sábado, 13 de agosto de 2016

“Cristianismo Libertador” – Alysson Leandro Mascaro

“Cristianismo Libertador” – Alysson Leandro Mascaro



Resenha Livro - 232 - “Cristianismo Libertador” – Alysson Leandro Mascaro – Editora Comenius

“Da mesma forma, o entendimento dos laços passados e futuros do espírito faz desmoronar a ideia de que Deus dê a cada qual uma cruz e que se deve carrega-la inexoravelmente nesta vida. A pobreza e a miséria não são da conta de Deus pai vingador. Instaura-se a responsabilidade da humanidade por si mesma. A partir daí, não há justo título reconhecido pelo altar da divindade: a existência social humana é passível de discussão e de indagação” (A Transformação Humana – Pg. 45)
                
Alysson Leandro Mascaro é professor de Filosofia do Direito da USP e conhecido como um dos principais críticos do fenômeno jurídico desde um horizonte intelectual marxista. Aqui o professor e filósofo diferencia-se da esmagadora parcela dos juristas que mesmo no âmbito das reflexões da filosofia do direito trilham a orientação do juspositivismo. Aliás a hegemonia do juspositivismo está sintomaticamente presente em todos os ramos do direito: trata-se de entender o direito como mero sinônimo de norma emanada pelo estado, restringir o fenômeno jurídico ao direito posto, axiologicamente neutro e desprovido de interesses com relação ao que é justo, à moral, à ética e às suas interfaces com a história.

Não é à toa que Hans Kelsen, talvez o principal expoente do Juspositivismo, escreveu um livro denominado “Teoria Pura do Direito”, buscando justamente concretizar a ideia de que o direito deveria restringir a uma técnica impessoal baseada na aplicação das leis. A perspectiva crítica do direito – que em última análise remete à Marx e sua crítica da Economia Política – desnuda o caráter ideológico do Juspositivismo. Trata-se em primeiro lugar de situar o direito como um fenômeno histórico e o direito tal qual o conhecemos é um fenômeno eminentemente moderno, produto do desenvolvimento capitalista – havia um direito romano, mas que se constitui de forma artesanal, de modo que os conflitos eram resolvidos em suas especificidades e sem a existência dos procedimentos e da impessoalidade que só foram conquistados com o advento do Estado Moderno. Os estudos de Alysson Mascaro e outros autores da teoria crítica nos mostram como o direito exterioriza uma forma coerente com as exigências históricas de desenvolvimento e reprodução capitalista.

A noção de “Sujeito de Direito” surge na modernidade num momento em que o fim do feudalismo põe termo a dominação direta escravista e do servo em relação ao Senhor Feudal, um mundo onde os indivíduos são livres formalmente para a compra e venda da força de trabalho; nessa seara surge o conceito de “autonomia da vontade”, um conceito-chave às relações contratuais que concretizam tanto relações mercantis quanto chancelam os próprios contratos de trabalhos; institutos comerciais que remetem à baixa idade média como a concordata (Direito Estatutário Alemão) e os Títulos de Crédito vão sendo consolidados e desenvolvidos pelo direito privado até a conformação de Códigos Civis, sendo um marco nesse sentido o Código Civil Napoleônico (1804), disseminado pelo mundo.
A teoria crítica é acima de tudo uma perspectiva que desnuda o viés ideológico das estruturas jurídicas. Alguns dos trabalhos mais importantes do jurista de Catanduva nesse sentido são “Estado e Forma Política” (http://esperandopaulo.blogspot.com.br/2014/08/estado-e-forma-politica-alysson-leandro.html) e “Introdução ao Estudo do Direito” (http://esperandopaulo.blogspot.com.br/2013/11/introducao-ao-estudo-do-direito-alysson.html).

O que talvez poucos saibam, inclusive este resenhador até pouco tempo, é que o jurista marxista também tem trabalhos escritos dentro da comunidade espírita. De acordo com o contrapelo da presente obra, é conferencista e escritor espírita, autor de “Introdução ao Estudo do Espiritismo”, além de trabalhos assistenciais na S. E. Caminho da Luz.

E aqui abrimos uma discussão que nos parece interessante. Que tipo de relação do tipo prático e teórico pode se estabelecer entre a religião (e o espiritismo em particular) e o marxismo? Existe uma contradição indissolúvel entre cristianismo e marxismo, ou há interfaces entre ambas perspectivas de mundo?

Um pequeno parênteses

Antes de prosseguirmos, parece-nos importante fazer a seguinte ponderação. Este resenhador reivindica o ponto de vista do marxismo-leninismo. Por uma questão de transparência junto ao leitor, parece-nos necessário que também relatemos muito brevemente a nossa opinião sobre o problema religioso. Como se sabe, Lênin bem definiu o marxismo como uma tradição decorrente de três fontes essenciais: o socialismo francês, a filosofia clássica alemã e a economia política inglesa. Quanto à filosofia clássica alemã e o socialismo francês, da primeira resgata-se a dialética hegeliana e do segundo as filosofias materialistas que são elevadas ambas num estágio superior: o materialismo filosófico e o materialismo dialético. Com isso queremos dizer que a filosofia marxista é amplamente materialista o que desde já a afasta das explicações que desde o céu passam às questões terrenas (o sentido é exatamente o contrário); se afasta de todo idealismo e de toda metafísica.

Não reivindicamos nenhuma religião e não acreditamos em deus. Mas nosso ateísmo é diferente daquele propugnado por Paulo Jonas Piva em seu belo ensaio sobre o padre ateu Meslier (ver: http://esperandopaulo.blogspot.com.br/2015/11/ateismo-e-revolta-paulo-jonas-de-lima_12.html). De acordo com Piva, ateu é aquele que crê piamente na não existência de deus e nestes termos o ateísmo deste resenhador seria melhor enquadrado num “agnosticismo”. Mas não pensamos desta forma. Temos notícia de que o Universo adveio do Big Bang (uma teoria). Mas não temos notícia do que ou de quem criou o Big Bang e muito menos do que havia antes do Big Bang. Em outros termos, a questão da existência de deus parece-nos um problema filosófico tão decisivo que a simples assertiva do tipo “Não acredito em deus” deveria vir acompanhada de argumentos científicos/filosóficos razoáveis.

O problema da Religião no Marxismo

Já no Jovem Marx há um tratamento radical contra a religião na “Questão Judaica”, em que contrapõe a emancipação do Judeu à emancipação humana. Mas seria na “Introdução da Filosofia do Direito” em que haveria uma das mais belas passagens em que se aborda o problema da religião nos termos da alienação e da miséria humana:

“Na Alemanha, a crítica da religião chegou, no essencial, ao fim. A crítica da religião é a premissa de toda crítica.

A existência profana do erro ficou comprometida, uma vez refutada sua celestial oratio pro aris et focis [oração pelo lar e pelo ócio].

O homem que só encontrou o reflexo de si mesmo na realidade fantástica do céu, onde buscava um super-homem, já não se sentirá inclinado a encontrar somente a aparência de si próprio, o não-homem, já que aquilo que busca e deve necessariamente buscar é a sua verdadeira realidade.
A religião não faz o homem, mas, ao contrário, o homem faz a religião: este é o fundamento da crítica irreligiosa. A religião é a autoconsciência e o auto sentimento do homem que ainda não se encontrou ou que já se perdeu. Mas o homem não é um ser abstrato, isolado do mundo. O homem é o mundo dos homens, o Estado, a sociedade. Este Estado, esta sociedade, engendram a religião, criam uma consciência invertida do mundo, porque eles são um mundo invertido. A religião é a teoria geral deste mundo, seu compêndio enciclopédico, sua lógica popular, sua dignidade espiritualista, seu entusiasmo, sua sanção moral, seu complemento solene, sua razão geral de consolo e de justificação. 

É a realização fantástica da essência humana por que a essência humana carece de realidade concreta. Por conseguinte, a luta contra a religião é, indiretamente, a luta contra aquele mundo que tem na religião seu aroma espiritual.

A miséria religiosa é, de um lado, a expressão da miséria real e, de outro, o protesto contra ela. A religião é o soluço da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, o espírito de uma situação carente de espirito. É o ópio do povo”.

É bom desde já fazer constar que boa parte de “Cristianismo Libertador” não está em contradição com a ideia de que a religião, no passado e no presente, é um consolo para uma realidade de exploração e miséria, nos termos supracitados por Marx. Os ensaios reunidos não são especificamente textos de proselitismo religioso, mas reflexões que abordam a história do cristianismo, sua diferenciação com o espiritismo (definido pelo autor como “Ciência do Espírito”) e até um último ensaio bastante interessante, escrito à luz dos eventos do 11 de setembro, acerca da relação histórica de indiferença e dominação do ocidente cristão em face das demais culturas dominadas – “O Cristo do Ocidente”.

O que gostaríamos de destacar são aspectos do que poderia se remeter a um certo cristianismo primitivo que tem alguma interface, se não com o marxismo, talvez com tradições antigas do igualitarismo e que podem sim inspirar as lutas sociais nos dias de hoje. Nesse sentido, uma resposta parcial as primeiras cogitações é: sim, existe um diálogo possível entre o cristianismo e o socialismo, mas que encontra impeditivos importantes na teoria marxista, que é profundamente materialista.

“O amor à humanidade compreende, na sua base, o impulso para a justiça, o impulso para a transformação. Este parece ser um elemento crucial no exemplo de Jesus. O impulso pela transformação e não pela conservação. Há em cristo, latente, o ânimo da contestação, propondo a transformação do dado; Jesus não era absolutamente, o homem do poder. Todas as religiões que se reputaram cristãs, no entanto, foram religiões do poder. Se não do poder político e estatal, do poder econômico certamente. Ao mesmo tempo, do poder de castrar, do poder de submeter. Poder e libertação são dois antípodas. Nossa tendência a trabalhar com o mais confortável à nossa conveniência é que faz com que possamos ver bons poderes e boas submissões. Cristo é a total libertação. Por isso, ainda hoje, ou se vive um cristianismo totalmente adulterado do qual de Cristo só tem o nome, ou, se quisermos viver verdadeiramente como cristãos, devemos ser revolucionários. Os paliativos não bastam; historicamente só fizeram por manchar os altos ideais de Jesus”.



2 comentários:

  1. Sua resenha traduz uma leitura sensível e incisiva desta obra do ilustre prof. Alysson Mascaro. Paulo você aqui inclui uma citação do livro A tranformação humana, também do A.M. Não consigo encontrá-lo em parte alguma. Se você puder me acenar com alguma possibilidade de adquiri-lo, eu, te agradeço imensamente. Um abraço.

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  2. 👆🏾👆🏾👆🏾meu email luisapgsc@hotmail.com.br

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