segunda-feira, 16 de maio de 2016

“Evolução Política do Brasil e Outros Estudos” – Caio Prado Júnior

“Evolução Política do Brasil e Outros Estudos” – Caio Prado Júnior 



Resenha Livro - 222- “Evolução Política do Brasil e Outros Estudos” – Caio Prado Júnior -  Ed. Companha das Letras 

Costuma-se dizer que o pai da história ou o fundador desta disciplina foi o grego Heródoto que no século V a.C redigiu uma história das invasões persas na Grécia divididas em 9 volumes. Mesmo antes e depois de Heródoto, muitos foram os cronistas que testemunharam e deixaram sob a forma de documentos históricos valiosas fontes primárias acerca da conjuntura que observaram ou anotaram as reminiscências orais de uma memória que se pôde resguardar em documentos. 

Entretanto, a ideia de Heródoto como o pai da história é só parcialmente verdadeira. A História enquanto uma disciplina autônoma, com suas próprias formas metodológicas, pensada enquanto um campo científico particular, um ofício propriamente dito, é um fenômeno muito mais recente, expressão de fins do século XIX, quando nasce também a sociologia e outras disciplinas do gênero das Ciências Humanas. Pode-se dizer que seu fundador é o alemão Leopold Von Ranke que está inserido dentro do pensamento positivista, tão marcante naquele período e que influenciará decisivamente a metodologia da história dentro de seus primeiros momentos de desenvolvimento. “Die geschichte wie es eigentlich gewesen hat” ou “a história como ela de fato aconteceu”, pontuaria Von Ranke, e aqui a orientação positivista teria como norma retratar o passado se servindo sempre dos documentos oficiais, prioritariamente de fontes oficiosas, bem como dos grandes eventos, dentro de uma expectativa de neutralidade diante do passado. Estamos diante de uma história portanto baseada no inventário de datas e grandes fatos políticos supostamente  baseado numa neutralidade por parte do historiador. Quando Caio Prado Júnior escreveu e publicou sua primeira edição de “Evolução Política do Brasil” este modelo de história positivista ainda era dominante, ao ponto do historiador brasileiro, que inaugurava uma nova historiografia com seu livro, iniciar seu trabalho dizendo não se tratar de um livro de “História do Brasil” mas um ensaio.

Uma segunda questão preliminar importante. Como se sabe, o Brasil foi um país em que o Estado nacional que exsurge com a Independência decorre de conflitos entre o partido brasileiro (grandes proprietários de terras, a elite tradicional), setores democráticos médios e estrangeiros na sua maioria portugueses favoráveis a restauração. Não havia todavia uma unidade nacional, mas um divisão de interesses muito perceptível: as províncias do norte por exemplo foram muito pouco receptivas à independência, havendo resistência com armas, diante de sua maior proximidade com a corte – diferenças do mesmo tipo pode-se falar de Pernambuco e Bahia. A divisão do país em províncias, que remete ao período colonial é uma realidade que perpassa a independência e todo o séc. XIX. Em outras palavras, enquanto na Europa, o sentimento de união e os laços de solidariedade que conformam a nação são anteriores à conformação dos estados nacionais (ver especialmente a Alemanha com sua unificação em 1871), no Brasil ocorre o inverso, com a conformação do estado nacional estando ausente o sentimento de Nação. Será nos anos 1930 com os modernistas que recairá de certa forma esta tarefa de buscar uma identidade nacional. Se no plano das artes, desde a semana de 1922, a questão nacional esteve presente, nas ciências sociais, Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freire mais ou menos no mesmo período também terão cogitações semelhantes: a busca pela identidade nacional envolve o olhar para o nosso passado colonial e cada um destes autores irá, a sua maneira, avançar nas análises do nosso passado. 

"Evolução Política do Brasil” é um estudo sobre a revolução da independência política do Brasil. O Ensaio divide nosso processo histórico em dois momentos decisivos – da descoberta e particularmente a partir de 1530 quando os portugueses efetivamente passam a se ocupar da atividade colonial diante dos riscos de se perder esta vasta porção de terras até então inexploradas para outras nações, daquele período inicial do extrativismo vegetal e da concessão das capitanias hereditárias até 1808, com a vinda de D. João VI e sua corte em fuga de Napoleão, fato político decisivo que colocaria em marcha a Independência com o fim do regime do pacto colonial (exclusividade de comércio com Portugal e abertura dos portos às nações amigas), elevação do Brasil a Reino Unido de Portugal, transferência administrativa de toda coroa portuguesa para o Brasil e as transformações daí decorrentes com a fundação do Banco do Brasil e Casa da Moeda, cancelamento de lei que proibia estabelecimento de indústrias no Brasil, entre outros. 

Como dizíamos, a interpretação original deste livro reside no fato de sair de uma exposição sumária de fatos, datas e grandes eventos e buscar fazer uma interpretação crítica da evolução política do Brasil. Nesse sentido, o historiador se volta para análises da economia, sociedade e instituições políticas do Brasil colonial e suas transformações decorrentes dos choques de partidos diante das agitações políticas particularmente importantes com a independência e no período regencial. 

Uma leitura marxista da independência é possível de ser destacada: 

“Já vimos como a emancipação política do Brasil resultou do desenvolvimento econômico do país, incompatível com o regime de colônia que o peava e que por conseguinte, sob sua pressão, tinha de ceder. Em outras palavras, é a superestrutura política do Brasil Colônia que, já não correspondendo ao estado das forças produtivas e à infraestrutura econômica do país, se rompe, para dar lugar a outras formas mais adequadas às novas condições econômicas e capazes de conter a sua evolução. A repercussão desse fato no terreno político – a revolução da Independência – não é mais que o termo final do processo de diferenciação de interesses nacionais, ligados ao desenvolvimento econômico do país, e por isso mesmo distintos dos da metrópole e contrários a eles.”

Em 1953, as edições posteriores do livro passaram a contar com “Outros Estudos” com ensaios, palestras e prefácios de temas de geografia e história. Há estudos sobre o fator geográfico no desenvolvimento de São Paulo onde se observa como é justamente o aspecto espacial acima de tudo, diante da posição de rios e do relevo das serras, a origem remota da ocupação do território paulista; estudos sobre as fronteiras meridionais do Brasil, com algumas reflexões sobre os limites de fronteira do nosso território ao sul diante da histórica busca da prata no Peru; estudos sobre a imigração em que desde os anos 1940 Caio Prado Júnior já reivindica tanto a necessidade de uma Reforma Agrária quanto da conformação de cooperativas – ambos pendentes pelo poder público até hoje; e artigos mais históricos, como a publicação do periódico “Tamoio” em defesa do ministro José Bonifácio e a vida do aguerrido Cipriano Barata, um baiano formado em medicina em Coimbra que participou ativamente de inúmeras insurreições populares em Pernambuco e Bahia e passou anos a fio na prisão. 

Evolução Política do Brasil é um livro debutante de interpretação materialista da história do Brasil. Deve ser reivindicado e saudado como um ponto de partida da historiografia materialista do brasil, para além da história dos grandes eventos de Leopold Von Ranke.        

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