“Gramsci – Um Estudo Sobre Seu Pensamento Político” – Carlos
Nelson Coutinho
Resenha Livro - 236 - “Gramsci – Um Estudo Sobre Seu Pensamento
Político” – Carlos Nelson Coutinho – Ed. Civilização Brasileira
PARTE I
Tivemos oportunidade de publicar resenha acerca de
interessante estudo do pensamento de Gramsci elaborado pelo historiador
marxista italiano Domenico Losurdo[1].
Neste ensaio não encontramos uma pesquisa exaustiva sobre a vida e obra de A.
Gramsci mas antes uma reflexão situada no âmbito da “História das Ideias”.
Busca-se desenvolver reflexões sobre o pensamento político de Gramsci, seu
desenvolvimento desde a juventude com sua inusitada influência junto ao
pensamento liberal de pensadores como Croce e Gentile – que tem sua chave
explicativa no relativo atraso cultural da Itália onde predominam ideias do
Positivismo ou mesmo da Igreja Católica – e seu desenvolvimento ulterior, que
Losurdo chama de “comunismo crítico” (reflexões originais dentro do seio do
marxismo que fazem de Gramsci um autor que funda bases teóricas, em especial no
campo da reflexão política).
Certamente todo este desenvolvimento de suas ideias é
cotejado com o ambiente político da Itália e do mundo em que esteve inserido –
desde o contexto da I Guerra Mundial e das aventuras coloniais italianas na
Líbia, da ascensão do fascismo, da Revolução Russa e dos impasses da esquerda
italiana.
O livro de Carlos Nelson Coutinho já tem uma natureza diversa.
Estamos diante de um estudo mais exaustivo de Gramsci que irá não só contemplar
o seu pensamento político, mas sua trajetória política e, o que parece-nos mais
importante, tratar especificamente de alguns de seus conceito-chaves, as suas
principais contribuições teórico-metodológicas para o marxismo, tanto no que se
refere à análise do passado quanto no que se refere à teoria da transição
socialista. E Mais. Nesta “Nova Edição Revista e Ampliada” há apêndices com
comunicados e artigos com interessantes reflexões sobre as interfaces entre
Gramsci, Hegel e Rousseau e a recepção das ideias de Gramsci no Brasil. Mas
antes de passar em revista esta profícua obra de Carlos Nelson Coutinho,
parece-nos importante fazer uma consideração preliminar.
Como veremos a seguir, parece ser bastante óbvia que a grande
novidade conceitual de Gramsci situa-se no terreno da teoria política. E como
também veremos, seus instrumental teórico está focado sobre os problemas da revolução
no “Ocidente” que em Gramsci não assume um sentido geográfico, mas histórico
político. Sabe-se que a distinção entre “Ocidente” e “Oriente” em Gramsci teve
como origem um esforço explicativo para esclarecer porque a estratégia
bolchevique fracassou nos países mais desenvolvidos da Europa no pós I Guerra.
O modelo oriental clássico é a Rússia czarista onde há o predomínio da “sociedade
política” (estado num sentido restrito, a sociedade dos funcionários, a
burocracia e a polícia, a ausência, portando de um equilíbrio entre o que Gramsci
chama de “sociedade política” e “sociedade civil”). Já o modelo “ocidental” é
mais complexo – há um equilíbrio maior entre sociedade política e sociedade
civil (aparelhos privados de hegemonia como as escolas, os jornais, as igrejas,
os sindicatos, etc).
E para cada tipo de sociedade Gramsci propõe um tipo de
tática política se servindo de uma terminologia militar. No caso das sociedades
orientais, como o demonstrou de resto a própria Revolução Russa de 1917,
tratar-se-ia de uma tática de “guerra de movimento” que envolve um ataque
frontal, um assalto ao poder num breve lapso de tempo. No “ocidente” diante do
complexo feixe de relações entre governantes e governados, o tipo de tática
política seria outra. Tratar-se-ia de utilizar a “guerra de posição”, fazer
política, ocupar espaços e buscar a hegemonia que envolve a busca de consensos
(e não coerção), enfim a conquista progressiva de espaços.
Estamos aqui nos adiantando na discussão conceitual pela
seguinte razão. É muito fácil extrair da ideia de “guerra de posição”, da noção
de “fazer política” ou mesmo de uma concepção processual da revolução, uma
interpretação reformista das ideias da Gramsci. E nada mais falso, não mais contrário
às finalidades de seus conceitos teóricos mas principalmente à própria
trajetória política do marxista sardo.
Antônio Gramsci sempre foi um socialista revolucionário, um
comunista. Certamente sua trajetória política teve algumas nuanças: no período
pré carcerário, ainda Jovem, junto aos grupo do “L’Ordinare Novo” chegou a defender
uma estratégia centrada nos Conselhos de Fábrica, negligenciando o problema do
estado e do poder e estreitando a estratégia revolucionária na socialização dos
meios de produção e disseminação de “soviets”, o que certamente retificaria na
maturidade. Mas Gramsci, nunca, jamais, em hipótese nenhuma foi um reformista.
Sempre foi um incondicional defensor da Revolução Soviética e da URSS. Apoiou a
política da NEP a favor da maioria de Stálin contra a minoria Trótsky e
Zinoviev. Aliás, polemizou bastante com Trótsky conforme a supracitada tática
da “guerra de posição” e “guerra de movimento.” A chamada “Teoria da Revolução
Permanente” (cuja origem conceitual é de Marx) tem um sentido em Trótsky de
disseminar pela via da tática da “guerra de movimento” a experiência
bolchevique para todo o mundo, indistintamente. Por isso podemos constatar como
Gramsci é um autor invulgar e original. Trótsky é um autor vulgar e não
original.
Mas retomando ao problema do reformismo, trata-se certamente
de uma questão objetiva. Quando Carlos Nelson Coutinho irá fazer referências
seja a recepção das ideias gramscianas no Brasil ou mesmo no mundo, o problema
aparece. Gramsci é um autor diferente de Lênin. É impossível extrair ipsis
litteris ideias reformistas em Lênin e quase impossível interpretações neste
sentido. Como o tema mais profícuo de Gramsci é a política e como ele se
arrisca a desenvolver uma nova e original teoria da revolução, seu caso é
diferente. Nesse sentido, parece-nos que a melhor “vacina” contra interpretações
reformistas de Gramsci é combinar as suas reflexões teóricas sem jamais perder de
mente sua trajetória de vida.
Trajetória de Vida
Antônio Gramsci nasceu em 1891 na ilha de Sardenha na região
meridional na Itália, local onde então grassavam o analfabetismo, a pobreza e a
malária. Também de origem humilde, Gramsci teve ainda no Ginásio que largar os
estudos para trabalhar e ajudar a família. Consta que ao trabalhar numa repartição
pública em Ghilarza passava 10 horas por dias carregando processos mais pesados
do que ele. Fato prejudicado por uma deficiência física manifestada quando
tinha 18 meses e que o deixaria corcunda. Felizmente, Gramsci consegue terminar
os estudos secundários e em 1914 ingressa na Universidade de Turim.
É nesse primeiro momento universitário que ingressa no
Partido Socialista Italiano (PSI) o então partido da esquerda daquele país. O
partido subdividia-se em duas grandes alas: um setor reformista e um setor
maximalista, do qual Gramsci aderiu apenas formalmente. O que as duas correntes
tinham em comum era uma certa orientação teórica do tipo fatalista:
propugnava-se que o desenvolvimento econômico capitalista pelas suas próprias
contradições estava fadado a levar ao seu próprio colapso. Os reformistas
então, ao invés de tomar uma iniciativa anticapitalista, contentavam-se com
migalhas. Já os maximalistas, também ao invés de tomar a iniciativa histórica,
contentavam-se com uma ação meramente propagandista. Nenhuma das orientações
partidárias parecia convincente a Antônio Gramsci. Fato que se agrava com a
vitória da Revolução Russa:
“Na ação dos Bolcheviques, com os quais simpatizava
imediatamente, Gramsci enxerga a plena realização de sua visão do marxismo, uma
visão radicalmente antipositivista e antievolucionista mas não isenta de fortes
traços de idealismo subjetivo e do voluntarismo: ‘Lenin e seus companheiros
bolcheviques estão convencidos de que é possível realizar o socialismo a
qualquer momento. São alimentados pelo pensamento marxista. São revolucionários
, não evolucionistas . E o pensamento revolucionário nega o tempo como fator de
progresso. Nega que todas as experiências intermediárias entre a concepção de
socialismo e sua realização devam ter no tempo e no espaço sua comprovação
integral.”.
Como dissemos, ainda no PSI, Gramsci desenvolve a ideia da
centralidade dos Conselhos de Fábrica, influenciado pelos soviets russos. Atua
na ocupação de Fábricas e na greve geral derrotada em Turim que tem como
principal fator de derrota o imobilismo da direção do PSI o que dá início ao
processo de cisão do partido. O que se tem em frente a partir daqui é a criação
de uma fração comunista que culminará no PCI ligado a nova Internacional
Comunista, à III Internacional de Lênin. A cisão dá-se exatamente em
21.01.1921. Em maio do ano subsequente Gramsci é enviado a Moscou como
representante italiano da Internacional Comunista.
O pano de fundo histórico na Itália é a ascensão do fascismo
em Itália nos anos 1920 – fenômeno político qualificado por Gramsci pelo
sugestivo nome de “subversivismo reacionário”. Ainda nos escritos
pré-carcerários Gramsci desenvolve uma interpretação original e profícua do
novo regime em ascensão:
“Assim, já em 2 de janeiro de 1921, no segundo número de “L’Ordine
Nuevo” cotidiano, Gramsci publica seu famoso artigo sobre “o povo dos macacos”,
onde insiste na novidade essencial da reação fascista: no fato de se estar
diante de um movimento reacionário com base de massa, ou seja, apoiado na luta
da pequeno burguesia para reconquistar o lugar político e econômico que vinha perdendo
em função das transformações monopolistas que o capitalismo italiano
experimentara sobretudo durante os anos da guerra. Num artigo posterior,
intitulado “Subversivismo revolucionário”, de junho do mesmo ano, ele se
empenha em captar outros aspectos específicos da nova reação, como, por exemplo,
o fato de ela assumir táticas de acesso ao poder que se diferenciam nitidamente
da velha reação conservadora; embora tolerados e mesmo apoiados pelos aparelhos
legais do Estado, os fascistas atuam a partir de baixo, de movimentos situados à
margem das instituições estatais, abandonando frequentemente o terreno da
legalidade e promovendo o que Gramsci chama de “subversivismo reacionário”.
Em 08.11.1926, A. Gramsci é preso e condenado há mais de 20
anos – anos antes havia sido eleito deputado pelo PCI e pressupunha-se
imunidade parlamentar. Interessante constatar que os próprios fascistas tiveram
clareza de quem era seu adversário político: seu promotor disse que deveriam
impedir aquele cérebro de funcionar durante 20 anos. Mas os algozes de Gramsci
não tiveram sucesso. Com muitas dificuldades, Gramsci conseguiu através de
Cadernos Escolares redigir o que depois ficaria consignado como suas “Cartas” e
“Cadernos do Cárcere”. São incríveis 2000 folhas versando sobre teoria política,
teoria literária, comunicados políticos e exercícios de traduções. Em 1948 há a
primeira publicação dos “Cadernos do Cárcere” sob a supervisão do dirigente do
PCI, Palmiro Togliati.
À Guisa de Conclusão
Nesta primeira parte da Resenha de “Gramsci – Um Estudo
Sobre Seu Pensamento Político” de Carlos Nelson Coutinho procuramos fazer uma
introdução acerca da obra e um breve inventário sobre a vida de Gramsci.
Na II Parte desta Resenha deveremos deter-nos nos
conceito-chave desenvolvidos por Gramsci, em especial na teoria política
elaborada no seu período carcerário e estabelecer algumas críticas em face da
interpretação peculiar do pensamento de A. Gramsci por Carlos Nelson Coutinho.
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