sábado, 4 de abril de 2015

“Lições sobre o Fascismo” – Palmiro Togliatti

“Lições sobre o Fascismo” – Palmiro Togliatti



Resenha Livro 163- “Lições sobre o Fascismo” – Palmiro Togliatti – Livraria Editora Ciências Humanas

O Fascismo foi um fenômeno político surgido em meados do século XX que encontrou maiores expressões típicas na Itália de Mussolini, na Alemanha nazista de Hitler, bem como em experiências talvez menos lembradas como na Bulgária de Alexander Tsankov (1923-19134), na Espanha de Franco, na Hungria com o partido da Cruz Fechada e no Salazarismo português.

São em linhas gerais regimes autoritários de direita, ultra-nacionalistas, que se servem do personalismo político e do terror para perseguição dos seus adversários.

A definição dada por Stálin na XIII Assembleia Plenária da Internacional Comunista e sancionada por Dimitrov no VII Congresso da III Internacional serve como ponto de partida para análise do fascismo italiano em Palmiro Togliatti: “O fascismo é uma ditadura terrorista aberta dos elementos mais reacionários, mais chauvinistas, mais imperialistas do capital financeiro”.

Seria portanto uma expressão política (não necessária)  do capitalismo em sua fase imperialista. Afinal, há países como a Inglaterra e França que foram profundamente imperialistas e que formalmente mantêm um regime liberal-republicano.  A resultante fascista resulta de algumas variáveis, dentre as quais a mais importante é a correlação entre as classes sociais: o fascismo corresponde a um instrumento da burguesia contra a classe operária num momento de crise revolucionária, conforme prelecionam os fatos italianos.

Estas “Lições Sobre o Fascismo” são o resultado de um curso dado por P. Togliatti para 50 exilados italianos na URSS no ano de 1935. Ou seja, trata-se de uma série de palestras sobre um fenômeno encarado por um contemporâneo, um dirigente do Partido Comunista Italiano que busca esmiuçar todas as características daquele novo movimento político (o que era o partido fascista, o fascismo e a questão sindical, a questão do corporativismo, a questão da propaganda e as associações recreativas fascistas) sempre tendo como norte não só explicar os fenômenos mas apontar qual deveria ser a política (na maior parte do caso na ilegalidade ) para os comunistas, naquele contexto.

Deste modo, as lições abarcam o período que vai do surgimento do “Fasci di Combattimento”, espécie de milícias fundadas por Mussolini em 1919, quando estes grupos já perseguiam nas ruas de Milão com violência opositores de esquerda, se servindo de ideais nacionalistas e do mal estar decorrente da crise do pós I Guerra Mundial, passando pela eleição de 1921, a eleição de 30 deputados daquele movimento, 1922 com a Marcha sobre Roma com o afluxo de milhares de fascistas sobre a capital da cidade e a nomeação de Mussolini como primeiro ministro.

Já nas eleições de 1924 feita sob um parlamento inteiramente submetido ao controle fascista são eleitos 213 deputados, e paulatinamente o regime vai se convertendo num bloco totalitário e monolítico, com a expulsão, perseguição ou incorporação de todas as outras forças políticas (católicos, liberais, reformistas, além é claro dos comunistas) até a ditadura fascista propriamente dita.

Um dado interessante é que se num primeiro momento o fascismo se aparenta muito mais a um movimento da pequeno-burguesia com uma retórica até socialista/popular, cada vez mais ele vai se consolidando como o partido unificado da burguesia:

 “A burguesia italiana tem no Partido Fascista uma organização de tipo novo, capaz de exercer a ditadura aberta sobre as classes trabalhadoras. Além disso, através de toda uma série de outros organismos e de vínculos, o Partido Fascista torna-se a organização que dá a burguesia italiana a possibilidade de exercer a todo o momento, uma pressão armada sobre as massas trabalhadoras. Com efeito, o Partido Fascista criou a seu lado uma milícia que também sofreu transformações, mas que, apesar de tudo, conservou o caráter de organização armada de partido (...) Através dela (milícia) o partido controla amplas massas. A milícia é uma das bases principais da força da ditadura”. 

Entrementes, o curioso é que no campo, ainda que a política fascista cada vez mais beneficie os mais ricos proprietários em detrimentos dos pequenos e médios camponeses – e a política fiscal do trigo trazida a luz por Togliatti é bastante clara  nesse sentido – observa-se também como além dos grandes capitalistas arrendatários serem os principais apoiadores dos fascistas, aquele país ainda com alguns resquícios de feudalismo no campo teria em seus setores sociais mais atrasados bases de apoio ao fascismo, desta vez por motivos de ordem ideológica. Um sinal inconfundível de que o fascismo no plano ideológico sempre expressa o que há de mais reacionário e atrasado na sociedade:

“O fascismo alterou alguma coisa? Sim. Alterou alguma coisa no sentido de que tornou muito mais sólidas, mas fortes as posições da indústria na Itália em comparação com as da agricultura, a economia as posições do capital financeiro. Com isso desapareceram talvez os resíduos feudais? É uma pesquisa que nosso partido ainda não fez. Nosso partido ainda não fez, por exemplo, uma pesquisa sobre os resíduos feudais na Sicília, onde eles são notoriamente mais fortes que em outras partes. Mas podemos dizer que , onde justamente esses resíduos feudais existem, o fascismo não os destruiu, porque é justamente sobre essa camada que o fascismo se apoia, por exemplo na Sicília”.    

Em síntese, o que o estudo de um contemporâneo como Togliatti nos mostra acerca do Fascismo é que toda esta escalada de poder pelos fascistas não foi resultado de um plano premeditado ou uma evolução necessária decorrente da ausência de forças que contivessem o plano original e irrefreável dos fascistas. Tratou-se muito mais de um processo de vai-e-vens com importantes mudanças dentro da própria composição interna no movimento fascista – basta lembrar os centuriões, os arditis e os grupos oficiais, os fascistas de 1ª geração que tinham e foram afastados do poder já nos anos 1920, tidos como idealistas. E o movimento político altera sua composição de classe também, de um movimento pequeno burguês com apelo popular para um movimento burguês de terror contra as massas. De um movimento que se apoia no médio e pequeno proprietário rural a um movimento que se apoio nos bancos, arrendatários e latifundiários para modernizar a agricultura.  Ademais, fora um movimento a todo instante eivado de contradições, que passou por crises econômicas (1930) e arrochos salariais – e teve seu fim com a degolação em praça pública de Mussolini após a II Guerra, um fato dramático que pode ser pressentido pelas inúmeras contradições internas do fascismo apontadas pelo curso de P. Togliatti.

Um debate que deve ser feito finalmente é sobre a universalidade do fenômeno fascista. É possível  usar este conceito para outras experiências históricas, em que medida e até que ponto?

Reivindicando o conceito stalinista segundo o qual “O fascismo é uma ditadura terrorista aberta dos elementos mais reacionários, mais chauvinistas, mais imperialistas do capital financeiro” pensamos ser sim possível não só observar a reiteração deste fenômeno ao longo do século XX, mas a possibilidade da atual etapa história engendrar novos regimes fascistas, que devem ser analisados em sua realidade concreta e dentro de suas especificidades. O fascismo significa a situação de maior adversidade para a existência e condições de luta da classe trabalhadora e o debate sobre o tema deve avançar. Isto não nos autoriza a atual prática despolitizadora de imputar a todo e qualquer adversário de esquerda o rótulo de fascista, prática comum da esquerda pequeno burguesa de classe média (universitária) que em suas infindáveis discussões sem finalidade e relevância sobre gênero, raça, orientação sxual e opressões afins imputam a todos que pensam de forma diferente o termo "fascista". Confundir o uso do termo fascista e diluir o conceito só favorece os verdadeiros adversários mais radicais e perigosos da esquerda marxista leninista.

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