“A Era dos Impérios – 1875 - 1914” – Eric J. Hobsbawm
Resenha Livro - 420 - “A Era dos Impérios – 1875 - 1917” – Eric J.
Hobsbawm – Ed. Paz e Terra
“Nunca antes ou depois os homens e mulheres práticos
nutriram expectativas tão elevadas, tão utópicas em relação à vida no planeta:
paz universal, cultura universal por meio de um único idioma mundial, ciência que
não só tentasse responder, mas que de fato respondesse às perguntas mais fundamentais sobre o
universo, a emancipação da mulher de toda sua história passada, a emancipação
de toda a humanidade através da emancipação dos trabalhadores, a liberação
sexual, uma sociedade de abundância, um mundo onde cada um colaborasse segundo
suas capacidades e recebesse conforme suas necessidades. Não se tratava apenas
de sonhos revolucionários. A utopia vinda do progresso estava, sob aspectos
fundamentais, embutida no século. Oscar Wilde não estava brincando quando disse
que não valia a pena ter um mapa do mundo onde não figurasse a Utopia. Estava
falando em nome de Cobden, o do livre comércio, bem como em nome de Fourier, o
socialista, no do presidente Grant como no de Marx (que não rejeitou os
objetivos utópicos, mas apenas suas estratégias), no de Saint-Simon, cuja
utopia do “industrialismo” não pode ser reportada nem ao capitalismo nem ao
socialismo, porque afirmava pertencer a ambos. Mas o que as utopias mais
características do século XIX tinham de novo era que para elas a história não
seria interrompida”. (P. 512).
"A Era
dos Impérios (1875-1917)” conclui a trilogia do “longo século XIX” redigida
pelo historiador britânico e marxista Eric J. Hobsbawm. Seu ponto de partida é
a “Era das Revoluções” correspondente ao período de 1789 a 1848 onde poderíamos
falar de uma dupla revolução: a Revolução Francesa de 1789 que correspondeu a
tomada do poder político pela burguesia em França, a queda do Antigo Regime
através de uma ampla insurreição levada a cabo pelo terceiro estado do qual
tomaram parte a esmagadora maioria camponesa, artesãos, pequeno e médios
burgueses, uma ainda incipiente classe laboral em contraponto ao poder
absolutista que tinha sua base material, dentro das relações de produção
feudais. Tratava-se efetivamente de uma dupla revolução pois 1789 era o
correspondente político da revolução industrial inglesa já no século XVIII com
mudanças nas formas de produção que teriam o condão de alterar a correlação de
forças entre as classes e fazer emergir especialmente a partir do século XIX a
burguesia como nova classe dominante.
A solução de continuidade da Revolução Francesa foram as
guerras napoleônicas que de certa maneira levaram as palavras de ordem do
movimento revolucionário Europa adentro. E ainda dentro deste primeiro período
marcado por guerras e revoluções, há 1848, um ano de novos levantes que
demarcam a consolidação de estados nacionais tardios em Itália e Alemanha, além
de fomentar a ideia de Estado Nação que diz respeito ao novo regime político
Burguês, cujas fronteiras nacionais demarcam interesses específicos e particulares
de respectivas classes: o Estado Moderno, constitucional e liberal demarcava o
ponto de chegada para a “Era do Capital” (1848-1875) um momento de expansão
econômica e consolidação política, com interessantes repercussões no mundo da
cultura, uma cultura burguesa em progresso e otimista quanto ao seu futuro.
Tivemos a oportunidade de resenhar este volume (Ver: http://esperandopaulo.blogspot.com.br/2013/03/a-era-do-capital-eric-j-hobsbawm.html)
“A Era dos Impérios” (1875-1917) vem a ser um momento em que
a expansão capitalista e burguesa encontra limites geográficos e desdobra-se em
imperialismo, com a dominação de territórios da Ásia, África e América Latina.
O ideal do livre comércio é substituído pelo protecionismo e colonialismo
cultural revelam ideias racistas e no limite até eugenistas – “o fardo do homem
branco” que deveria levar a civilização aos rincões do mundo.
“Comparadas a essa diferença, as diferenças entre sociedades
pré-históricas como as das ilhas melanésia, e as sofisticadas e urbanizadas
sociedades da China, da Índia e do mundo islâmico pareciam insignificantes. Que
importava que suas artes fossem admiráveis, que os monumentos de suas culturas
ancestrais fossem admiráveis, que os monumentos de suas culturas ancestrais
fossem maravilhosos e que suas filosofias (sobretudo religiosas)
impressionassem tanto como o cristianismo, e na verdade provavelmente mais que
ele, alguns acadêmicos e poetas ocidentais? Basicamente essas sociedades
estavam todas igualmente à mercê dos navios que vinham do exterior com
carregamento de bens, homens armados e ideias diante das quais ficavam
impotentes, e que transformaram seus universos como convinha aos invasores, independente
dos sentimentos dos invadidos”.
Lênin identificou e analisou o fenômeno de forma
contemporânea ao publicar “Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo” em 1917.
A ideia chave do ensaio é que o imperialismo é a expressão do capitalismo em
sua fase monopolista, quando a formação de grandes oligopólios que fazem
consórcios com estados nacionais e buscam a dominação econômica do tipo
neocolonial dos países da periferia do sistema capitalista – o imperialismo
envolve a disputa direta por recursos naturais como ouro e diamantes (África do
Sul), ou mesmo reservas de carvão, aço, ferro e outros insumos industriais ou
produtos tropicais como café e chá. O imperialismo envolve o domínio direto de
mercados e para isso a manipulação ou o gerenciamento de governos de seu
interesse. Nesse sentido a América Latina, sob o domínio imperialista
norte-americano através da justificativa ideológica da Doutrina Monroe, foi
palco de intervenções mais ou menos diretas, ainda no século XIX especialmente
nos eventos relacionados à independência de Cuba e à construção do Canal do
Panamá.
“O cerne da análise leninista (que se baseava abertamente em
vários autores da época, tanto marxianos como não marxianos) era de que as
raízes econômicas do novo imperialismo residiam numa nova etapa específica de
capitalismo que, entre outras coisas, levava à “divisão territorial do mundo
entre as grandes potências capitalistas”, configurando um conjunto de colônias
formais e informais e de esferas de influência. As rivalidades entre as
potências capitalistas que levaram a essa divisão também geraram a Primeira
Guerra Mundial. Não precisamos discutir aqui os mecanismos específicos através
dos quais o “capitalismo monopolista” levou ao colonialismo – as opiniões
divergem a este respeito, mesmo entre os marxistas – ou a ampliação mais
recente dessa análise numa “teoria da dependência” de alcance mais geral, no
fim do século XX. De uma forma ou de outra, todas partem do princípio de que a
expansão econômica ultramarina e a exploração do mundo ultramarino foram
cruciais para os países capitalistas”. (Pg.100)
O imperialismo era uma manifestação de um sentido mais geral
percebido talvez de maneira mais vibrante no mundo das artes e da cultura de
uma ideia de progresso e de otimismo quanto aos recursos da tecnologia. Quando
se pensa em um período histórico é importante destacar o que efetivamente ele
nos deixou ou mais claramente que tipo de descoberta eventualmente ainda viva
nos dias de hoje tal período histórico nos legou.
E aqui é possível fazer um pequeno
inventário sem qualquer critério classificatório. Foi da Era dos Impérios que
surgiu a Bicicleta o que facilitou bastante o transporte e o lazer
especialmente das mulheres. Na verdade, há um capítulo dedicado a emancipação
feminina que, se por um lado, se restringiu a um movimento das mulheres das
classes superiores sufragistas, por outro, o que se observava era uma abertura
maior ou uma aceitação maior da mulher dentro de postos de trabalho, e mesmo
fora de casa, da mulher solteira que vivia de rendimentos sem o casamento formal nas novas cidades, da
mobilidade da mulher fora de ambiente domésticos desde os passeios, do teatro e
do cinema que estava sendo inventado, das suas novas roupas, com a maquiagem
que até então só era utilizada mesmo pelas profissionais do sexo e do teatro,
passando a ser utilizada regularmente, até mesmo a invenção do Sutiã (1910).
Foi um momento em que os jogos e os esportes ganharam enorme prestígio com a
invenção do futebol, prestigiado pelas classes mais baixas e o golfe
prestigiado pela elite, além do tênis. Dentro de casa, surgiu o aspirador de pó
e o ferro de passar, mas ao que tudo indica, as casas da burguesia continuavam
repletas de empregadas domésticas.
É um tempo que sinalizava otimismo, com descobertas na
medicina microbiana e a relatividade questionando o paradigma newtoniano na
física. E seu destino foi trágico: o que houve foi uma guerra com cerca de 9
milhões de mortos, algo jamais visto. Dentro dos movimentos socialistas, dentro
da II Internacional, a maioria dos partidos capitularam ao patriotismo, e o que
se observou é que de fato havia nos países um sentimento de apoio ao respectivo
país, dado que é demonstrado pelo número de voluntários, na Inglaterra na
centena de milhares (país que não havia convocação obrigatória militar). Com a
Guerra e a eclosão concomitante da Revolução Russa de 1917, ficaria evidente a
crise do imperialismo e uma luz, uma oportunidade histórica:
“Em 1917, a revolução convulsionara todos os antigos
impérios do planeta, das fronteiras da Alemanha aos mares da China. Como a
Revolução Mexicana, as agitações egípcias e o movimento nacional indiano
mostraram, ela estava começando a corroer os novos impérios formais ou
informais do imperialismo. Entretanto, seus resultados ainda não estavam claros
em parte alguma, e era fácil subestimar a significação de seu fogo, bruxuleando
entre o que Lênin chamou de “material inflamável na política mundial”. Ainda
não estava claro que a Revolução Russa produziria um regime comunista – o primeiro
da história, e se tornaria o acontecimento central da política mundial do
século XX, como a Revolução Francesa fora o acontecimento central da política
do século XIX”
Se uma tragédia conclui o longo século XIX é a Revolução
Bolchevique de Lênin e seus camaradas que põem em andamento o novo século XX.
(Imagem: The Passing Regiment 1875)
Nenhum comentário:
Postar um comentário