segunda-feira, 26 de setembro de 2016

"Advertência aos Leitores do Livro I do Capital" - L. Althusser

Resenha – “Advertência aos leitores do Livro I d’O Capital” – Louis Althusser – O Capital – Karl Marx - Livro I – Ed. Boitempo



“Daí um primeiro conselho de leitura: ter sempre em mente que “O capital” é uma obra de teoria cujo objeto  são os mecanismos do modo de produção capitalista e apenas dele.

Daí um segundo conselho de leitura: não buscar no “Capital” um livro de história “concreta” ou um livro de economia política “empírica”, no sentido em que os historiadores e os economistas entendem esses termos, mas um livro de teoria  que analisa o modo de produção capitalista. A história (concreta) e a economia (empírica) têm outros objetos.

Daí este terceiro conselho de leitura: ao encontrar uma dificuldade de leitura de ordem teórica, levar isso em consideração e tomar as medidas necessárias. Não se apressar, mas sim, voltar para trás, cuidadosa e lentamente, e não avançar até que as coisas estejam claras. Ter em conta que a aprendizagem da teoria é indispensável para ler uma obra teórica. Entender que é andando que se aprende a andar, desde que as condições citadas sejam escrupulosamente respeitadas. Entender que não se aprende a andar na teoria logo na primeira tentativa, súbita e definitivamente, mas pouco a pouco, com paciência e humildade. Esse é o preço do sucesso” ALTHUSSER, Louis.
               
               
A publicação do Volume I do Capital pela editora Boitempo significa uma revolução não só especificamente dentro do mercado editorial mas em face da história das ideias políticas do Brasil. Até então, o público brasileiro contava com edições do “Capital V.I ” da Civilização Brasileira, da Abril Cultural e outras versões fragmentadas associadas a iniciativas do Partido Comunista Brasileiro (Editora Vitória).

A nova edição da Boitempo envolveu um vasto trabalho de tradução (direto do alemão) de autoria de Rubens Enderle e uma revisão com uma equipe de intelectuais de peso: Marcio Bilharino Naves, Lincoln Secco, Emir Sader, dentre outros. A edição da Boitempo conta com três artigos introdutórios: um de autoria do historiador Jacob Gorender, uma reflexão de viés econômico de autoria de José Arthur Giannotti e um pequeno e interessante artigo do pensador marxista francês L. Althusser.

Estão também disponíveis ao leitor diferentes prefácios e posfácios de edições alemãs, inglesas e francesas redigidos por Marx e Engels.

Como se sabe, o “Capital” demarca a obra de maturidade de Marx, o último e derradeiro livro de sua vida. O autor iniciou a redação do primeiro volume em 1850 e publicou em vida apenas o primeiro volume em Setembro de 1867. Marx tinha a expectativa de publicar outros três volumes da obra, mas falece em 1883. Engels toma iniciativa de organizar os manuscritos da forma mais fidedigna possível aos originais – considerando problemas que vão desde lacunas até as dificuldades de caligrafia – Engels publica os volumes II e III do Capital. Em 1905, Kautsky publica o volume IV do Capital que originariamente foi pensado por Marx como tendo por escopo uma discussão sobre as diferentes escolas de economia política.

Althusser aponta duas grandes dificuldades para a compreensão do “Capital”. Há a dificuldade política que deverá atingir especialmente os intelectuais. Ainda que o livro tenha um caráter teórico, o “Capital” aborda questões concretas, que se expressam de forma real e cotidiana na vida do trabalhador, que sente a exploração do trabalho em seu cotidiano. Nestes termos, a dificuldade política é a do intelectual – via de regra mais ou menos influenciado pela ideologia da classe dominante  - e menos do trabalhador que, por sua posição social, deverá se identificar pela prática com os enunciados teóricos. Todavia, Althusser chama atenção também para a dificuldade teórica. 

Por se tratar de uma obra de teoria “pura”, com a existência de abstrações, haverá dificuldades de entendimento, aqui indistintamente para trabalhadores e intelectuais. Todavia, diz Althusser:

“Faço isso para evidenciar um fato ainda mais paradoxal do que o precedente: mesmo indivíduos sem prática com textos teóricos (como operários) experimentaram menos dificuldades diante d’O Capital do que indivíduos habituados à prática da teoria pura (como eruditos ou psudoeruditos muito “cultos”).”

Ainda dentre as recomendações para a leitura do “Capital”, Althusser sugere que o leitor pule a “Seção I (Mercadoria e Dinheiro)” e inicie a leitura a partir da “Seção II (A Transformação do Dinheiro em Capital)”, para apenas ao final da leitura da obra, voltar-se aos capítulos iniciais.

Tal recomendação tem caráter didático: Marx inicia o “Capital” abordando o conceito da mercadoria em passagens mais abstratas e complexas, o que, segundo Althusser, via de regra, implica ora no não entendimento ou pior, no não entendimento que se arroga haver compreendido alguma coisa. Sabe-se que Marx ao iniciar a redação do Capital, começou e recomeçou a reescrever o livro diversas vezes. E o fato do livro logo no início tratar da mercadoria, ou ter como ponto de partida o tema da mais alta abstração não é gratuito.

Pode-se observar aqui um procedimento do tipo hegeliano que parte do abstrato (a mercadoria – capítulo I) ao concreto (“a assim chamada acumulação primitiva” - capítulo 24).

Assim, nas passagens iniciais, são discutidos conceitos como o Valor de Uso (a utilidade das coisas); a ideia de que um bem só possui valor porque nele se objetiva trabalho humano; o Valor da Mercadoria que é proporcional ao tempo socialmente necessário requerido para produzir (trabalho) em condições normais; a Mercadoria que está sempre relacionada à troca, sendo um produto cujo destinatário utilizará a mesma como valor de uso; o fetiche da mercadoria, um encantamento ou feitiço promovido pelo produto cuja validade incrivelmente pode ser constatada nos dias de hoje, quando observamos o poder do celular ou a manipulação das propagandas voltadas ao consumo. 

Desde este ponto de partida “abstrato” (no sentido de teórico), Marx chegará no “assim chamada acumulação primitiva”, donde se volta para a história da conformação do capitalismo, descrevendo a formação de um exército de reserva de mão de obras na Inglaterra a partir da expulsão de camponeses por meio de iniciativas oficiais e extralegais marcadas pela violência brutal.

De maneira geral, o Capital volta-se para o estudo do modo de produção capitalista – Marx está em busca de leis tendenciais (não ocasionais) do capitalismo. A diretriz geral que marca a descoberta do Capital remonta ao processo de acumulação. Poderíamos vulgarmente falar que a lei que impera na sociedade capitalista é a busca incessante pelo lucro (e reiteramos que utilizamos aqui uma linguagem vulgar, apenas a título de ilustração).

O Capital e Marx têm o mesmo peso científico nas ciências humanas segundo Althusser que Galileu na Física e os Gregos na Matemática. Trata-se portanto de uma leitura obrigatória, mesmo para adversários dos posicionamentos políticos de Marx.  


Nenhum comentário:

Postar um comentário