domingo, 1 de maio de 2016

“A Era dos Impérios – 1875 - 1914” – Eric J. Hobsbawm

“A Era dos Impérios – 1875 - 1914” – Eric J. Hobsbawm




Resenha Livro - 420 - “A Era dos Impérios – 1875 - 1917” – Eric J. Hobsbawm – Ed. Paz e Terra

“Nunca antes ou depois os homens e mulheres práticos nutriram expectativas tão elevadas, tão utópicas em relação à vida no planeta: paz universal, cultura universal por meio de um único idioma mundial, ciência que não só tentasse responder, mas que de fato respondesse  às perguntas mais fundamentais sobre o universo, a emancipação da mulher de toda sua história passada, a emancipação de toda a humanidade através da emancipação dos trabalhadores, a liberação sexual, uma sociedade de abundância, um mundo onde cada um colaborasse segundo suas capacidades e recebesse conforme suas necessidades. Não se tratava apenas de sonhos revolucionários. A utopia vinda do progresso estava, sob aspectos fundamentais, embutida no século. Oscar Wilde não estava brincando quando disse que não valia a pena ter um mapa do mundo onde não figurasse a Utopia. Estava falando em nome de Cobden, o do livre comércio, bem como em nome de Fourier, o socialista, no do presidente Grant como no de Marx (que não rejeitou os objetivos utópicos, mas apenas suas estratégias), no de Saint-Simon, cuja utopia do “industrialismo” não pode ser reportada nem ao capitalismo nem ao socialismo, porque afirmava pertencer a ambos. Mas o que as utopias mais características do século XIX tinham de novo era que para elas a história não seria interrompida”. (P. 512).

"A Era dos Impérios (1875-1917)” conclui a trilogia do “longo século XIX” redigida pelo historiador britânico e marxista Eric J. Hobsbawm. Seu ponto de partida é a “Era das Revoluções” correspondente ao período de 1789 a 1848 onde poderíamos falar de uma dupla revolução: a Revolução Francesa de 1789 que correspondeu a tomada do poder político pela burguesia em França, a queda do Antigo Regime através de uma ampla insurreição levada a cabo pelo terceiro estado do qual tomaram parte a esmagadora maioria camponesa, artesãos, pequeno e médios burgueses, uma ainda incipiente classe laboral em contraponto ao poder absolutista que tinha sua base material, dentro das relações de produção feudais. Tratava-se efetivamente de uma dupla revolução pois 1789 era o correspondente político da revolução industrial inglesa já no século XVIII com mudanças nas formas de produção que teriam o condão de alterar a correlação de forças entre as classes e fazer emergir especialmente a partir do século XIX a burguesia como nova classe dominante.

A solução de continuidade da Revolução Francesa foram as guerras napoleônicas que de certa maneira levaram as palavras de ordem do movimento revolucionário Europa adentro. E ainda dentro deste primeiro período marcado por guerras e revoluções, há 1848, um ano de novos levantes que demarcam a consolidação de estados nacionais tardios em Itália e Alemanha, além de fomentar a ideia de Estado Nação que diz respeito ao novo regime político Burguês, cujas fronteiras nacionais demarcam interesses específicos e particulares de respectivas classes: o Estado Moderno, constitucional e liberal demarcava o ponto de chegada para a “Era do Capital” (1848-1875) um momento de expansão econômica e consolidação política, com interessantes repercussões no mundo da cultura, uma cultura burguesa em progresso e otimista quanto ao seu futuro. Tivemos a oportunidade de resenhar este volume (Ver: http://esperandopaulo.blogspot.com.br/2013/03/a-era-do-capital-eric-j-hobsbawm.html)

“A Era dos Impérios” (1875-1917) vem a ser um momento em que a expansão capitalista e burguesa encontra limites geográficos e desdobra-se em imperialismo, com a dominação de territórios da Ásia, África e América Latina. O ideal do livre comércio é substituído pelo protecionismo e colonialismo cultural revelam ideias racistas e no limite até eugenistas – “o fardo do homem branco” que deveria levar a civilização aos rincões do mundo.

“Comparadas a essa diferença, as diferenças entre sociedades pré-históricas como as das ilhas melanésia, e as sofisticadas e urbanizadas sociedades da China, da Índia e do mundo islâmico pareciam insignificantes. Que importava que suas artes fossem admiráveis, que os monumentos de suas culturas ancestrais fossem admiráveis, que os monumentos de suas culturas ancestrais fossem maravilhosos e que suas filosofias (sobretudo religiosas) impressionassem tanto como o cristianismo, e na verdade provavelmente mais que ele, alguns acadêmicos e poetas ocidentais? Basicamente essas sociedades estavam todas igualmente à mercê dos navios que vinham do exterior com carregamento de bens, homens armados e ideias diante das quais ficavam impotentes, e que transformaram seus universos como convinha aos invasores, independente dos sentimentos dos invadidos”.

Lênin identificou e analisou o fenômeno de forma contemporânea ao publicar “Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo” em 1917. A ideia chave do ensaio é que o imperialismo é a expressão do capitalismo em sua fase monopolista, quando a formação de grandes oligopólios que fazem consórcios com estados nacionais e buscam a dominação econômica do tipo neocolonial dos países da periferia do sistema capitalista – o imperialismo envolve a disputa direta por recursos naturais como ouro e diamantes (África do Sul), ou mesmo reservas de carvão, aço, ferro e outros insumos industriais ou produtos tropicais como café e chá. O imperialismo envolve o domínio direto de mercados e para isso a manipulação ou o gerenciamento de governos de seu interesse. Nesse sentido a América Latina, sob o domínio imperialista norte-americano através da justificativa ideológica da Doutrina Monroe, foi palco de intervenções mais ou menos diretas, ainda no século XIX especialmente nos eventos relacionados à independência de Cuba e à construção do Canal do Panamá.

“O cerne da análise leninista (que se baseava abertamente em vários autores da época, tanto marxianos como não marxianos) era de que as raízes econômicas do novo imperialismo residiam numa nova etapa específica de capitalismo que, entre outras coisas, levava à “divisão territorial do mundo entre as grandes potências capitalistas”, configurando um conjunto de colônias formais e informais e de esferas de influência. As rivalidades entre as potências capitalistas que levaram a essa divisão também geraram a Primeira Guerra Mundial. Não precisamos discutir aqui os mecanismos específicos através dos quais o “capitalismo monopolista” levou ao colonialismo – as opiniões divergem a este respeito, mesmo entre os marxistas – ou a ampliação mais recente dessa análise numa “teoria da dependência” de alcance mais geral, no fim do século XX. De uma forma ou de outra, todas partem do princípio de que a expansão econômica ultramarina e a exploração do mundo ultramarino foram cruciais para os países capitalistas”. (Pg.100)

O imperialismo era uma manifestação de um sentido mais geral percebido talvez de maneira mais vibrante no mundo das artes e da cultura de uma ideia de progresso e de otimismo quanto aos recursos da tecnologia. Quando se pensa em um período histórico é importante destacar o que efetivamente ele nos deixou ou mais claramente que tipo de descoberta eventualmente ainda viva nos dias de hoje tal período histórico nos legou. 

E aqui é possível fazer um pequeno inventário sem qualquer critério classificatório. Foi da Era dos Impérios que surgiu a Bicicleta o que facilitou bastante o transporte e o lazer especialmente das mulheres. Na verdade, há um capítulo dedicado a emancipação feminina que, se por um lado, se restringiu a um movimento das mulheres das classes superiores sufragistas, por outro, o que se observava era uma abertura maior ou uma aceitação maior da mulher dentro de postos de trabalho, e mesmo fora de casa, da mulher solteira que vivia de rendimentos  sem o casamento formal nas novas cidades, da mobilidade da mulher fora de ambiente domésticos desde os passeios, do teatro e do cinema que estava sendo inventado, das suas novas roupas, com a maquiagem que até então só era utilizada mesmo pelas profissionais do sexo e do teatro, passando a ser utilizada regularmente, até mesmo a invenção do Sutiã (1910). Foi um momento em que os jogos e os esportes ganharam enorme prestígio com a invenção do futebol, prestigiado pelas classes mais baixas e o golfe prestigiado pela elite, além do tênis. Dentro de casa, surgiu o aspirador de pó e o ferro de passar, mas ao que tudo indica, as casas da burguesia continuavam repletas de empregadas domésticas.

É um tempo que sinalizava otimismo, com descobertas na medicina microbiana e a relatividade questionando o paradigma newtoniano na física. E seu destino foi trágico: o que houve foi uma guerra com cerca de 9 milhões de mortos, algo jamais visto. Dentro dos movimentos socialistas, dentro da II Internacional, a maioria dos partidos capitularam ao patriotismo, e o que se observou é que de fato havia nos países um sentimento de apoio ao respectivo país, dado que é demonstrado pelo número de voluntários, na Inglaterra na centena de milhares (país que não havia convocação obrigatória militar). Com a Guerra e a eclosão concomitante da Revolução Russa de 1917, ficaria evidente a crise do imperialismo e uma luz, uma oportunidade histórica:

“Em 1917, a revolução convulsionara todos os antigos impérios do planeta, das fronteiras da Alemanha aos mares da China. Como a Revolução Mexicana, as agitações egípcias e o movimento nacional indiano mostraram, ela estava começando a corroer os novos impérios formais ou informais do imperialismo. Entretanto, seus resultados ainda não estavam claros em parte alguma, e era fácil subestimar a significação de seu fogo, bruxuleando entre o que Lênin chamou de “material inflamável na política mundial”. Ainda não estava claro que a Revolução Russa produziria um regime comunista – o primeiro da história, e se tornaria o acontecimento central da política mundial do século XX, como a Revolução Francesa fora o acontecimento central da política do século XIX”


Se uma tragédia conclui o longo século XIX é a Revolução Bolchevique de Lênin e seus camaradas que põem em andamento o novo século XX. 

(Imagem: The Passing Regiment 1875)

Nenhum comentário:

Postar um comentário