sábado, 25 de abril de 2015

“Sindicalismo e Privatizações das Telecomunicações” – Sávio Cavalcante

“Sindicalismo e Privatizações das Telecomunicações” – Sávio Cavalcante



Resenha Livro 168- “Sindicalismo e Privatizações das Telecomunicações” – Sávio Cavalcante – Ed. Expressão Popular – Apoio SinTPq e Fittel.  

Dentro da tradição marxista há mais de um entendimento para o conceito de “ideologia”. Falamos aqui de ideologia no sentido de “falsa consciência”. Ou mais especificamente no momento em que a classe dominante generaliza o conjunto do seus interesses de classes em ideias como se o fossem de toda a sociedade, sempre de uma forma mais ou menos oculta, ou “naturalizada” pelos indivíduos. 

Um bom exemplo da ideologia enquanto falsa consciência são os chamados “sensos comuns” que reiteradamente reforçam ideias reacionárias: “deus acuda quem cedo madruga” denota a ilusão no esforço individual frente à uma sociedade centrada na acumulação de capital, altamente excludente, cingida em classes e estruturalmente desigual. Seria possível pelo esforço individual um estudante pobre da periferia de São Paulo se tornar um médico formado pela USP? 

Pois o fenômeno da ideologia perpassa o discurso engendrado durante o fenômeno de privatizações das empresas estatais no Brasil, já a partir do governo Fernando Collor com seu Programa Nacional de Desestatização, mas não viabilizado com a crise política e o Impeachment, e efetivamente levado a cabo nos dois governos FHC. Esta publicação da Expressão Popular corresponde a uma defesa de mestrado defendida no IFCH-UNICAMP sob a orientação do professor Ricardo Antunes, tendo como tema a privatização das telecomunicações no Brasil, a reação e mobilização do movimento sindical, os resultados das medidas privatizantes para as categorias dos trabalhadores, lançando mão de uma reflexão mais profunda sobre neoliberalismo, seus efeitos no mundo do trabalho em países como o Brasil, a crise dos sindicatos e a introdução de empresas estrangeiros no país com as mudanças na morfologia do trabalho e aumentos da subcontratação. 

Em suma o que há hoje é a força de um certo discurso de que o exemplo da privatização das empresas do ramo de telecomunicação teria provado o pleno êxito de se vender as estatais, diante da ineficiência de seus serviços, dos altos preços das tarifas cobradas e principalmente do atraso tecnológico do setor. Todavia, o olhar mais apurado do pesquisador vai demonstrar que a realidade, vista de perto, é distante do discurso predominante na mídia e na boca dos políticos do então governista PSDB e PFL (hoje DEM). Antes, algumas considerações sobre a privatização em si. 

No dia 26.02.1995 foi enviada ao Congresso Nacional uma proposta de emenda constitucional (nº03/05) que previa o término do monopólio estatal na área de telecomunicações. Em setembro do mesmo ano o Senado aprova a emenda, que alterando o inciso XI do art. 21 da Constituição Federal de 1988 quebrou definitivamente o poder monopólico da Telebrás. Os únicos partidos que fizeram oposição parlamentar ao projeto foram PT, PCdoB e PDT. A CUT também se posicionou contra, pressionou, agitou manifestações, em que pese análises de que a direção (ligada à Articulação/CUT) foi moderada em sua mobilização; a Força Sindical apoiu e chamou manifestações de rua à favor das privatizações. 

O que é interessante pontuar é que ao contrário de hoje as privatizações tinham uma maior popularidade. O que aconteceu é que foi feita uma ampla campanha midiática de caráter ideológico à favor da privatização diante de um contexto de ofensiva neoliberal em nível mundial, poucos anos após a derrota da URSS. Falava-se na eficiência da economia de mercado frente ao burocratismo ou mesmo aos “privilégios” dos funcionários das estatais, contaminando a opinião pública e criando um clima que potencialmente dividia os trabalhadores. Assim se refere o autor:

“A análise de Boito J. vem ao encontro da situação aqui analisada, qual seja, o fato de que o neoliberalismo ‘confisca’ uma revolta popular instintiva e difusa ‘contra a cidadania restrita e hierarquizada e contra o estado clientelista’, ao colocá-la num novo formato que sustenta a política de reformas do Estado e regressão da própria cidadania e dos serviços públicos e sociais”. 

Cabe notar que a opinião pública sobre as privatizações tomadas em seu conjunto mudaram. Talvez com exceção justamente das teles, o povo e os trabalhadores brasileiro bem perceberam o engodo dos discursos do governo e da mídia. A privatização não gerou melhoria na prestação de serviços, nem serviços mais baratos, nem a qualidade de vida mudou significativamente antes e depois da privatização, muito pelo contrário – e por isso se constata que o assunto é evitado por políticos burgueses do turno e da oposição de direita nas eleições. 

No caso das teles, fala-se muito da ampliação dos serviços e das novas tecnologias. Mas pouco se fala sobre a concentração do acesso aos usuários com condições de pagar. Assim coloca Sávio Cavalcante: 

“Como já mencionamos o Sistema Telebras (antigo modelo estatal)  fazia uso dos subsídios para auxiliar as camadas mais pobres e regiões do país com menores recursos, de modo que sobretaxava serviços utilizados em maior escala pelos grandes usuários repassando essa parcela adicional à telefonia local, mais popular, que assim, se tornava menos cara. Ocorre que a crescente mercantilização das telecomunicações passou a ver o subsídio cruzado como grande vilão do modelo estatal (...)”

O modelo contraposto no pouco debate aberto pelo governo aos movimentos populares para à quebra do monopólio da Petrobrás se refere à um modelo de empresa 100% pública. No caso específico do Sindicato dos Trabalhadores em Pesquisa Ciência e Tecnologia de São Paulo, ligado à CUT e mais proximamente acompanhado pelo pesquisador, trata-se de um modelo inteiramente estatal, com ênfase para o investimento em pesquisa tecnológica nacional em telecomunicação por meio CPqD, centro de pesquisa localizado em Campinas que, com a privalização e mudança do regime jurídico do setor, perdeu hoje sua finalidade original.

Mas certamente, os mais prejudicados pelas privatizações das telecomunicações foram os trabalhadores. Os números apresentados pelo pesquisador relacionando as privatizações e as reengenharias produtivas envolvendo demissões, contratações precarizantes (exemplo de demissão e re-contratação como estagiários) e especialmente subcontratação (terceirização) além do fechamento dos postos de trabalho, tudo isso sinaliza um momento político de defensiva dos sindicatos, dificuldade de mobilização contras as privatizações tendo em vista especialmente a alta do desemprego. 

“Com relação à remuneração, Uchima (2005, P. 50) avalia que o fim da política salarial teve como consequência a compressão dos salários e, aliado à redução ou mesmo extinção de benefícios, conclui que “a renda do trabalhador sobre uma significativa queda ao longo dos anos na Telefônica”, tendência que não é compensada pelos ganhos vindos do PLR (Participação nos Lucros e Resultados). S Oliveira (2004. P. 362) ressalta igualmente a ampliação das dificuldades para reposição de perdas salariais” com propostas de reajuste abaixo da inflação, alem de formas variadas de diferenciação por faixas salariais”. 

A questão das comunicações no Brasil surge-nos decididamente como um campo em que meras reformas jurídicas ou administrativas não terão o condão de reverter o grave déficit de falta de democracia e participação popular e dos trabalhadores desde a direção ao controle das empresas e dos órgãos de decisão do setor. Mas mesmo um sistema 100% estatal, como previa a Constituição de 1988, não basta. Há de ser um sistema estatal e público voltado a atender os interesses da sociedade, utilizando o critério do interesse público seja repartição dos canais de televisão, seja no desenvolvimento de tecnologias de telecomunicações. Certamente, só com mobilização e povo na rua será possível derrotar os cartéis que envolvem políticos e empresários da mídia que hoje monopolizam o setor.     

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