sábado, 15 de dezembro de 2012

"Rumo à Estação Finlândia" - Edmund Wilson



Resenha #45 “Rumo à Estação Finlândia: escritores e atores da história”  - Edmund Wilson


A Estação Finlândia sobre a qual  o título do ensaio do jornalista norte americano Edmund Wilson faz menção refere-se à estação de trem pela qual o líder do partido Bolchevique V. I. Lênin embarcou à Russia em abril de 1917.

Como se sabe, as lutas sociais contra a autocracia e o regime dos Czares na Rússia datam desde o final do século XIX. O próprio irmão mais velho de Lênin envolvera-se no grupo terrorista “Pervomartovtsi” e foi morto, aos 21 anos de idade, fato que teve implicações objetivas na vida de Lênin (dificuldade de acesso a estabelecimentos superiores de ensino em função do passado do seu irmão) e dos desdobramentos em sua política, que seria consolidada a partir do marxismo.

Em 1905, uma grande mobilização em São Petersburgo exigindo reformas democráticas e liberalizantes terminou com naquilo que ficou conhecido como domingo sangrento, quando a guarda imperial massacrou os manifestantes pacíficos em praça pública.  

Após o domingo sangrento, as forças da reação ganharam força, assim como as perseguições políticas, censuras e expurgos. Entretanto, o grande número de mortos russos na 1ª Guerra Mundial,  o descontentamento dos camponeses, submetidos à relação feudal de produção e a fome nas cidades criariam o caldo a partir do qual um conjunto de mobilizações culminaria nas  revoluções de fevereiro e outubro de 1917.

As conjunturas revolucionárias, esquinas perigosas da história, são capazes de surpreender até mesmo os mais bem preparados líderes políticos,  tal qual Lenin.  Assim, em 1922 de janeiro de 1917, Lenin disse a uma plateia de jovens, em uma conferência sobre a Revolução de 1905: “Nós, que pertencemos à Geração mais velha, talvez não vivamos o suficiente para ver as batalhas decisivas da revolução vindoura”. Pois é justamente o lado mais humano das personagens (com as suas contradições internas, seus traços de personalidade e suas relações pessoais), um dos aspectos que Wilson mais busca destacar dos seus “atores da história”.

“Rumo à Estação Finlândia” é um ensaio que versa sobre a história das ideias. Tem como ponto de partida a análise das ideias do historiador francês Michelet (autor de importante obra sobre a Revolução Francesa), fazendo um itinerário que vai do momento em que a burguesia ainda mantém uma perspectiva revolucionária, passando pela fase de declínio da tradição revolucionária burguesa em Renan, Taine e Anatole France. O movimento prossegue, agora descrevendo a origem do socialismo, primeiro por meio do socialismo utópico (Babeuf, Sain-Simon, Fourier e Owen), pelo socialismo científico de Marx e Engels, até, finalmente, atingir a estação Finlândia, correspondendo a momento de intervenção revolucionária do proletariado a partir de Lênin e Trótsky.

Vemos assim, a partir de uma leitura panorâmica de “Rumo à Estação Finlândia”, a correspondência entre as ideias, os escritores e os atores da história e a co-relação de forças entre as classes sociais, em determinado momento da história: Michelet foi pioneiro por ser o primeiro historiador a encarar seu objeto de estudo como produto da ação humana. A história, em Michelet, não é feita exclusivamente por grandes líderes que conduzem o processo histórico: “outra coisa que essa História  demonstrará com clareza, e que vigora em todos os casos, é que o povo era normalmente mais importante que os líderes. Quanto mais fundo escavei, mais me convenci de que o melhor estava no fundo, nas profundezes obscuras. E compreendi que é um grande erro tomar esses oradores brilhantes e poderosos, que exprimiam o pensamento das massas, como os únicos atores desse drama. Eles receberam impulsos de outrem muito mais do que o impediram. O ator principal é o povo”.

Michelet expressa as ideias da nova classe dominante burguesa: busca, nestes marcos de transformação social, criar um novo método para escrever sobre a história – e escreve, emblematicamente, sobre a Revolução Francesa, experiência que derrotou a monarquia e o feudalismo na França, repercutindo, o evento, por todo o mundo.

A voga revolucionária burguesa ganharia algum fôlego com a primavera dos povos de 1848. Entretanto, a classe burguesa, com o advento da revolução industrial e o surgimento do proletariado, passa a temer o crescimento deste novo ator político. Assim a revolução de fevereiro e outubro de 1948 em França contou com a participação de socialistas dirigidos por Auguste Blanqui, que dirigiu desde Paris uma insurreição em junho daquele ano, esmagada pela reação. Se à grande burguesia industrial interessava um regime liberal e constitucional, ao mesmo tempo, a agitação e radicalização política poderia colocar aqueles processos revolucionários fora do controle da burguesia. É nesses marcos que autores como Renan Taine ou Anatole France já representam um momento em que a produção das ideias burguesas perdem o ímpeto revolucionário. Entra em cena, do ponto de vista da teoria da história, a equiparação entre a mesma e as ciências naturais. Segundo Wilson, “o entusiasmo pela ciência que caracterizara o iluminismo persistia, sem o entusiasmo político do Iluminismo”.

Os personagens da história, para além do mito

Como analisamos, “Rumo à Estação Finlândia” aborda um conjunto de pensadores e escritores que viveram entre os séculos XVIII, XIX e XX. Trata-se de um ensaio que versa sobre a história das ideias: o leitor vai percebendo como o desenvolvimento do processo histórico caminha pari passu com o universo de escolhas e expectativas de cada autor para cada contexto histórico e para cada correlação de forças entre as classes sociais. Acompanhamos uma trajetória que vai da burguesia em sua fase revolucionária, da burguesia em sua fase conservadora desde que à frente da sociedade e sob a pressão da insurreição proletária, dos pensadores socialistas utópicos, do socialismo científico e do movimento socialista colocado em prática na Rússia de 1917.

Edmund Wilson foi um jornalista e crítico literário norte-americano. Foi editor da revista “Vanity Afair” e da “The New Yorker” (Revista que existe até hoje e que equivaleria a nossa Piauí). Não se trata de um autor marxista: muito pelo contrário, o autor, em diversas passagens, tece duras críticas a um dos pontos mais centrais do marxismo, a dialética. Segundo Wilson, a dialética, em Marx e Engels, quando relacionada à análise da história, assume, sem que os autores o percebam, um caráter metafísico. Assim, o ensaísta vai relatando uma série de textos e cartas de Marx e Engels que fazem crer que ambos tinham uma noção teleológica da história, o que é alcançado por meio de uma noção vaga do sentido de dialética.

O fato é que a dialética hegeliana, assumida pela teoria marxista, não corresponde a uma ideia irracionalista, mística, etc. A dialética é re-elaborada pelo marxismo, relacionando-a com os conflitos de classe que dão propulsão à história. Não se trata de um mecanismo “oculto” ou, como em Hegel, um movimento que leva o filósofo a uma espécie de verdade ideial, mas de método fortemente imbricada no materialismo, na análise concreta da realidade concreta.

Feita esta consideração, “Rumo à Estação Finlândia” é um livro que vale a pena ser lido, eventualmente para situar como um liberal (com vasto repertório cultural) interpreta e critica o marxismo, que reivindicamos. Trata-se de uma crítica que parte de um ponto de vista especial e incomum.

Citação Final

“Quanto aos objetivos e ideais do marxismo, há neles uma característica que atualmente é encarada com suspeita, e não sem razão. Não basta que o estado assuma o controle dos meios de produção e se estabeleça uma ditadura que defenda os interesses do proletariado para que esteja garantida a felicidade de ninguém – exceto dos próprios ditadores. (...) Porém, feitas todas essas considerações, resta algo mais importante que é comum a todos os grandes marxistas: o desejo de abolir os privilégios de classe baseados no berço e nas diferenças de renda; a vontade de estabelecer uma sociedade em que o desenvolvimento superior de alguns não seja custeado pela exploração – ou seja, pela degradação proposital – de outrem: uma sociedade que seja homogênea e cooperativa, algo bem diverso de nossa sociedade comercial (...)”.   

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