quinta-feira, 11 de agosto de 2016

“Antonio Gramsci – do liberalismo ao “comunismo crítico” – Domenico Losurdo

“Antonio Gramsci – do liberalismo ao “comunismo crítico” – Domenico Losurdo



Resenha Livro - 231 - “Antonio Gramsci – do liberalismo ao “comunismo crítico” – Domenico Losurdo – Ed. Revan
                 
O historiador e filósofo italiano Domenico Losurdo destaca-se pelo seu vasto repertório cultural e particularmente pelo seu peculiar senso crítico. O professor da Universidade de Urbino tem trabalhos importantes publicados no Brasil como sua diferenciada biografia política de Joseph Stálin (“Stálin – História crítica  de uma lenda negra” - Ed. Revan - http://esperandopaulo.blogspot.com.br/2014/09/stalin-historia-critica-de-uma-lenda.html) em que revela aspectos ocultos do dirigente soviético negligenciados pela historiografia tradicional, como o papel decisivo de Stálin na estratégia militar que corroborou na vitória soviética na II Guerra Mundial e a indução estratégica dos planos quinquenais para o desenvolvimento das forças produtivas num ritmo jamais visto na história.

Em “Fuga da História” (“Fuga da História? A Revolução Russa e a Revolução Chinesa vistas hoje” - Editora Revan - http://esperandopaulo.blogspot.com.br/2016/01/fuga-da-historia-domenico-losurdo.html ), Losurdo descarrega sua munição crítica mesmo junto à historiografia de esquerda que se deixa seduzir pela ideologia dominante diante de diversas passagens da história política da Revolução Russa e Chinesa.

Este ensaio dedicado ao pensamento político do dirigente político e teórico marxista Antônio Gramsci diz respeito à disciplina da História das Ideias[1]. O autor não se remete à trajetória de vida de Gramsci, sua militância no Partido Socialista e posteriormente na construção do Partido Comunista, à atividade de agitação e propaganda junto ao “L’Ordine Nuovo” e aos anos na prisão donde redigiu seus famosos “Cadernos do Cárcere”. Trata-se antes de uma bibliografia intelectual em que Losurdo passa em revista a evolução do pensamento de Gramsci e suas interfaces com o ambiente cultural da Itália de seu tempo, com o desenvolvimento do movimento comunista e operário da primeira metade do século XX e dos fatos políticos mais relevantes, objeto das cogitações das próprias reflexões gramscianas: da carnificina da I Guerra Mundial com a participação Italiana, da aventura imperialista da Itália na Líbia, da Revolução de Outubro na Rússia e da ascensão do Fascismo.

“Reside aqui o fascínio de uma evolução e de uma biografia intelectual que, a partir de dramáticos acontecimentos históricos (o primeiro conflito mundial, a revolução e a eclosão da primeira etapa da guerra, fria e quente, contra a Rússia soviética, o processo de radicalização ideológica e política do movimento operário no Ocidente, o despertar dos povos coloniais e as persistentes ambições imperialistas das grandes potências liberais, o advento do fascismo), aprofunda e radicaliza a crítica ao liberalismo e amadurece, em todos os níveis, a passagem ao comunismo.” (Pg. 144)

Gramsci advém de modesta origem social: em 1914, aos 23 anos, é um humilde provinciano da Sardenha, uma ilha onde “grassam o analfabetismo, a malária, o tracoma, a tuberculose e a inanição”, criando desde jovem uma empatia junto às classes e povos subalternos. O que pode em um primeiro momento surpreender é o fato de que os primeiros intelectuais a influenciar diretamente Gramsci serem Croce e Gentile, expoentes de um pensamento liberal “neoidealista”.

A chave explicativa para tal fato está no relativo atraso cultural da Itália: naquele país ainda restam importantes resquícios do Antigo Regime e no âmbito do mundo das ideias, ainda ganham força o positivismo ou mesmo concepções filosóficas relacionadas à Igreja Católica.

Nesse sentido, Croce e Gentile representavam o pensamento burguês mais avançado naquele momento, uma concepção de mundo cosmopolita que valorizava a história e a transitoriedade dos fatos sociais em detrimento de concepções de mundo teológicas ou até mesmo racistas, como as de Lombroso. Este último é conhecido no âmbito do Direito Penal por fazer associações entre o fenótipo de indivíduos, ou “raças”, e tendências de práticas delituosas. Outros iriam justificar a aventura colonial Italiana dentro da concepção do fardo do Homem Branco, ressaltando perspectivas racistas em que os povos dominados teriam, por sua raça, menor dignidade humana. Pensadores burgueses como Croce vão em sentido contrário e aqui a apropriação de Gramsci ao que há de mais avançado do pensamento burguês de seu tempo remete ao conceito de “herança”: ao seu tempo Marx igualmente fez distinções entre a Economia Política Clássica (Ricardo e Smith) da Economia Política Vulgar (Malthus), sem deixar de se apropriar da teoria do valor trabalho e, com isso, da herança, de uma crítica que se apropria e desloca o objeto. Cogitações nesse sentido poderiam ser feitas a respeito da relação entre Marx e a filosofia hegeliana.

O salto entre liberalismo e comunismo crítico vai se dar com o processo histórico. Em última análise Croce entende ser a I Guerra um fato inevitável. Gramsci faz uma interpretação materialista deste evento histórico colocando-se contra a carnificina. Posteriormente, com a Revolução de Outubro, verifica-se que a Revolução Socialista é uma transformação integral em contraponto à Revolução Burguesa. Assim aduz Gramsci:

“A burguesia, quando fez a revolução, não tinha um programa universal; ela servia a interesses particulares, interesses  da sua classe, e a servia com a mentalidade fechada e mesquinha de todos aqueles que tendem a fins particularistas”. Porém (LOSURDO) não obstante oscilações, pode-se ter como certo um ponto. A revolução burguesa foi uma etapa importante do processo de emancipação que se desenvolve para a conquista de uma universalidade cada vez mais rica e concreta. Os 
Cadernos do Cárcere lembram como, para Pascoli, conquistado para a causa do colonialismo, o socialismo de inspiração marxista tem o defeito de fazer “germinar...o amor universal no lugar do atavismo bestial e belicoso”. Porém, para o Gramsci que aderiu à Revolução de Outubro, o comunismo é precisamente o “humanismo integral”.

Algo importante a se destacar é que o léxico gramsciano transbordou não só as fronteiras do socialismo revolucionário mas mesmo do Marxismo. Conceitos-chave decorrentes do autor como “Intelectual Orgânico”, “Hegemonia” ou “Sociedade Civil” (ampliada no sentido de contemplar o estado) passaram a ser mencionadas não apenas por intelectuais reformistas mas por não marxistas, ou mesmo deturpadas. Um exemplo é a utilização da ideia de hegemonia pelo reformismo que partiria de uma premissa delirante segundo a qual uma “hegemonia” partidária por dentro das instituições burguesas seria um caminho mais curto e seguro no sentido do socialismo, uma tese inteiramente oposta ao revolucionário e apoiador da Revolução Russa. Todavia, destacamos tal fato para ilustrar como Gramsci tornou-se um pensador que efetivamente ganha importância e merece ser reconhecido desde que baseado em suas próprias premissas.

“No âmbito da tradição marxista, Gramsci foi quem, de modo mais radical, colocou o problema da herança, da crítica do mecanicismo e da recusa a qualquer forma de messianismo. O antimecanicismo continua a agir na própria história da fortuna de Gramsci, que não por acaso é alçado à dignidade de “Clássico”. Essa definição acerta se pretende evidenciar o fato de que a lição dos Cadernos do Cárcere e, em parte, dos escritos juvenis ultrapassam as fronteiras do movimento comunista (e da própria esquerda): categorias como as de “hegemonia”, “sociedade civil”, “bloco histórico”, “revolução passiva” são imprescindíveis para quem queira compreender adequadamente os mecanismos do poder e a dialética histórica; estamos na presença de uma obra que enriqueceu e reinterpretou o léxico, reformulou a gramática e a sintaxe do discurso político e histórico”. (Pg. 285)     
   





[1] Para uma biografia que contemple aspectos mais pessoais de Gramsci: GRAMSCI – Um Estudo Sobre Seu Pensamento Político. COUTINHO, Carlos Nelson. Ed. Civilização Brasileira. 

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