“Teoria da Organização Política – IV” – (ORG.) Ademar Bogo
Resenha Livro 166– “Teoria da Organização Política – IV – Escritos de Gramsci, Ernesto Guevara, Florestan Fernandes, F. Engels, K. Marx, Mao Tse Tung, V. Lênin e Vo Nguyen Giap – Org. Ademar Bogo – Ed. Expressão Popular
“Quando nossos olhos se afiguram insuficientes, é necessário recorrer ao binóculo e ao microscópio. O método marxista é, ao mesmo tempo, um binóculo e um microscópio quer no plano político, quer no plano militar” Mao Tse Tung
Este quarto volume de “Teoria da Organização Política” tem como tema os conceitos de tática e estratégia, duas referências teóricas que foram apropriadas pela teoria da organização política a partir da lógica militar: não seria portanto de se estranhar que boa parte dos trechos selecionados tivesse como autores personagens que efetivamente participaram diretamente de guerras de guerrilhas/revoluções e em momentos oportunos estabeleceram no plano teórico as interfaces entre as ciências políticas e militares, o que de resto fica evidenciado particularmente nos textos de Che, de Giap (Luta anticolonialista vietnamita), Lênin e Mao.
Alguns denominadores comuns podem ser extraídos da leitora destes autores, em que pese os distintos contextos históricos em que foram redigidos bem como recortes temáticos de cada intervenção. Tanto a experiência cubana quanto a experiência vietnamita revitalizam a tática da luta de guerrilhas, colocando como condição para sua vitória o apoio popular e especialmente a adesão da população decorrente de um trabalho de conscientização política.
Segundo Giap, este seria um elemento que diferenciaria o exercito popular dos exércitos invasores, um elemento moral que garantiria a vitória diante de um inimigo imperialista maior em número e equipamentos bélicos: a heroica vitória de Dien Bien Phu é um exemplo que vale a pena ser conhecido por todos os comunistas ainda hoje, como uma referência de luta tenaz e que pôs abaixo a dominação imperialista, tal qual a revolução cubana de 1959. Dien Phu foi uma ofensiva de 55 dias em 1954 pelo exército popular vietnamita culminando na expulsão do imperialismo francês daquela fortificação; outros lances heroicos tomariam lugar naquele contexto como em 30 de Janeiro de 1968 quando uma ofensiva dirigida por Giap deslocou uma luta militar do interior do país para os grandes centros urbanos, resultando na tomada da embaixada norte-americana em Saigon e atacando simultaneamente 36 cidades. A guerra revolucionária duraria enfim 20 anos até 2 de Julho de 1976 alcançando a instalação da República Socialista do Vietnã, com a unificação do país.
Dentre os ensinamentos da revolução no Vietnã há a questão da consciência política como parte do fortalecimento da moral militar. Assim preleciona Giap:
“Esse heroísmo e essa resistência foram forjados ao longo de muitos anos de luta. Durante o outono de 1953-1954 em particular, os cursos políticos sobre a mobilização das massas sobre a reforma agrária tinham duplicado o ardor revolucionário do nosso exército. Não saberíamos sublinhar o papel considerável dessa política agrária nas vitórias do inverno e da primavera, notadamente em Dien Bien Phu. No front de Dien Bien Phu, durante o período de preparação, o nosso exército, pela pujança de seu trabalho criador, abriu ele mesmo a rota de abastecimento de Tuan Giao à Dien Bien Phu, e abriu outras rotas para levar a artilharia sobre o campo de batalha, através das montanhas e das florestas, providenciou abrigos para nossas baterias, cavou trincheiras que começavam nos lugares mais altos para descer até os vales, alterou a configuração natural dos terreno, nivelou enormes obstáculos e criou todas as condições favoráveis à destruição do inimigo”.
Mao Tse Tung em seu “A Defensiva Estratégica” comenta também a superioridade moral dos exércitos de libertação nacional frente aos imperialistas o que corroborava no plano militar para uma tática de guerra de longa duração. Em geral o Exército Vermelho deve sempre procurar o apoio da população civil o que nas condições de uma luta contra um invasor estrangeiro favorecia a percepção da justeza da causa revolucionária. Diz Mao:
“O Caráter prolongado da guerra explica-se pelo fato de as forças da reação serem possantes, enquanto que as da revolução só crescem gradualmente. Aqui, a impaciência é prejudicial, como é errado exigir uma “decisão rápida”.
Che Guevara também aborda o problema da guerra de guerrilha desde suas experiências pessoais buscando extrair algumas lições teóricas e práticas. No texto “Guerra de Guerrilha: um método”, pontua que a guerrilha é apenas um meio de luta possível cujo fim é a tomada do poder político.
Partindo da vitoriosa Revolução Cubana, Che aponta 3 contribuições fundamentais daquela luta para os movimentos revolucionários latino-americanos: (i) as forças populares podem ganhar uma guerra contra o exército; (ii) nem sempre é preciso esperar que estejam dadas todas as condições para a revolução, o foco insurrecional pode cria-las (teoria do foquismo); (iii) na América subdesenvolvida o terreno da luta armada deve ser fundamentalmente o campo.
Dois problemas importantes podem ser extraídos desde uma leitura a posteriori das premissas elencadas por Che. No ponto nº 2, a teoria do foquismo revelou-se um fracasso, ao menos no Brasil, onde a falta de condições objetivas para um levante revolucionária não puderam ser supridas por ações armadas de pequenos grupos de extrema esquerda atuando na cidade e no campo. Em certo sentido temos aqui uma reedição do terrorismo dos SR e dos populistas combatidos por Lênin que interviam politicamente sem lastrear suas ações dentro do movimento de massas. Não é possível criar um foco insurrecional deslocado da dinâmica objetiva da luta de classes: o partido operário deve estar à frente da classe revolucionária nos momentos de crise revolucionária, organizá-la e dirigi-la rumo à vitória.
No ponto nº 3 existia igualmente uma análise parcial e errônea da realidade do campo. De acordo com a Segunda Declaração de Havana:
“Em nossos países (da América Latina), juntam-se as circunstâncias de uma indústria subdesenvolvida com um regime agrário de caráter feudal”.
Ora conforme bem pontuou Caio Prado Jr. de forma pioneira, não havia no Brasil Colonial e muito menos no Brasil de meados do séc. XX relações feudais no campo – o sentido de nossa colonização está relacionado a um projeto agro-exportador dependente de modo que as classes oprimidas do campo não equivalem aos “camponeses da gleba” mas antes a trabalhadores precarizados em busca de direitos sociais (e não propriamente em busca de “terra”). Este erro de apreciação igualmente levaria a setores de esquerda a ações políticas inócuas, da qual a mais importante seria a Guerrilha do Araguaia.
Por outro lado, Che Guevara reconhece de forma pioneira que a revolução na América Latina deve ser dirigida pelos trabalhadores, não se podendo confiar a luta na vacilante burguesia nacional, um erro cujos fins dramáticos culminaram na derrota de João Goulart e no golpe de 1964. Vejamos:
“Nas atuais condições históricas da América Latina, a burguesia nacional não pode dirigir a luta antifeudal e anti-imperialista. A experiência demonstra que em nossas nações essa classe, mesmo quando seus interesses são contraditórios com os do imperialismo ianque, é incapaz de enfrenta-lo, paralisada pelo medo da revolução social e assustada pelo clamor das massas exploradas”.
Ainda haveria muitos destaques a serem feitos desde as análises de autores deste volume, como Lênin, Gramsci, Marx, Engels e Florestan. Deixamos esta tarefa aos leitores. A oportunidade do estudo da Teoria da Organização Política neste momento é decisiva: estas reflexões vão nos dando aportes para pensar e agir num contexto de radicalização da luta de classes. Nestes momentos de polarização política, as ilusões democráticas se desfacelam, a violência assume um novo sentido distinto do senso comum e entendemos verdadeiramente porque a guerra é a realização da política por outros meios.
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