quarta-feira, 11 de abril de 2012

De Rousseau a Gramsci – Carlos Nelson Coutinho

Resenha livro #42 De Rousseau a Gramsci – Carlos Nelson Coutinho



O livro publicado pela editora Boitempo corresponde a uma série de ensaios do filósofo carioca, tendo como fio condutor as distintas noções de democracia, política (teoria política x ciência política) e a questão da revolução do modo de produção. Os temas são enfocados a partir das contribuições dos mais destacados autores de teoria política de um período que vai da consolidação da burguesia como classe dominante até o momento em que se destacam os críticos da sociedade capitalistas: de Rousseau e Hegel a Marx e Gramsci, contando com um capítulo final com alguns destaques do marxista húngaro Lukács.

Autor

Carlos Nelson Coutinho integra um grupo de intelectuais marxistas do Brasil com destacada importância no sentido de repercutir as ideias da filosofia da práxis no país fugindo sempre do dogmatismo e da ortodoxia que marcaram o marxismo oficial de verniz stalinista durante o séc. XX.

Enquanto Leandro Konder aprofunda a noção da dialética e Celso Frederico discute as ideias do Jovem Marx, Carlos Nelson tem contribuição decisiva na introdução e generalização das ideias do filósofo A. Gramsci no Brasil – no ensaio há, aliás, um capítulo bastante interessante dedicado a explicar a forma como os cadernos (um total de 29 cadernos, todos eles escritos na prisão) foram editados na Itália e no Brasil. Descreve algumas polêmicas quanto ao agrupamento dos textos e o fato de Brasil e Argentina terem sido um dos primeiros países a ter acesso aos textos do autor italiano.

Com relação à obra, sua atualidade refere-se em primeiro lugar a reivindicação do estudo da política para além daquilo que Gramsci chama da “pequena política” e o discurso do senso comum (reproduzido mesmo na universidade) que afirma a “ciência política” como um conhecimento “neutro”, baseado em “sistemas” passíveis de serem medidas por meio de análises estatísticas, etc.

Já em Rousseau e a partir deste autor, o autor identifica o esforço de se pensar a política enquanto uma totalidade, evolução que atravessa gradualmente os demais auores: pelo pensamento de Hegel até chegar a Marx, quando, na obra Questão Judaica, este último reivindica, para além da emancipação política, a emancipação humana geral, remetendo à exigência de se pensar os fenômenos sociais como parte de processos históricos globais, inter-relacionados e, mais importantes, com projeções sobre a totalidade das relações sociais. (Aquilo que Gramsci chamará de Grande Política).

Importante destacar: a divisão entre pequena política e grande política tem a ver com os interesses políticos da classe dominante: a pequena política de gabinete que acompanhamos nos jornais e na televisão despolitiza as grandes questões determinantes, sendo a grande política, a decisão acerca dos rumos da economia e da organização da produção e distribuição da riqueza na sociedade sempre discutidas prioritariamente e exclusivamente pelas classes dominantes. Isto, alerta Coutinho, não é uma regra fixa, podendo haver momentos em que há uma inversão de papeis quanto a pequena e grande política, sempre ao sabor dos interesses imediatos das classes dominantes. Às vezes a grande política pode ser discutida pelo conjunto da sociedade, principalmente em momentos de impasse histórico. (Pensar no momento de crise estrutural do capitalismo quando as saídas keynesianas não se mostram suficientes para dar conta das contradições e da própria natureza destrutiva do capitalismo).

Algumas críticas – o Reformismo em Coutinho

Na página 74 do livro, há uma passagem em que Coutinho aponta uma implicação da alteração da tendência do capitalismo de redução da exploração do trabalho por meio da mais valia absoluta e aumento da exploração do trabalho por meio da mais valia relativa (aumento da produtividade). A implicação é uma melhoria relativa da qualidade de vida das classes exploradas. Ainda que persista a exploração do trabalho, há a criação de um novo equilíbrio, havendo a possibilidade de aumento simultâneo tanto dos salários quanto dos lucros dos capitalistas (realidade que estaria mais presente no Estado Social do Séc. XX o qual, por suposto, Marx não presenciou).

Discordamos de Coutinho quando este diz que "[esta nova realidade] forçou o Estado capitalista a se abrir para novos interesses que não o da classe dominante”.

O estado, segundo Marx, é o comitê executivo dos interesses da burguesia, instrumento de dominação da mesma sobre o proletariado e sua natureza de classe não se exaure pelas concessões da burguesia (concessões que são sempre provisórias e aparentes, principalmente quando observamos neste momento os cortes sociais nos estados europeu em crise econômica). O horizonte estratégico dos socialistas é a abolição do aparato-repressivo-ideológico do estado burguês e a extinção do poder político por meio da generalização da socialização e a auto- gestão da produção e da política. Sem este horizonte, caímos na tragédia reformista da social- democracia.

Reforma ou Revolução, a obra de Rosa Luxemburgo continua aqui sendo central e atual.

2 comentários:

  1. Paulo, eu realmente gostei da sua crítica, ela é bastante objetiva, clara e convidativa. E por ser convidativa, não pude me furtar ao convite de debate.

    Como um liberal, tanto nos aspectos econômicos quanto nos sociais e políticos, ou seja, estou longe de ser um conservador (em sentido estrito e técnico), assim como você não sou simpático ao Estado de Bem-Estar Social. Entendo que qualquer realidade em que o Estado seja um grande interventor, reduzindo os espaços de liberdade de cada indivíduo, é, claramente, uma forma nociva de Estado.

    A maneira própria do Estado de Bem-Estar de se apresentar como um grande garantidor e provedor, ainda que, a prima facia, se apresente como um algo benéfico, é, no âmbito econômico, uma bomba relógio, que a médio prazo implicará em prejuízo aos cidadãos, principalmente, às classes mais baixas. E,no âmbito sociopolítico, reduz a liberdade de iniciativa, de escolha e de decisão do indivíduo.

    E, ainda que pareça e talvez seja mesmo, uma crítica de base neoliberal, não consigo me furtar de enxergar que, no contexto do Estado de Bem-Estar, o grande provedor e garantidor, há uma classe dominante que intervém em todas as áreas. Isso, seja tanto para os socialistas quanto para os liberais (os verdadeiros liberais), é algo inadmissível.

    Logo, meu ponto é, por meio de um raciocínio diferente, concordar com você o Estado de Bem-Estar Social não se abre a outros interesses, apenas faz concessões. E, vou mais longe, ao identificar, como o fiz anteriormente, que nessas concessões estão a vantajosa intervenção direta da classe dominante na esfera individual de cada um. Um maior controle em troca de garantias.

    Como um liberal, em sociedade pseudoliberal, sou pró-reforma. Uma reforma que se baseie na liberdade de cada um, não só por meio da igualdade formal mas também da igualdade de oportunidades.

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  2. Bom texto, realmente, Paulo. Mas gostaria de destacar uma questão. O Estado capitalista é o único poder político na história conhecida que sofre ataques da própria classe dominante a que serve. Basta ver o ódio que os neoliberais lhe devotam e que só não é maior que o entusiasmo com que aprovam suas ações de repressão às lutas dos trabalhadores.
    Que faz essa discussão é Guillermo O’Donnell. Ele diz que o capitalismo não apenas separa os trabalhadores de seus meios de produção. Também separa a classe dominante de seus meios de coerção. Ou seja, política e economia aparecem separados no esquema de dominação da burguesia. E faz sentido. Afinal, a compra da força de trabalho dos trabalhadores para sua exploração pelos patrões é feita através de coerção econômica, não política. Por isso, os liberais acham que podem dar conta do recado sozinhos. E que o Estado só deve intervir quando a ordem e a moral são desrespeitados. A ordem e a moral deles, claro.
    Por outro lado, é a aceitação desta separação que torna a social-democracia e reformista. Que a faz isolar a luta de classes da política institucional ou torná-la mero apoio para esta. Você citou Marx, dizendo que “o Estado é o comitê executivo dos interesses da burguesia”. Na verdade, a tradução correta seria o “executivo do Estado é o comitê dos interesses da burguesia”. Então, há espaços criados dentro do Estado que não servem pura e simplesmente à defesa dos interesses da classe dominante. Por exemplo, os setores de educação, saúde, previdência etc. O que acontece é que, em momentos de defensiva, esses setores sofrem ataques pesados em direção ao tal “estado mínimo” com que os neoliberais sonham.
    Estou dizendo isso porque não acho que a afirmação de Coutinho sobre a permeabilidade do Estado em relação ao atendimento de alguns interesses populares é que faz dele um reformista. Esse tipo de coisa até acontece. Você pode achar que a universidade pública existe para formar quadros para a burguesia. E tem razão. Mas pela vontade da burguesia, ela não seria gratuita e não formaria uma massa teórica crítica, pequena, mas incômoda.
    O problema é alimentar a ilusão de que o caminho para a transformação social passe por paulatinos avanços por dentro do Estado burguês. Isto, sim, é reformismo e é o que parece ser o que Coutinho propõe. E a isso devemos responder com a defesa da destruição desse Estado e do fim de qualquer outro Estado de dominação de classe.
    Só acho perigoso ignorar a autonomia relativa do Estado capitalista, pois é nela que está o segredo da eficiência da dominação burguesa. De sua capacidade hegemônica.
    Valeu, Paulo!

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