segunda-feira, 20 de abril de 2015

“O Sentido do Tenentismo” – Virginio Santa Rosa

“O Sentido do Tenentismo” – Virginio Santa Rosa 



Resenha Livro 167- “O Sentido do Tenentismo” – Virginio Santa Rosa – Editora Alfa Omega

Uma questão que ainda hoje suscita discussões dentre os historiadores trata das reais possibilidades de se fazer uma história do “período presente”: seria possível lançar um olhar sobre a conjuntura desde o ponto de vista e utilizando dos pressupostos teórico metodológicos do historiador, para analisar e interpretar a história presente, sem contar portanto com certa noção de perspectiva que favoreceria o olhar do historiador? 

Afinal, tal percepção em perspectiva teria como vantagem o entendimento dos rumos, dos resultados finais a que a história a ser analisada redundou. Em outros termos, um historiador em 2015, ao analisar a política das forças de esquerda antes do golpe militar de 1964, já teria noção de que a tática e a estratégia (ou a falta delas) teria levado o conjunto da esquerda a uma dura derrota conquanto um historiador contemporâneo sem tal noção estaria suscetível a um campo muito maior de respostas e interpretações. 

Este foi o questionamento com que Nelson Werneck Sodré iniciou o prefácio deste belo e singular estudo sobre o movimento tenentista no Brasil, desde que o ensaio foi escrito no ano de 1933, momento em que o tenentismo encontrava-se ainda atuante. Via de regra, as histórias escritas ao calor dos acontecimentos acabam redundando em análises superficiais, baseadas na descrição de eventos e personalidades, escritos meramente biográficos, redundando em fontes primárias muito mais descritivas do que interpretativas que buscam delinear os sentidos dos fatos. O pioneirismo do livro de Santa Rosa é que, mesmo escrito no calor dos acontecimentos, seu ensaio é uma analise interpretativa do tenentismo que busca explicar o fenômeno desde as suas origens mais essenciais, qual seja, as transformações e as lutas de classes no contexto das mudanças por que o Brasil passa entre a República Velha e a Revolução de 1930. Nesse sentido, Santa Rosa apenas consegue suprir a falta de perspectiva no tempo pelo seu método materialista e dialético que irá sempre extrair as explicações dos acontecimentos e da transformações da história dentro da luta dentre as duas principais frações de classes no período: a pequeno burguesia e as classes médias da cidade, da qual os tenentes são base de apoio, e os velhos detentores de poder, os latifundiários e as oligarquias regionais, com destaque para as elites de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. 

O tenentismo surgiu na década de 1920 como um movimento político-militar ligado aos oficiais de baixa patente tendo como principal bandeira a moralização da vida política brasileira e a inclusão/participação de maiores setores sociais nas decisões da vida política do país: propugnavam o fim do voto do cabresto, o voto secreto e reformas educacionais. 
Posteriormente, avançaram no sentido de também pautar reformas sociais no Brasil: 

“O Programa de reformas sociais do tenentismo embora ainda em fase inteiramente primitiva, inclinava-se a uma aliança mais estreita com a pequena burguesia brasileira. E, nesse sentido, adotava uma orientação de cunho social-democrata. Programa de classe média, igualmente longe de extremos burgueses e proletários. Um capitalismo moderado, pequeno burguês – o individualismo democrático recheado com organizações sindicais, cooperativas de produção e consumo, lei de salário mínimo, legislação sobre horas de trabalho, regularização do trabalho de mulheres e menores etc.”.  (Pg. 81)

Todavia, para além de uma definição acerca de suas bandeiras de luta, o entendimento do fenômeno do tenentismo exige circunscrevê-lo dentro de sua natureza de classe. Basicamente fora um movimento da pequena burguesia ou de classe média observando desde já que naquele período as classes médias no Brasil em sua intervenção política desempenhavam um papel bastante progressivo. 

Como visto, as lutas por melhores condições de trabalho, sindicalização, etc. eram encampadas por este setor enquanto o proletariado e suas organizações (década de 1920-30) ainda davam seus primeiros passos de organização. Isso se dá porque a luta de classes naquele contexto referia-se à ascensão (progressista) da burguesia nacional contra o domínio absoluto da classe latifundiária que dominava o Brasil pelo menos desde os primeiros anos da era colonial. E aqui quem explica é Nelson Werneck Sodré no seu prefácio: 

“A essência do movimento tenentista consistiu no seu papel ligado ao processo de ascensão da burguesia brasileira, em luta contra o absoluto domínio exercido pela classe latifundiária. Tal luta, na área política,  iniciou-se com a própria República. A ascensão burguesa sofreu uma derrota, entretanto, com a imposição da chamada “política dos governadores”, iniciada por Campos Sales, e complementando necessariamente a política econômica e financeira defendida por Joaquim Murtinho. Era o pleno domínio das oligarquias, que se refletiu, de forma ostensiva, no problema da representação, relegando os atos eleitorais a simples farsas, em que o latifúndio escolhia e impunha os seus representantes, vedando às demais classes e camadas sociais brasileiras, o direito à representação”. (pg. 17)

Por outro lado, o crescimento da pequena burguesia e a lutas travadas pelos tenentes em 1922 (Revolta do Forte de Copacabana), 1924 (Revolta Paulista comandada pelo tenente Isidoro Dias Lopes) e 1925 (Coluna Prestes) já sinalizavam de certa forma a ameaça do predomínio das velhas oligarquias dos grandes proprietários de terra, em que pese todos estes levantes terem sido derrotados. O golpe final viria com a Revolução de 1930 da qual os tenentes seriam um dos apoiadores, culminando numa nova correlação de forças políticas. 

A Revolução Constitucionalista de 1932 viria a servir como um esforço de revanche das elites alijadas do poder e posteriormente concessões tiveram de ter sido feitas. Como dito, o ensaio foi redigido em 1933, ainda num momento em aberto dentro do governo Getúlio Vargas. 

O autor, se por um lado, é capaz de apresentar chaves explicativas para as turbulências políticas que envolvem a ascensão da burguesia e da pequeno-burguesia no Brasil dos primeiros anos do séc. XX e das lutas de classes daí decorrentes, parece não considerar as demais classes, de todo resto igualmente olvidadas pelas elites dominantes da época: as incipientes classes laboriosas dos centros urbanos e as massas de trabalhadores rurais dependentes dos grandes latifundiários no campo. Na verdade, neste último caso, para fazer jus ao autor, Santa Rosa diagnostica o problema do latifúndio como um ponto decisivo para o nosso atraso, seja pelo desperdício de terras e braços, pela miséria do campo, seja em especial pelo domínio político imposto pelos coronéis que obrigam os agregados a votarem em seus candidatos. O que não deixa de ser uma tragédia é que um livro escrito em 1933 propugna uma bandeira ainda atual em ... 2015, a realização da reforma agrária. 

De qualquer forma, este ensaio sobre o tenentismo tem a vantagem de não se resumir a um mero relato com datas e eventos, mas oferecer chaves explicativas que dão ao leitor caminhos interpretativos para compreender o fenômeno dos tenentes e as lutas de classes que perpassam o período histórico. Tratou-se de um movimento político-militar que se expressou em alguns momentos em caráter revolucionário (1922, 1924, 1925, 1930), progressista naquele período histórico e que desafia nossa compreensão neste momento em que, numa conjuntura radicalmente distinta, nossa burguesia e pequena burguesia, desde as manifestações pelo golpe contra o PT estão politicamente ao lado da reação.  

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