diversos autores, escritores e intelectuais citados por Coutinho. A leitura
do livro, outrossim, pode ser pedagógica, talvez menos pelas interpretações
pessoais de Coutinho acerca do valor literário de cada escritor e mais em
função do seu método de análise. O nome da compilação “Cultura e Sociedade”
deixa claro, desde já, que a tarefa do crítico literário não pode se resumir à
interpretação da obra e do autor “em si”, mas na complexa interpretação das
relações entre arte/cultura e a totalidade das relações sociais. Estudar a
literatura e a produção cultural no Brasil é parte do esforço maior de análise
da realidade nacional, tarefa necessária àqueles que têm como meta a superação da sociedade capitalista e a transição rumo ao socialismo.
Muito bom
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