NOTAS SOBRE MAURÍCIO GRABOIS
É comum ouvir-se um certo
dito ou chiste segundo o qual o temperamento revolucionário é um “ímpeto da
juventude”, corrigido invariavelmente pelo tempo. Num sentido semelhante, ainda
que oposto, Bertold Brecht poetizou: “há homens que lutam um dia e são bons, há
outros que lutam um ano e são melhores, há os que lutam muitos anos e são muito
bons. Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis”.
Quando Maurício Grabois
faleceu em 25 de Dezembro de 1973, tinha 61 anos de idade e um passado de militância
incluindo eleição como deputado constituinte pelo PCB no ano de 1946. Morreu em
Xambioá, no Pará, depois de 6 (seis) anos lutando de armas nas mãos contra a
ditadura militar brasileira na Guerrilha do Araguaia. Levou para lá o seu filho
André Grobois, que foi morto em combate pouco antes, em 1972.
Trinta e sete anos após a
sua morte veio ao público um diário escrito pelo dirigente comunista da guerrilha,
cobrindo 605 dias na floresta amazônica, entre abril de 1972 e dezembro de 1973[1].
Lendo este diário, nota-se
a confiança que guiava aqueles guerrilheiros, em que pese as dificuldades da
doença (malária), da falta de comida, da dificuldade de movimentos na densa mata, e da ausência de instrumentos eficazes de
comunicação, agitação e propaganda política.
Como é cediço, foi no
congresso de 1966 que a maioria dos militantes do PCdoB, fundado em 1962, deliberou
pela resistência armada ao regime militar.
Enquanto grupos como a ALN
de Marighella, o MR-8, a VPR e VAR-Palmares optaram pela luta nos centros
urbanos, o PCdoB tinha uma tática diferente: acreditavam que o melhor caminho
era iniciar uma luta de longa duração, numa área de difícil acesso, afastada
dos grandes centros urbanos.
A ideia não era
propriamente a de desencadear desde o início uma luta armada contra o estado
desde as distantes florestas amazônicas. Os militantes PCdoB tinham a noção de
que deveriam começar se instalando nesta região remota e desenvolver um
trabalho paciente de mobilização e esclarecimento da população local, de forma
a ganha-la aos poucos para a guerrilha.
Contudo, a descoberta precoce
do movimento pela repressão determinou um enfrentamento militar em condições francamente
desfavoráveis: nos diários, Grabóis relata que a repressão envolvia militares da
marinha, exército e aeronáutica, polícia federal e a polícia militar do Pará. A
ditadura procurou ao máximo ocultara existência da guerrilha, diziam que
estavam lá para combater bandidos comuns e contrabandistas.
Grabóis fora, antes a
guerrilha, um destacado dirigente do PCB, partido no qual ingressou no ano de
1932. Participou do levante comunista de 1935, pejorativamente designado por
historiadores como a Intentona Comunista. Quando da conferência da Mantiqueira
do PCB em 1943[2],
Maurício Grabois foi eleito membro do comitê central do partido.
Dissensões na direção do
PCB ocorreriam de forma mais acentuada a partir de 1956, com as denúncias de
Kruschov sobre o estalinismo no XX Congresso do PCUS. Jorge Amado, companheiro
de Grabois na constituinte de 1946 e amigo do nosso dirigente, diria que àqueles
dias foi a primeira vez que observara algum abatimento em Maurício.
O artigo “Duas Concepções,
Duas Orientações Políticas”, escrito por Maurício Grabois em 1960 antecipa o
seu rompimento com o partido e sinaliza críticas que Marighella igualmente
faria algum tempo depois, já no momento em que as esquerdas faziam o balanço
político da derrota de 1º de abril de 1964.
Aqui, Grabois critica a Declaração
de Março de 1958, aprovada pelo CC do PCB. De maneira geral, a declaração
subordina as tarefas democráticas do partido, como a luta pela reforma agrária,
ao fator puramente nacional. Ao ponto de se admitir a aliança dos comunistas
com latifundiários e setores da burguesia nacional em contradição (real ou
aparente) com o imperialismo norte americano. A subordinação dos comunistas às frações
da burguesia nacional, supostamente em contradição com o imperialismo, tirava o
protagonismo do partido junto ao proletariado e seu aliado imediato, o
campesinato. Seria possível que até mesmo a oposição de direita tirasse
proveito do descontentamento popular, ante a apatia dos comunistas.
Na prática, afirma Grabois,
o PCB afirmava-se como mais um partido nacionalista, não se diferenciando do
PTB e da Frente Parlamentar Nacionalista.
“A Declaração embeleza o
capitalismo. Procura mostrar que a indústria brasileira atingiu elevado nível
de crescimento e atribui este crescimento ao capital nacional. Mas, na
realidade, o imperialismo também participa desse processo de industrialização,
domina ramos fundamentais da indústria do país. O exagero na apreciação do
papel do desenvolvimento capitalista no processo revolucionário, leva a
Declaração a idealizar a burguesia, que é tratada como se fosse força consequente,
capaz de defender até o fim os interesses nacionais. Toda a orientação estratégica
e a linha tática expostas na Declaração têm em vista quase que exclusivamente
os interesses da burguesia, conduzem ao fortalecimento de suas posições políticas,
em prejuízo das demais forças revolucionárias”.
Nestas críticas à política
pcbista de 1958 constam também: a renúncia pelos comunistas da luta pelo poder,
substituída pela gradual ocupação de posições no parlamento por políticos
progressistas; a defesa da via pacífica para a revolução brasileira, desarmando
o proletariado brasileiro para as eventualidades que viriam a seguir.
De fato, a tese de uma “democratização
crescente da vida política brasileira” mostrou-se um retumbante erro dos
comunistas, nitidamente diante do que ocorreria apenas 6 anos depois. Afinal,
conclui Grabois em 1960, “embora o país, atualmente, viva num clima de relativa
liberdade, não se pode assegurar que a democratização é uma tendência
permanente na vida brasileira, uma vez que as forças reacionárias se mantêm no
poder e sempre que seus interesses são atingidos, apelam para a violência e
atentam contra as liberdades democráticos”.
O cometimento de erros,
ainda que trágicos, são escusáveis. Não é desculpável aos comunistas, por outro
lado, deixar de aprender com os erros do passado.
[1] O
diário de Maurício de Grabois está disponível no link: https://www.marxists.org/portugues/grabois/1973/12/diario.htm
- Acesso em 23/11/2020.
[2]
“II Conferência Nacional do Partido Comunista do Brasil - PCB, realizada na
clandestinidade em 28 e 30 de agosto de 1943, em pleno Estado Novo. Nesta
conferência, que reuniu em Engenheiro Passos, RJ, representantes do Distrito
Federal, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul,
Bahia, Sergipe e Paraíba, foi decidido que o Partido iria se empenhar para o
Brasil entrar na guerra contra o nazismo; Prestes, mesmo encontrando-se preso,
foi eleito para o Comitê Central no cargo de Secretário Geral; Foi aprovado uma
linha política inspirada nos modelos da união nacional em torno do governo, com
o apoio incondicional a Vargas e o fortalecimento ideológico do partido contra
as tendências de liquidação do PCB. As resoluções aprovadas serviriam de linha
condutora das posições do PCB no período de 1945 a 1947”. - https://www.marxists.org/portugues/dicionario/verbetes/c/conferencia_mantiqueira.htm
Nenhum comentário:
Postar um comentário