“História do Marxismo no Brasil – Os Influxos Teóricos (II) ” – João Quartim de Moraes (Org.)
Resenha Livro 165 - “História do Marxismo no Brasil – Os Influxos Teóricos (II) ” – João Quartim de Moraes (Org.) – Editora Unicamp
Tivemos acesso ao segundo volume desta “História do Marxismo no Brasil”, sob a organização de João Quartim de Moraes. O livro é resultado de seminários acadêmicos realizados em Teresópolis (Junho de 1988) e Serra Negra (1990). Este compêndio tem um interesse especial para uma área de pesquisa ainda pouco explorada no país: a história das ideias políticas no Brasil, aqui tendo como recorte o pensamento marxista. Os artigos versam sobre a recepção das ideias de Marx e dos marxismos ao longo da história, de modo a analisarmos como foi se dando a incorporação desta tradição política dentro da universidade, do movimento sindical, político partidário e no contexto das lutas sociais. Ademais, discute-se os momentos em que as ideias marxistas aqui no Brasil sofreram mutações ou saltos de qualidade decorrentes de fatores endógenos.
Ao todo são 6 artigos, que irão seguir a cronologia histórica, partindo dos primeiros influxos no final do século XIX, até a recepção e disseminação de influentes autores marxistas no país como Lukács ou Gramsci. No que tange aos supracitados fatores endógenos, temos na filosofia a contribuição acadêmica de José Arthur Giannotti, além de Caio Prado Júnior e Nelson Werneck Sodré.
O primeiro artigo do livro é de autoria de Cláudio Batalha e descreve os primeiros influxos de ideias socialistas no Brasil ainda no século XIX e início do XX, momento em que a dificuldade de acesso e difusão das obras, bem como o próprio pioneirismo das próprias ideias de Marx naquele momento resultavam num entendimento bastante precário e eclético da política, resultando em “socialistas” que misturavam ideias do cooperativismo, do positivismo e do iluminismo francês. É possível encontrar até autores de artigos que buscam interfaces entre o socialismo científico e o darwinismo.
À luz dos nossos conhecimentos atuais, dificilmente identificaríamos aqueles ativistas pioneiros como marxistas: são antes socialistas, em sua maioria reformistas, especificamente identificados com as teses da II Internacional e alguns poucos autores disponíveis como Ferdinand Lassalle (fundador do partido operário alemão) ou Benoir Malon. Todavia, o que o faz parte da tradição marxista é o fato de que pela primeira vez alguém propõe organizações operárias independentes. Também defendem a ação política e a organização dos trabalhadores, ainda que pela via eleitoral:
“Inicialmente a argumentação apresentada para justificar a necessidade do partido operário revela um certo oportunismo eleitoral. Não se tratar ainda da ideia de um “partido de classe” como instrumento de transformação, que efetivamente estaria presente no discurso socialista dos últimos anos da década de 1890 e, sobretudo, a partir dos primeiros anos do século seguinte. Nesse primeiro momento, os socialistas brasileiros parecem estar se referindo a simples siglas que deveriam possibilitar a eleição de “verdadeiros trabalhadores” para o poder legislativo”. (Pg. 15 BATALHA, Cláudio)
Há de se contextualizar a política daqueles primeiros socialistas: o Brasil recém saído da escravidão tinha a questão social ainda como uma “questão de polícia”, não havendo qualquer direito trabalhista ou de representação dos trabalhadores. Alguns destes ousados socialistas que apenas pediam participação política, naquele contexto, foram duramente perseguidos, como Luiz França e Silva, “o primeiro mártir do socialismo no país” segundo Estevam Estrella.
Trata-se sim de uma parcela da história do movimento socialista brasileiro pouco conhecida, desde que o mais comum é ouvirmos falar que com a vinda dos imigrantes italianos e alemães, houve exclusivamente anarquistas que em bloco teriam aderido ao comunismo entre 1917 (Revolução Russa) e 1922 (Fundação do Partido Comunista Brasileiro).
Quanto às bandeiras propugnadas pelos socialistas brasileiros entre 1890 e 1914, eram a expressão política mais avançada do que a teoria da negação da luta parlamentar anarquista: diminuição da jornada de trabalho, restrição ao trabalho feminino nas fábricas, proibição do trabalho infantil, reforma educacional, reforma eleitoral, etc..
Todavia, como dizíamos, estes primeiros socialistas não eram “marxistas” propriamente ditos. A rigor, o marxismo surge no Brasil com o corte leninista suscitado pela Revolução Russa, tendo como seus pioneiros os ex-anarquistas Astrojildo Pereira e Otávio Brandão. Pode-se dizer portanto que o marxismo fundou-se no Brasil através do leninismo, com um forte conteúdo crítico ao reformismo produzido pela social-democracia e ancorado na expectativa da ação revolucionária – o que redundaria entre outros fatores em leituras apressadas da realidade nacional que culminariam no fracassado levante comunista de 1935.
É de Otávio Brandão também a primeira tentativa de análise da realidade social brasileira a partir do método marxista com o seu “Agrarismo e Industrialismo”(1924). Infelizmente, uma certa esquerda acadêmica fez uma leitura anacrônica desta obra pioneira fazendo deboche da superficialidade inevitável na aplicação do método dialético de Brandão – ressentimos todavia pelo bem dos estudos da história das ideias políticas brasileiras de novas edições deste livro inaugural de nossa literatura marxista que, apesar de seus vícios metodológicos, aponta de forma prematura para a crise política social que viria a ocorrer no Brasil dos anos 1930.
Não foi intenção dos organizadores de “História do Marxismo no Brasil V. II” esgotar um tema de pesquisa tão vasto e ainda tão pouco discutido pela esquerda quanto a evolução da consciência política do movimento marxista nacional, sempre considerando a “evolução” não como um processo teleológico mas como um processo que suscitas idas e vindas – como se observa por exemplo no caso dos estudos e análises do pensador húngaro Lukács que ganha força a partir do XX Congresso do Partido Comunista da URSS no mundo, no Brasil com o golpe militar em 1964 e os novos rumos do PCB para entrar em refluxo nos anos 1980. Outrossim, podemos dizer que na década de 1940,1950 e 1960 o Brasil teve uma política cultural e acadêmica marxista e comunista muito mais consistente do que hoje: basta comparar a quantidade de publicações com tal orientação político-metodológica e autores do nível de Caio Prado Júnior, Nelson Werneck Sodré e José Arthur Giannotti. De qualquer forma, mesmo os autores reconhecem a ausência de um capítulo dedicado ao filósofo francês. L. Althusser, de resto, um pensador que volta a ser pesquisado diante da miséria do marxismo reformista que renega sua vocação científica.
“Sem teoria revolucionária não há movimento revolucionário vitorioso” dizia Lênin. Constatando nossa trajetória no plano da história das ideias marxistas no Brasil, observamos um momento de refluxo, em que os intelectuais, sempre em aliança permanente e indestrutível com os trabalhadores, têm a obrigação de fazer avançar o conhecimento sobre a realidade com o objetivo de revolucioná-la.
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