quinta-feira, 26 de abril de 2012

Cultura e Sociedade no Brasil - Carlos Nelson Coutinho


Resenha livro #43 “Cultura e Sociedade no Brasil: ensaios sobre ideias e formas” – Carlos Nelson Coutinho



O livro coresponde à compilação de ensaios de Carlos Nelson  Coutinho escritos num intervalo de 30 anos. O que unifica os ensaios é a análise da cultura e, particularmente, da produção artística do Brasil a partir da opção teórico-metodológica marxista. Dentro do campo marxista, o autor serve de categorias como “revolução passiva” , “Via prussiana”, “Sociedade civil” ou “intimismo a sombra do poder” dentre outras expressões decorrentes do pensamento de destacados intelectuais marxistas, a saber: G. Lukács, A. Gramsci e V. Lênin.

A opção teórico metodológica de Coutinho parece não sofrer grandes mudanças ao longo destes 30 anos. Há a sensação de que os escritos têm como mínimo denominador comum o esforço de relacionar a arte e a cultura de forma geral com as transformações econômicas e políticas de maiores proporções, partindo do Brasil colônia, passando pela modernização conservadora e inserção do país ao capitalismo em suas fases industriais (a partir dos anos de 1930) e o capitalismo monopolista de estado (a partir do golpe e do regime militar).  

Nas palavras do autor, “(...) não proporia uma leitura conjunta destes ensaios se não estivesse convencido de que eles possuem uma unidade substancial, tanto de método como de conteúdo”. Assim, o autor tem como fio condutor de suas analises da produção literária no Brasil as interações entre arte/cultura e as relações sociais dominantes de determinada conjuntura.  Os artigos reiteram ser somente possível entender os “fenômenos artísticos e ideológicos quando estes aparecem relacionados dialeticamente com a totalidade social da qual são, simultaneamente, expressões e momentos constitutivos”.

Tomada de posição política e Contextualização Histórica

Esta unidade entre artigos escritos em um intervalo de três décadas é possível de ser percebida não só  pelas escolhas das categorias sociológicas para análise da realidade, mas também pela própria orientação política de Coutinho, para quem uma arte superior  seria produto de uma verdadeira cultura nacional popular, realidade que apenas teria concretude numa sociedade socialista.   

A opção teórico metodológica marxista igualmente repercute nos ensaios quando o autor “historiciza” os fenômenos culturais ou a produção literária e intelectual de pensadores e escritores brasileiros.  “Historicizar” significa contemplar as obras também como produto das relações sociais dominantes em cada período. Significa analisar o universo de escolhas possíveis a cada autor/artista, e interpretar o porquê de cada escolha, apontando para o conteúdo político do resultado final das obras intelectuais. Significa, portanto,  analisar o contexto histórico geral (economia, sociedade e política) a partir da qual o artista/autor intervem,  sem cair no anacronismo, ou seja, determinando que a obra de arte “poderia ter tido um resultado diferente”, não considerando o universo/repertório de possibilidades de escolhas de cada momento histórico. (Anacronismo, portanto, é desconsiderar que determinada opção simplesmente não estava colocada em dado período histórico).

Desta forma, dificilmente haveria no Brasil do início do séc. XX autores que tivessem acesso às obras marxistas, além da “sociedade civil” (Gramsci) não estar estruturada o suficiente de forma a criar uma arte nacional popular verdadeiramente aliada aos setores explorados pelo capitalismo. Lima Barreto simpatiza com a Revolução Russa, mas sua simpatia é antes intuitiva do que resultado de uma profunda convicção política. Ainda assim, o autor de Policarpo Quaresma, ao estabelecer uma crítica radical e irônica aos poderes políticos de sua época, aponta para um novo tipo de arte que supera a lógica ornamental e formalista decorrentes da relação de subordinação dos intelectuais  ao poder– realidade que marca o romance brasileiro do séc. XIX e é produto do “intimismo a sombra do poder”. (Lukács).

A busca de uma interação entre as produções culturais e a totalidade das relações sociais de cada conjuntura histórica implica, em Coutinho,  na não adesão a uma certa crítica literária que centra sua análise exclusivamente nos traços biográficos do autor. Assim, a análise de Lima Bareto não está ancorada em evidenciar o alcoolismo ou eventuais patologias individuais do escritor/jornalista, mas sim estabelecendo sua obra (contestadora e intuitivamente socialista/igualitarista) como o resultado da percepção de mundo do autor e a do repertório cultural disponível no Brasil do início dos anos 1920: há também de se considerar as possibilidades abertas para uma nova posição social do intelectual a partir das transformações por que passa o país (urbanização, gênese de uma incipiente classe operária e  inserção do capitalismo pela “via prussiana”, o que significa a sobrevivência e a coexistência de elementos pré-capitalistas no processo de modernização conservadora). Além de Lima Barreto, são objeto de análises específicas Graciliano Ramos, Caio Prado Júnior e Florestan Fernandes.  

Sínteses 

Os diversos ramos da nossa literatura e produção intelectual têm a ver inicialmente com a posição social dos intelectuais frente à inserção do Brasil ao capitalismo. A reiteração do fato do Brasil ter passado por um processo de "revolução passiva" (Gramsci), serve, nos ensaios, para justificar as dificuldades dos intelectuais de superarem sua subordinação à classe dominante, criando condições para a ocorrência de uma arte Ornamental, vício que será superado a partir da literatura realista e humanista de Lima Barreto e Graciliano Ramos. Há, na tradição literária brasileira, o fato dos intelectuais estarem condicionados ao “intimismo a sombra do poder”.  O escritor de valor superior é aquele que, escrevendo sobre as questões de seu tempo, consegue, outrossim, criar personagens de caráter universal expressando possibilidades de interpretação que vão além do mero relato do tempo presente, havendo mesmo projeções em direção ao futuro em suas obras.  

A leitura “Cultura e Sociedade” é de difícil assimilação, desde que a crítica literária parte do pressuposto de que o leitor tenha certo repertório cultural inicial para melhor compreender os exemplos comparativos de diversos autores, escritores e intelectuais citados por Coutinho. A leitura do livro, outrossim, pode ser pedagógica, talvez menos pelas interpretações pessoais de Coutinho acerca do valor literário de cada escritor e mais em função do seu método de análise. O nome da compilação “Cultura e Sociedade” deixa claro, desde já, que a tarefa do crítico literário não pode se resumir à interpretação da obra e do autor “em si”, mas na complexa interpretação das relações entre arte/cultura e a totalidade das relações sociais. Estudar a literatura e a produção cultural no Brasil é parte do esforço maior de análise da realidade nacional, tarefa necessária àqueles que têm como meta a superação da sociedade capitalista e a transição rumo ao socialismo. 

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