domingo, 22 de novembro de 2020

Homens e Coisas do Partido Comunista

"Homens e Coisas do Partido Comunista" - Jorge Amado



É bastante extensa a produção literária do escritor baiano Jorge Amado (1912/2001). Em vida o escritor publicou 49 livros, entre romances, novelas, peças de teatro e biografias. Seus trabalhos foram traduzidos em cerca de 50 idiomas, além de adaptações da obras no teatro, no cinema e na televisão.

 

Convencionou-se dividir a literatura de Jorge Amado em dois grandes períodos. Uma fase de cunho nitidamente político ideológico perpassa sua produção dos anos 1930/1940. É deste período romances como “Cacau” (1932) que descreve a opressão dos trabalhadores rurais nos latifúndios do sul da Bahia, região na qual o escritor nasceu. É também nesta primeira fase que o escritor publica o seu famoso  “Capitães de Areia” (1937) relato da vida de menores abandonados que sobrevivem de pequenos atos de bandidagem nas ruas da Bahia, convivem e descobrem o amor, o sexo e a solidariedade dos oprimidos desde um trapiche onde se refugiam.

 

Estes livros se situam num movimento literário conhecido como segunda fase do modernismo, de cunho nitidamente regionalista e com um forte acento na denúncia das iniquidades sociais. Andam num sentido semelhante aos romances de Graciliano Ramos, Rachel de Queirós e José Lins do Rego. No caso de Jorge Amado, especificamente, os mais humildes e oprimidos são erigidos na condição de heróis, seja os trabalhadores rurais do cacau, seja os “bandidos sociais” do trapiche, para usar a terminologia do historiador Eric Hobsbawm.  

 

Este aspecto militante da primeira fase da obra de Jorge Amado está obviamente relacionada com as convicções políticas do escritor. Filho de latifundiários baianos, Jorge Amado se aproxima das idades comunistas quando vem ao Rio de Janeiro estudar direito na Faculdade Nacional na década de 1930. Naquele período turbulento, dentro do contexto da Revolução que colocara abaixo a Primeira República, Jorge Amado envolveu-se com discussões sobre política, arte e cultura, pelo jornalismo. Tirou diploma de bacharel no ano de 1935, mas jamais exerceria a advocacia.

 

Trabalhou como jornalista e posteriormente mudou-se à São Paulo.

 

É no contexto do pós guerra, em 1945, quando pela primeira vez o Partido Comunista Brasileiro poderia realizar suas reuniões fora da clandestinidade imposta de maneira praticamente ininterrupta desde sua fundação em 1922, que Jorge Amado escreveu o seu hoje esquecido “Homens e Coisas do Partido Comunista”.

 

Este pequeno retrato do movimento comunista brasileiro de meados do século XX foi aparentemente esquecido pelos editores de Jorge Amado. O livro, em todo caso, está disponível para a leitura pela internet pelo link: https://www.marxists.org/portugues/amado/1946/homens/index.htm

 

A narrativa começa descrevendo a instalação da primeira sede legal do Partido Comunista  em 11 de Junho de 1945, na Rua da Glória, em São Paulo.


“Este foi um dia de festa, destas festas tão felizes que recordam natais familiares, as comemorações mais íntimas de parentes que se ama. Era como a lua de mel do povo com o seu Partido. Lágrimas e risos, e gente, gente, muita gente, operários vindos de todo o lado, querendo entrar custasse o que custasse, mesmo que fosse ‘só para dar uma espiada’, como me afirmavam jovens tecelões que forçavam a porta sem passagem. Estas festas assim vão se repetir agora no Brasil”.

 

Esta euforia sinalizava bem a importância e respeito granjeado pelo comunismo e pela União Soviética após a II Guerra Mundial. O exército vermelho ao destruir militarmente o nazifascismo despertou o interesse e a simpatia de milhões de trabalhadores em todo o mundo: no pós II guerra, pela segunda vez no século XX, o capitalismo ficava por um triz.

 

Neste contexto de fortalecimento das aspirações pela democracia e contra o fascismo, o PCB pôde participar das eleições na constituinte de 1945.

 

O PCB chegou a ser a quarta maior força política da Assembleia Constituinte de 1946. Alcançou cerca de 8,6% dos votos válidos: sua bancada era integrada por 1 senador e 15 deputados, totalizando 4,7% dos 338 constituintes (computados titulares e suplentes) que participaram do processo de elaboração constitucional[1].


O PCB elegeu parlamentares em seis unidades da federação (Bahia, Pernambuco, Distrito Federal, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul). O próprio Jorge Amado foi eleito por São Paulo. Carlos Marighella foi eleito pela Bahia. Gregório Bezerra foi eleito por Pernambuco. Luiz Carlos Prestes foi eleito senador pelo Rio de Janeiro, então capital do país. Pelo mesmo Rio de Janeiro, foi eleito Maurício Grabois, amigo pessoal de Jorge Amado, que morreria sexagenário, de armas em punho, na Guerrilha do Araguaia.

 

No “Homens e Coisas do Partido Comunista”, Jorge Amado lança luz sobre militantes comunistas hoje desconhecidos mesmo do público mais especializado como Giocondo Dias, o operário Mário Scott e Ramiro, um jovem militante do bairro de São Miguel em São Paulo. O escritor rejeita um culto de personalidade que costuma estar associado ao pensamento comunista da época, diz que é mais difícil viver como um revolucionário do que morrer gloriosamente como tal:

 

"Não quero vos falar apenas dos grandes sacrifícios, das torturas  nas prisões, dos homens queimados a maçarico, das unhas arrancadas, a torquês. Quero falar também dessas pequenas coisas cotidianas, ignoradas e persistentes, desses sacrifícios que quase não se contam e no entanto são tão úteis para a construção das Revoluções e do Partido quanto a trágica condição dos presos, dos emparedados e dos assassinados. Um dia o mestre disse que é bem mais fácil morrer pela Revolução do que viver pela Revolução. Há os que morrem heróis só porque sentiram a vibração de um momento e se jogaram numa trincheira. Muitos destes talvez não resistissem a um mês de vida ilegal, de diária miséria, de trabalho diário, de cabeça contra a parede, tendo que romper o muro da reação e do fascismo com os pobres punhos débeis.”    

 

Dissemos que tradicionalmente se divide a produção literária de Jorge Amado em duas fases. A primeira fase se relaciona com a visão social e política comunista do autor. Consta que um evento teria afastado Jorge Amado daquelas ideias políticas: as denúncias de Nikita Khrushchov sobre o estalinismo no XX Congresso do PCUS no ano de 1956.


São desta segunda fase romances não tão abertamente ideológicos como “Gabriela Cravo e Canela” (1958) e “Dona Flor e Seus Dois Maridos” (1966). O que não significa que não deixa de merecer interesse esta obra mais tardia: há em algumas delas algo de um realismo fantástico com uma continuação no enaltecimento geral da cultura popular, visto na interessantíssima novela “A morte e a morte de Quincas Berro d’Água” de 1959, talvez a mais bem escrita novela da literatura brasileira desde “O Alienista” de Machado de Assis. Em qualquer caso, trata-se de uma obra, seja com maior ou menor conotação política, imprescindível para se conhecer o Brasil e seu povo. Conhecer os humildes em sua intimidade, com as suas contradições, sem com isso deixar de acreditar no seu protagonismo.

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