segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Notas Sobre Maurício Grabois

NOTAS SOBRE MAURÍCIO GRABOIS





É comum ouvir-se um certo dito ou chiste segundo o qual o temperamento revolucionário é um “ímpeto da juventude”, corrigido invariavelmente pelo tempo. Num sentido semelhante, ainda que oposto, Bertold Brecht poetizou: “há homens que lutam um dia e são bons, há outros que lutam um ano e são melhores, há os que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis”.

 

Quando Maurício Grabois faleceu em 25 de Dezembro de 1973, tinha 61 anos de idade e um passado de militância incluindo eleição como deputado constituinte pelo PCB no ano de 1946. Morreu em Xambioá, no Pará, depois de 6 (seis) anos lutando de armas nas mãos contra a ditadura militar brasileira na Guerrilha do Araguaia. Levou para lá o seu filho André Grobois, que foi morto em combate pouco antes, em 1972.

 

Trinta e sete anos após a sua morte veio ao público um diário escrito pelo dirigente comunista da guerrilha, cobrindo 605 dias na floresta amazônica, entre abril de 1972 e dezembro de 1973[1].

 

Lendo este diário, nota-se a confiança que guiava aqueles guerrilheiros, em que pese as dificuldades da doença (malária), da falta de comida, da dificuldade de movimentos na densa mata, e da ausência de instrumentos eficazes de comunicação, agitação e propaganda política.

 

Como é cediço, foi no congresso de 1966 que a maioria dos militantes do PCdoB, fundado em 1962, deliberou pela resistência armada ao regime militar.

 

Enquanto grupos como a ALN de Marighella, o MR-8, a VPR e VAR-Palmares optaram pela luta nos centros urbanos, o PCdoB tinha uma tática diferente: acreditavam que o melhor caminho era iniciar uma luta de longa duração, numa área de difícil acesso, afastada dos grandes centros urbanos. 

 

A ideia não era propriamente a de desencadear desde o início uma luta armada contra o estado desde as distantes florestas amazônicas. Os militantes PCdoB tinham a noção de que deveriam começar se instalando nesta região remota e desenvolver um trabalho paciente de mobilização e esclarecimento da população local, de forma a ganha-la aos poucos para a guerrilha.

 

Contudo, a descoberta precoce do movimento pela repressão determinou um enfrentamento militar em condições francamente desfavoráveis: nos diários, Grabóis relata que a repressão envolvia militares da marinha, exército e aeronáutica, polícia federal e a polícia militar do Pará. A ditadura procurou ao máximo ocultara existência da guerrilha, diziam que estavam lá para combater bandidos comuns e contrabandistas.

 

Grabóis fora, antes a guerrilha, um destacado dirigente do PCB, partido no qual ingressou no ano de 1932. Participou do levante comunista de 1935, pejorativamente designado por historiadores como a Intentona Comunista. Quando da conferência da Mantiqueira do PCB em 1943[2], Maurício Grabois foi eleito membro do comitê central do partido.   

 

Dissensões na direção do PCB ocorreriam de forma mais acentuada a partir de 1956, com as denúncias de Kruschov sobre o estalinismo no XX Congresso do PCUS. Jorge Amado, companheiro de Grabois na constituinte de 1946 e amigo do nosso dirigente, diria que àqueles dias foi a primeira vez que observara algum abatimento em Maurício.

 

O artigo “Duas Concepções, Duas Orientações Políticas”, escrito por Maurício Grabois em 1960 antecipa o seu rompimento com o partido e sinaliza críticas que Marighella igualmente faria algum tempo depois, já no momento em que as esquerdas faziam o balanço político da derrota de 1º de abril de 1964.

 

Aqui, Grabois critica a Declaração de Março de 1958, aprovada pelo CC do PCB. De maneira geral, a declaração subordina as tarefas democráticas do partido, como a luta pela reforma agrária, ao fator puramente nacional. Ao ponto de se admitir a aliança dos comunistas com latifundiários e setores da burguesia nacional em contradição (real ou aparente) com o imperialismo norte americano. A subordinação dos comunistas às frações da burguesia nacional, supostamente em contradição com o imperialismo, tirava o protagonismo do partido junto ao proletariado e seu aliado imediato, o campesinato. Seria possível que até mesmo a oposição de direita tirasse proveito do descontentamento popular, ante a apatia dos comunistas.

 

Na prática, afirma Grabois, o PCB afirmava-se como mais um partido nacionalista, não se diferenciando do PTB e da Frente Parlamentar Nacionalista.

 

A Declaração embeleza o capitalismo. Procura mostrar que a indústria brasileira atingiu elevado nível de crescimento e atribui este crescimento ao capital nacional. Mas, na realidade, o imperialismo também participa desse processo de industrialização, domina ramos fundamentais da indústria do país. O exagero na apreciação do papel do desenvolvimento capitalista no processo revolucionário, leva a Declaração a idealizar a burguesia, que é tratada como se fosse força consequente, capaz de defender até o fim os interesses nacionais. Toda a orientação estratégica e a linha tática expostas na Declaração têm em vista quase que exclusivamente os interesses da burguesia, conduzem ao fortalecimento de suas posições políticas, em prejuízo das demais forças revolucionárias”.

 

Nestas críticas à política pcbista de 1958 constam também: a renúncia pelos comunistas da luta pelo poder, substituída pela gradual ocupação de posições no parlamento por políticos progressistas; a defesa da via pacífica para a revolução brasileira, desarmando o proletariado brasileiro para as eventualidades que viriam a seguir.

 

De fato, a tese de uma “democratização crescente da vida política brasileira” mostrou-se um retumbante erro dos comunistas, nitidamente diante do que ocorreria apenas 6 anos depois. Afinal, conclui Grabois em 1960, “embora o país, atualmente, viva num clima de relativa liberdade, não se pode assegurar que a democratização é uma tendência permanente na vida brasileira, uma vez que as forças reacionárias se mantêm no poder e sempre que seus interesses são atingidos, apelam para a violência e atentam contra as liberdades democráticos”.

 

O cometimento de erros, ainda que trágicos, são escusáveis. Não é desculpável aos comunistas, por outro lado, deixar de aprender com os erros do passado.  



[1] O diário de Maurício de Grabois está disponível no link: https://www.marxists.org/portugues/grabois/1973/12/diario.htm - Acesso em 23/11/2020.

[2] “II Conferência Nacional do Partido Comunista do Brasil - PCB, realizada na clandestinidade em 28 e 30 de agosto de 1943, em pleno Estado Novo. Nesta conferência, que reuniu em Engenheiro Passos, RJ, representantes do Distrito Federal, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Bahia, Sergipe e Paraíba, foi decidido que o Partido iria se empenhar para o Brasil entrar na guerra contra o nazismo; Prestes, mesmo encontrando-se preso, foi eleito para o Comitê Central no cargo de Secretário Geral; Foi aprovado uma linha política inspirada nos modelos da união nacional em torno do governo, com o apoio incondicional a Vargas e o fortalecimento ideológico do partido contra as tendências de liquidação do PCB. As resoluções aprovadas serviriam de linha condutora das posições do PCB no período de 1945 a 1947”. - https://www.marxists.org/portugues/dicionario/verbetes/c/conferencia_mantiqueira.htm

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