“Antonio Gramsci – do liberalismo ao “comunismo crítico” –
Domenico Losurdo
Resenha Livro - 231 - “Antonio Gramsci – do liberalismo ao “comunismo
crítico” – Domenico Losurdo – Ed. Revan
O
historiador e filósofo italiano Domenico Losurdo destaca-se pelo seu vasto
repertório cultural e particularmente pelo seu peculiar senso crítico. O
professor da Universidade de Urbino tem trabalhos importantes publicados no
Brasil como sua diferenciada biografia política de Joseph Stálin (“Stálin – História crítica de uma lenda negra” - Ed. Revan - http://esperandopaulo.blogspot.com.br/2014/09/stalin-historia-critica-de-uma-lenda.html)
em que revela aspectos ocultos do dirigente soviético negligenciados pela historiografia
tradicional, como o papel decisivo de Stálin na estratégia militar que
corroborou na vitória soviética na II Guerra Mundial e a indução estratégica
dos planos quinquenais para o desenvolvimento das forças produtivas num ritmo
jamais visto na história.
Em “Fuga da História” (“Fuga da História? A Revolução Russa e a
Revolução Chinesa vistas hoje” - Editora Revan - http://esperandopaulo.blogspot.com.br/2016/01/fuga-da-historia-domenico-losurdo.html
), Losurdo descarrega sua munição crítica mesmo junto à historiografia de
esquerda que se deixa seduzir pela ideologia dominante diante de diversas
passagens da história política da Revolução Russa e Chinesa.
Este ensaio dedicado ao
pensamento político do dirigente político e teórico marxista Antônio Gramsci
diz respeito à disciplina da História das Ideias[1].
O autor não se remete à trajetória de vida de Gramsci, sua militância no
Partido Socialista e posteriormente na construção do Partido Comunista, à
atividade de agitação e propaganda junto ao “L’Ordine Nuovo” e aos anos na
prisão donde redigiu seus famosos “Cadernos do Cárcere”. Trata-se antes de uma
bibliografia intelectual em que Losurdo passa em revista a evolução do
pensamento de Gramsci e suas interfaces com o ambiente cultural da Itália de
seu tempo, com o desenvolvimento do movimento comunista e operário da primeira
metade do século XX e dos fatos políticos mais relevantes, objeto das
cogitações das próprias reflexões gramscianas: da carnificina da I Guerra
Mundial com a participação Italiana, da aventura imperialista da Itália na
Líbia, da Revolução de Outubro na Rússia e da ascensão do Fascismo.
“Reside
aqui o fascínio de uma evolução e de uma biografia intelectual que, a partir de
dramáticos acontecimentos históricos (o primeiro conflito mundial, a revolução
e a eclosão da primeira etapa da guerra, fria e quente, contra a Rússia
soviética, o processo de radicalização ideológica e política do movimento
operário no Ocidente, o despertar dos povos coloniais e as persistentes
ambições imperialistas das grandes potências liberais, o advento do fascismo),
aprofunda e radicaliza a crítica ao liberalismo e amadurece, em todos os níveis,
a passagem ao comunismo.” (Pg. 144)
Gramsci advém de modesta origem
social: em 1914, aos 23 anos, é um humilde provinciano da Sardenha, uma ilha
onde “grassam o analfabetismo, a malária, o tracoma, a tuberculose e a inanição”,
criando desde jovem uma empatia junto às classes e povos subalternos. O que
pode em um primeiro momento surpreender é o fato de que os primeiros
intelectuais a influenciar diretamente Gramsci serem Croce e Gentile, expoentes
de um pensamento liberal “neoidealista”.
A
chave explicativa para tal fato está no relativo atraso cultural da Itália:
naquele país ainda restam importantes resquícios do Antigo Regime e no âmbito
do mundo das ideias, ainda ganham força o positivismo ou mesmo concepções
filosóficas relacionadas à Igreja Católica.
Nesse
sentido, Croce e Gentile representavam o pensamento burguês mais avançado
naquele momento, uma concepção de mundo cosmopolita que valorizava a história e
a transitoriedade dos fatos sociais em detrimento de concepções de mundo
teológicas ou até mesmo racistas, como as de Lombroso. Este último é conhecido
no âmbito do Direito Penal por fazer associações entre o fenótipo de
indivíduos, ou “raças”, e tendências de práticas delituosas. Outros iriam
justificar a aventura colonial Italiana dentro da concepção do fardo do Homem
Branco, ressaltando perspectivas racistas em que os povos dominados teriam, por
sua raça, menor dignidade humana. Pensadores burgueses como Croce vão em
sentido contrário e aqui a apropriação de Gramsci ao que há de mais avançado do
pensamento burguês de seu tempo remete ao conceito de “herança”: ao seu tempo
Marx igualmente fez distinções entre a Economia Política Clássica (Ricardo e
Smith) da Economia Política Vulgar (Malthus), sem deixar de se apropriar da
teoria do valor trabalho e, com isso, da herança, de uma crítica que se
apropria e desloca o objeto. Cogitações nesse sentido poderiam ser feitas a
respeito da relação entre Marx e a filosofia hegeliana.
O
salto entre liberalismo e comunismo crítico vai se dar com o processo histórico.
Em última análise Croce entende ser a I Guerra um fato inevitável. Gramsci faz
uma interpretação materialista deste evento histórico colocando-se contra a carnificina.
Posteriormente, com a Revolução de Outubro, verifica-se que a Revolução
Socialista é uma transformação integral em contraponto à Revolução Burguesa.
Assim aduz Gramsci:
“A
burguesia, quando fez a revolução, não tinha um programa universal; ela servia
a interesses particulares, interesses da
sua classe, e a servia com a mentalidade fechada e mesquinha de todos aqueles
que tendem a fins particularistas”. Porém (LOSURDO) não obstante oscilações,
pode-se ter como certo um ponto. A revolução burguesa foi uma etapa importante
do processo de emancipação que se desenvolve para a conquista de uma universalidade
cada vez mais rica e concreta. Os
Cadernos do Cárcere lembram como, para
Pascoli, conquistado para a causa do colonialismo, o socialismo de inspiração
marxista tem o defeito de fazer “germinar...o amor universal no lugar do
atavismo bestial e belicoso”. Porém, para o Gramsci que aderiu à Revolução de
Outubro, o comunismo é precisamente o “humanismo integral”.
Algo
importante a se destacar é que o léxico gramsciano transbordou não só as
fronteiras do socialismo revolucionário mas mesmo do Marxismo. Conceitos-chave
decorrentes do autor como “Intelectual Orgânico”, “Hegemonia” ou “Sociedade
Civil” (ampliada no sentido de contemplar o estado) passaram a ser mencionadas
não apenas por intelectuais reformistas mas por não marxistas, ou mesmo
deturpadas. Um exemplo é a utilização da ideia de hegemonia pelo reformismo que
partiria de uma premissa delirante segundo a qual uma “hegemonia” partidária
por dentro das instituições burguesas seria um caminho mais curto e seguro no
sentido do socialismo, uma tese inteiramente oposta ao revolucionário e apoiador
da Revolução Russa. Todavia, destacamos tal fato para ilustrar como Gramsci
tornou-se um pensador que efetivamente ganha importância e merece ser
reconhecido desde que baseado em suas próprias premissas.
“No
âmbito da tradição marxista, Gramsci foi quem, de modo mais radical, colocou o
problema da herança, da crítica do mecanicismo e da recusa a qualquer forma de
messianismo. O antimecanicismo continua a agir na própria história da fortuna
de Gramsci, que não por acaso é alçado à dignidade de “Clássico”. Essa
definição acerta se pretende evidenciar o fato de que a lição dos Cadernos do Cárcere
e, em parte, dos escritos juvenis ultrapassam as fronteiras do movimento
comunista (e da própria esquerda): categorias como as de “hegemonia”, “sociedade
civil”, “bloco histórico”, “revolução passiva” são imprescindíveis para quem
queira compreender adequadamente os mecanismos do poder e a dialética
histórica; estamos na presença de uma obra que enriqueceu e reinterpretou o
léxico, reformulou a gramática e a sintaxe do discurso político e histórico”. (Pg. 285)
[1]
Para uma biografia que contemple aspectos mais pessoais de Gramsci: GRAMSCI –
Um Estudo Sobre Seu Pensamento Político. COUTINHO, Carlos Nelson. Ed.
Civilização Brasileira.
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