“O Tratado de Versalhes” – Jean-Jacqes Becker
Resenha Livro - 221- “O Tratado de Versalhes” – Jean-Jacqes Becker – Editora Unesp
O Tratado de Versalhes foi o resultado de uma Conferência de Paz que pôs fim à I Guerra Mundial. O Tratado foi assinado em 28 de Junho de 1919 após uma série de reuniões diplomáticas não devendo ser confundido com o acordo de armistício. O pedido de armistício foi feito pela Alemanha diante do flagrante enfraquecimento tanto interno (a fome principalmente), o descontentamento da opinião pública quanto à Guerra, bem como a constatação pelos generais da impossibilidade de vencer.
Com o fim da I Guerra um elemento complicador ainda para a questão da paz seria a fuga de Guilherme II que abdica do poder e foge para os países baixos, assumindo o regime alemão o presidente da república Ebert. Quanto ao pedido de armistício, formulado em 11 de Novembro de 1918, foi ele derivado da famosa política dos 14 pontos de paz proposta pelo presidente Woodrow Wilson dos EUA, proposta ambiciosa ao ter como escopo resolver o problema da paz internacional de forma definitiva. Desta proposta há de se destacar o ponto 14, o embrião da Liga das Nações e posteriormente da ONU, uma sociedade multilateral de nações, uma associação internacional baseada na ideia de direito dos povos à autodeterminação. Àquela altura havia uma certa divisão de opinião quanto à oportunidade do pedido do armistício pela Alemanha. Alguém como LLord Gorge, chefe de governo Inglês, via com reservas o total aniquilamento da Alemanha, especialmente depois de 1917, sob o risco de jogar o país à revolução, criar condições da radicalização política bolchevique. Já a França de Clemenceau parecia ir numa linha mais dura diante da Alemanha (considerada consensualmente pelos vencedores da Guerra como responsável pelo conflito) e muitos consideravam prematuro um armistício antes da entrada de tropas dentro do território Alemão.
O que é muito comum de se colocar é que o Tratado de Versalhes é um dos responsáveis, ao menos indireto, pela II Guerra Mundial. Ao opor condições tão desonrosas aos vencidos, especificamente à Alemanha, teria gerado uma sensação de humilhação nacional que facilitou a ascensão de manipuladores e demagogos como Hitler, que usou o tratado habilmente como denúncia da necessidade de uma reação alemã. Mas uma pergunta que deveria ser feita aqui pelos historiadores é: dada as condições históricas, esta situação era inevitável? E se olharmos mais retidamente ao Tratado de Versalhes veremos que ele na verdade foi o resultado possível de uma situação bastante tumultuada na Europa que remete a questões que vão muito além do tratado internacional.
Em 1917 Lênin publica seu famoso trabalho “Imperialismo, fase superior do capitalismo”. Aqui há o entendimento de que o imperialismo é a fase do capitalismo monopolista, dos grandes oligopólios em consórcio com o Estado que em busca de novos mercados partem para a dominação direta e indireta neocolonial. Se o liberalismo clássico remetia ao livre comércio das nações em pé de igualdade (formal) e ao não protecionismo, a fase imperialista subverte estes princípios clássicos, com uma brutal disputa das nações por rotas comerciais e pelo domínio imperialista que envolve o controle de insumos da revolução industrial e riquezas – ouro e diamante (África do Sul), Carvão, Aço, Ferro e posteriormente Petróleo – produtos tropicais como Café (Brasil), Chá (Índia), Banana (América Central) – além é claro do domínio de mercados de consumo e trabalho. Como colocava Lênin aquela conjuntura engendrava um contexto de “crises, guerras e revoluções” – o assassinato do arquiduque
Francisco Ferdinando, herdeiro do Império Austro Húngaro por um ativista sérvio, ato que evoluiu no sentido do desencadeamento da Guerra foi um mero episódio secundário, algo como um fósforo jogado num material que já estava por si inflamável e que de qualquer forma se faria explodir em algum momento. São sinais disso o conflito entre Japão e Rússia por questões territoriais e disputas nesse sentido no Marrocos, anteriores à primeira guerra. Questões envolvendo nacionalidade e estado nação e domínio extraterritorial/colonial são o pano de fundo para a conformação das alianças. A Alemanha, unificada em 1871, preocupa a Inglaterra, até então soberana nos mares com sua esquadra marítima, com um assombroso crescimento germânico de forças navais – a aliança natural alemã seria com o Império Austro-Húngaro causando um fator de desiquilíbrio às forças incontestes da França e Inglaterra que se unificam.
O fato é que a vitória da Tríplice Entente (França, Inglaterra e Itália) seguiu-se à noção de que a grande responsável pela Guerra teria o dever de reparar e indenizar os vencedores diante do raciocínio de que a Alemanha fora a responsável (única responsável) pela guerra – uma ficção jurídica e fática já que de uma certa maneira acabaria sendo a única sobrevivente com o desmembramento do Império Austro Húngaro e o Fim do Império Otomano, ambos no fim da guerra por motivos semelhantes. Em fato inédito nas Relações Internacionais, a Alemanha sequer foi convidada a participar das negociações de Paz – Clemenceu, Wilson e George tinham muitas divergências entre si e não queria expô-la aos alemães de maneira que concluíram o Tratado de Versalhes e enviaram-no à Alemanha sob condição de pequenas modificações para ratificação.
Mas pode-se falar a título de conclusão que houve um fracasso relativo do Tratado de Versalhes. Ele sequer foi ratificado pelo senado norte americano. Da previsão milionária de indenização prevista a ser paga pela Alemanha em alguns anos, apenas uma fração foi adimplida. Certamente houve um prejuízo territorial aos alemães, especialmente com a devolução de Alsácia Lorena aos Franceses. De outro lado há aspectos positivos do Tratado, especialmente no que se refere à introdução da ideia de estabilização entre as Nações, ainda que aqui, como sabemos, se trate de um conceito jurídico, formal, que pode ser derrubado diante dos interesses mais prementes das crises capitalistas.
“A Conferência de Paz realizou, de início, um enorme trabalho ao reconstruir literalmente a Europa e ao aplicar – com resultados variados – os novos princípios do direito dos povos à autodeterminação; ela lançou as bases do futuro ao tentar criar um organismo cujo objetivo era estabilizar as relações entre os Estados e as Nações.
O que a Conferência de Paz não podia fazer era apagar os sentimentos originados desse pavoroso conflito, apagar a convicção dos vencedores na responsabilidade dos seus adversários no drama que acabara de acontecer e na necessidade moral em estabelecer sanções e reparações decorrentes dessas responsabilidades. Não podia também apagar a convicção do povo alemão de derrotado, assim como de que as sanções a ele infligidas – condenação moral, território dividido ao meio, reparações em montante excessivo – eram profundamente injustas e inaceitáveis”.
Jean-Jacques Becker é professor emérito de História Contemporânea da Univeridade de Paris X Nanterre e autor de várias obras sobre a Grande Guerra.
Imagem: LLoyd George (Inglaterra), Orlando (Itália), Clemenceau (França) e Wilson (EUA)
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