segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Helenira Resente e a Guerrilha do Araguaia

 

Helenira Resente e a Guerrilha do Araguaia

 




“Apesar de esquecido pela maioria, o nome de Helenira está gravado na memória do povo pobre de Faveira, Caianos e Gameleira, municípios localizados no Estado do Pará e no médio Tocantins, onde se desenvolveu a Guerrilha do Araguaia, o maior foco de resistência à ditadura no Brasil. Helenira Resende foi uma das mais conhecidas combatentes desse movimento que atuou na selva amazônica e travou três grandes combates contra as tropas do governo. Sua coragem, disciplina e bravura fizeram com que ela chegasse a ser vice comandante de um destacamento guerrilheiro. Helenira ressaltou também o papel da mulher brasileira na luta pela liberdade”. Bruno Ribeiro

 

A guerrilha do Araguaia, situada no sul do Pará no meio da floresta amazônica, foi o mais longo episódio de enfrentamento armado à ditadura militar brasileira, constituída no ano de 1964.

 

O PCdoB realizou o seu IV congresso já no ano de 1966, quando a maioria do partido apoiou a tese da luta armada para derrubar a ditadura.

 

Os principais dirigentes do PCdoB eram João Amazonas e Maurício Grabois.  

 

João Amazonas foi feito comandante em chefe da guerrilha: quando morreu em 2002 foi feita a sua vontade de ter suas cinzas depositadas no Araguaia. Maurício Grabois, que já havia participado do levante comunista de 1935 e foi deputado constituinte em 1946, participou pessoalmente da guerrilha, já  sexagenário, e tombou com armas nas mãos no dia 25 de Dezembro de 1973.

 

Participaram da Guerrilha do Araguaia 69 militantes do PCdoB e 30 camponeses apoiadores do movimento. Dos participantes, apenas três saíram vivos, entre eles o futuro dirigente petista José Genoíno. Do lado do exército foram 16 o número de baixas oficiais.

 

Enquanto grupos como a ALN de Marighella, o MR-8, a VPR e VAR-Palmares optaram pela luta nos centros urbanos, o PCdoB tinha uma tática diferente: acreditavam que o melhor caminho era iniciar uma luta de longa duração, numa área de difícil acesso, afastada dos grandes centros urbanos.  

 

É importante lembrar que a Revolução Cubana, baseada na guerrilha camponesa desde a Sierra Maestra, promovia uma significativa influencia na consciência daqueles militantes de esquerda. A experiencia vietnamita, também baseada na guerrilha rural, também contava bastante. A ideia não era propriamente a de desencadear desde o início uma luta armada contra o estado desde as distantes florestas amazônicas. Os militantes PCdoB tinham a noção de que deveriam começar se instalando nesta região e desenvolver um trabalho paciente de mobilização e esclarecimento da população local, de forma a ganha-la aos poucos para a guerrilha.

 

Outro ponto a ser destacado: as guerrilhas foram o resultado direto da violência do regime e não o contrário.

 

O local escolhido pelo partido era inóspito, distante e habitado por camponeses extremamente pobres. Os militantes acreditavam que nestas circunstâncias seria mais fácil conquistar o apoio do povo para uma luta que viria a seguir.

 

A concepção que orientava o Partido era de que a guerra revolucionária só seria possível se um trabalho em longo prazo fosse feito com as massas. Ho Chi-minh, o grande revolucionário vietnamita, era citado nas reuniões: ´É preciso comer, trabalhar e viver com o povo”. Só assim, acreditavam os companheiros, eles conquistariam a confiança da população. Uma confiança que entre os camponeses só podia vir de ações concretas de exemplos diários, e não de discursos ideológicos. Apesar de se diferenciarem dos moradores locais pela aparência e pelo modo de falar, os guerrilheiros – chamados de “paulistas” pela população – não demoraram a se adaptar à vida no interior”. Bruno Ribeiro

 

Helenira Resende foi uma das primeiras militantes a chegar na região designada pelo partido, em 1969. Tinha então 25 anos de idade e alguma experiencia militante atrás de si. Foi eleita vice presidente da UNE no histórico congresso de Ibiúna no ano de 1968. Dois dias após o início do congresso, a polícia cercou a fazenda onde ocorria o evento e prendeu 800 estudantes, entre eles, Helenira. Foi transferida para o odioso Departamento de Ordem Política e Social (DOPs), na região da Luz, em São Paulo. Foi interrogada e torturada pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, o mesmo que chefiou a captura e assassinato de Carlos Marighella.   

 

Saiu da prisão e ato contínuo entrou na clandestinidade.

 

Um livro que marcou aquela geração de jovens dispostos a pegar em armas contra a ditadura foi o “Mini Manual do Guerrilheiro Urbano” de Carlos Marighella. Como se sabe, trata-se de um período posterior à ruptura do dirigente baiano com o PCB: igualmente influenciado pelas vitoriosas revoluções em Cuba e China (Marighella esteve pessoalmente nos dois países), rompeu com a direção do maior partido de esquerda brasileiro da época, suscitando críticas relacionadas ao alinhamento irrestrito dos comunistas com figuras burguesas como Goulart, bem como denunciando a  confiança despropositada na legalidade e no dispositivo militar.

 

Palavras como estas eram marcantes para Helenira e outros jovens de sua geração:

 

“O guerrilheiro urbano não é um homem de negócios em uma empresa comercial, nem é um artista numa obra. A guerrilha urbana, assim como a guerrilha rural, é uma promessa que o guerrilheiro se faz a si mesmo. Quando já não pode fazer frente às dificuldades, ou reconhece que lhe falta paciência para esperar, então é melhor entregar seu posto antes de trair sua promessa, já que lhe faltam as qualidades básicas necessárias para ser um guerrilheiro”. Carlos Marighella. 

 

Como dizíamos, a intenção dos guerrilheiros era instalar bases nas áreas rurais e desenvolver um trabalho local de conscientização antes de iniciar o enfrentamento armado com a ditadura. Era certo para os militantes e para a direção do partido que não seria possível uma vitória sem o apoio das massas. Contudo, o processo de trabalho junto ao povo estava apenas no seu início quando o movimento foi descoberto pelos militares. Tiveram que iniciar a luta em condições desfavoráveis.

 

Em 12/04/1972 o exército chegou no Araguaia. Foram ainda assim necessárias 3 grandes ofensivas até o completo aniquilamento da guerrilha, contando com helicópteros e aviões que bombardeavam a área com napalm fornecido pelos EUA. Na terceira campanha de setembro de 1973 a março de 1975 as tropas desencadearam uma forte repressão contra as massas, prendendo todos os homens da região, deixando nas roças apenas as crianças e  mulheres. Muitos inocentes foram torturados e mortos.

 

Helenira foi morta em 29/09/1972 pouco antes da terceira ofensiva, enquanto montava guarda na floresta – resistiu aos policiais  a bala, matando um soldado e ferindo um segundo na perna. Foi barbaramente torturada e assassinada com golpes de baioneta na cabeça. Desde então, os seus restos mortais, como o de seus companheiros, jamais foram encontrados.  

 

Sua história, como a da guerrilha do Araguaia, aguarda ser contada ao nosso povo e inserida em definitivo nos livros de história do Brasil. A pequena biografia escrita pelo jornalista Bruno Ribeiro, pela editora expressão popular, é um passo decisivo neste sentido.   

 

 Bibliografia   

 

RIBEIRO, Bruno. “Helenira Resende e a Guerrilha do Araguaia”. Ed. Expressão Popular . 2007.

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