Resenha Livro #44 Triologia Suja de Havana - Pedro Juan Gutiérrez
Triologia Suja de Havana narra a vida cotidiana do povo
cubano durante o contexto de grave crise econômica por que passa Cuba durante
os anos de 1990.
Como se sabe, Cuba, em 1959, passou por uma revolução
popular que pôs fim à ditadura corrupta de Fulgêncio Batista. Inicialmente, a
revolução cubana não teve um caráter socialista, tal qual a revolução russa de
outubro de 1917. Tanto é verdade que mesmo o governo dos EUA inicialmente
(antes das nacionalizações) viu com simpatia aquele movimento, sugerindo
eventual adesão da Ilha aos ditames do imperialismo após a fase revolucionária.
Na verdade, Cuba, até a revolução, foi um país dominado pelo imperialismo –
seja em sua fase colonial por Espanha seja em sua fase independente pelos EUA.
Com as nacionalizações e frente ao contexto geopolítico internacional da Guerra
Fria, a nação Cubana aderiu ao campo socialista, colocando-se em lado oposto
ao imperialismo norte-americano. No âmbito tanto da economia quanto da política,
a ilha tinha a URSS como principal aliada: com o fim da URSS a partir de 1990
Cuba viveu uma grande crise econômica, desde que perdera uma parceira comercial
que praticamente a sustentava economicamente.
Pedro Juan narra como os cubanos vão sobrevivendo frente à
crise. Seu texto dialoga com o
jornalismo, desde que as histórias narradas contêm uma forte carga de realismo
e mesmo de objetividade. Em meio a uma
situação de escassez de alimentos, de moradia digna e de acesso a algum serviço
público de qualidade, os personagens aparecem como indivíduos abandonados e que
lutam pela sobrevivência diariamente: muitas das mulheres (e alguns homens)
optam pela prostituição enquanto outros lidam com contrabando, compra e venda
de alimentos e outros bens de baixo valor, além dos trabalhos estatais muito
mal remunerados.
Do ponto de vista político, a impressão que o leitor tem é a
de que a perspectiva da criação de um novo mundo socialista, em que os valores
de solidariedade, fraternidade e coletividade sejam hegemônicos, choca-se com uma realidade de escassez, de fome e de
miséria do povo cubano. A luta pela sobrevivência vem antes da luta abstrata
por um outro tipo de sociedade. Cada história individual relatada mostra
personagens que passam fome e em extrema penúria, passando-se em branco
eventual interesse pela grande política por parte da esmagadora maioria dos
personagens. Se por um lado há a expectativa de que, num país que reivindica o
socialismo, houvesse a percepção crítica da população acerca da realidade e dos problemas pelos quais passam, o que se percebe é uma sensação de indiferença com
relação à política: luta pela sobrevivência e o contexto de
total escassez criam condições para uma situação que remete à animalização do
homem. A sexualidade exacerbada do narrador Pedro e dos demais aparece repetitivamente no ensaio. São relatadas
a todo momento cenas de sexo, como se o ato sexual fosse um mecanismo de
compensação à vulnerabilidade da vida.
Raramente, há críticas sutis à burocracia, sugerindo que eventuais indivíduos bem relacionados com o governo não estivessem sofrendo as mesmas agruras que o povo. Entretanto, como afirma José Rubens Siqueira, “os personagens deste livro são sobrevivente que não questionam o comunismo revolucionário do sistema e ao mesmo tempo não acreditam nele”. Ou seja, os desafios da construção de uma nova sociedade passam longe dos interesses daqueles que a cada dia buscam o mínimo para sobreviver.
Raramente, há críticas sutis à burocracia, sugerindo que eventuais indivíduos bem relacionados com o governo não estivessem sofrendo as mesmas agruras que o povo. Entretanto, como afirma José Rubens Siqueira, “os personagens deste livro são sobrevivente que não questionam o comunismo revolucionário do sistema e ao mesmo tempo não acreditam nele”. Ou seja, os desafios da construção de uma nova sociedade passam longe dos interesses daqueles que a cada dia buscam o mínimo para sobreviver.
Assim, os anos de crise são marcados por desilusão, sem que
a mesma se traduza em algum momento em revolta ou rebelião contra a ordem
dominante.
A leitura deste livro pode chocar muitos que ainda interpretam Cuba como um país isento de contradições, particularmente frente à consolidação de uma burocracia dirigente em detrimento da conformação de um socialismo “de baixo para cima”, a partir da tomada do poder político pelas massas. Como se sabe, é impossível construir o socialismo em um país só e a tragédia cubana, além do bloqueio econômico, refere-se à ausência da generalização do socialismo em nível mundial.
A leitura deste livro pode chocar muitos que ainda interpretam Cuba como um país isento de contradições, particularmente frente à consolidação de uma burocracia dirigente em detrimento da conformação de um socialismo “de baixo para cima”, a partir da tomada do poder político pelas massas. Como se sabe, é impossível construir o socialismo em um país só e a tragédia cubana, além do bloqueio econômico, refere-se à ausência da generalização do socialismo em nível mundial.
Não se pode, por
outro lado, perder de vista a existência de inimigos do socialismo que podem
tirar proveito dos relatos de “Triologia Suja de Havana” para denunciar a
suposta inviabilidade do socialismo de maneira geral. Além do embargo promovido
pelos EUA, a crise relatada no livro é parte da crise do socialismo em nível
mundial. A incredulidade com relação ao socialismo generalizou-se mundialmente
a partir da emergente hegemonia neoliberal, também a partir dos 1990.
Seja como
for, é por meio da contextualização histórica que o livro de Pedro Juan
Gutiérrez deve ser visto: como parte de um momento histórico de crise de
alternativas societárias ao capitalismo e isolamento geopolítico total de Cuba.
As derrotas do socialismo não devem servir de base para uma restauração
capitalista, mas pela renovação deste modelo societário, fazendo-se autocríticas e aprendendo
sempre com os erros do passado.
Pedro Juan é o cara!! O melhor entre todos os escritores! La Bestia cubana!
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