Resenha
livro #79 “Coronelismo, enxada e voto” – Victor Nunes Leal - Ed. Alfa-Ômega
Publicado em 1949, este ensaio do
jurista, jornalista e cientista político galgou reconhecimento acadêmico e de
público já em seu tempo. O general comunista Nelson Werneck Sodré listou em seu
“O que se deve ler para conhecer o Brasil” o ensaio deste pensador mineiro.
Nunes Leal formou-se em Direito pela Faculdade Nacional de Direito – atualmente
pertencente à UFRJ. Também ocupou importantes cargos de poder: foi ministro do
Supremo Tribunal Federal entre 1960-1969; Consultor Geral da República (1960);
e Chefe da Casa Civil da Presidência da República entre 1956 -1959.
O tema deste trabalho de Nunes Leal é o
arranjo político-institucional denominado coronelismo e que é específico do
Brasil. Certamente, tal arranjo é bastante particular dentro da evolução
histórica brasileira. Aspectos do coronelismo podem ser visto desde os tempos
coloniais, ainda que o apogeu do sistema seja encontrado na República Velha. A
intenção do jurista, expressa na conclusão do livro, não é a de oferecer um
prognóstico ou soluções para as distorções do regime representativo e do municipalismo
dentro dos quadros do coronelismo. A intenção do autor é antes a de se fazer um
diagnóstico, localizar na história e dentro das relações sociais e econômicas
os elementos que engendraram o coronelismo no Brasil.
Nunes Leal define o coronelismo como o “resultado
da superposição de formas desenvolvidas do regime representativo a uma
estrutura social inadequada”. Como ponto de partida, há de se destacar a base
sócio- econômica do coronelismo. Mesmo à altura da redação do ensaio, a
população brasileira de então era predominantemente rural. O poder político se
apoia sobre o latifúndio, o trabalho escravo e a monocultura exportadora. Com a
independência Brasileira (1822) e nossa primeira constituição de 1824, desenvolvem-se
diversos arranjos institucionais que por um lado expressavam a exigência da
manutenção e coesão nacional e por outro também expressavam pressões
federalistas no sentido de garantia da autonomia dos estados – são estes que,
ao longo do séc. XIX, nomeiam os prefeitos e por intermédio das constituições
estaduais, distribuem as competências administrativas e tributárias dos
municípios.
“A estrutura social inadequada”
refere-se à situação do campo: o poder dos senhores de terra era bastante
expressivos na medida em que, desde a colônia, era atribuído ao poder local as
funções administrativas, policiais, jurisdicionais (havendo juízes de paz e
posteriormente juízes de fora) e, com particular importância, a função
eleitoral. O Coronel mantém como fonte de poder frente às autoridades estaduais
e federais a sua base eleitoral – em geral, votantes e eleitores que estavam
subordinados aos ditames do coronel cotidianamente. Ademais, há de se constatar
que os custos referentes ao pleito eleitoral, no caso do transporte dos
votantes até o local de votação, além do custeio de outras barganhas, ficava a
cargo do coronel, que contava assim com uma vitória certa. Se a República Velha
significou o apogeu do sistema federalista, isto se dá especialmente pelo
advento da abolição da escravatura, implicando, diante deste novo contingente
de trabalhadores rurais livres, ainda maior dependência política do coronel
para trabalhar, além de solucionar desavenças, arranjar casamentos, etc.
Podemos destacar três aspectos do
problema do coronelismo que são especificamente aprofundados por Vitor Nunes leal.
O primeiro problema é a questão dos municípios
dentro da evolução institucional do Brasil, da constituição imperial de 1824,
às constituições de 1934, 1937 e 1946, além de outras leis ordinárias citadas.
Numa perspectiva de média-longa duração, é possível dizer que a evolução
histórica dos municípios foi marcada pela sua gradual perda de autonomia. Na
colônia, há o esforço da metrópole ocupar os vastos espaços geográficos do
Brasil, concedendo grande margem de jurisdição aos poderes locais. Os mesmos
não só poderiam, como deveriam articular seus exércitos de defesa, seus poderes
jurisdicionais e suas atribuições administrativas. Esta autonomia local
certamente fortalecia bastante o poder dos donos de terra e criaria as bases
para a relação de dependência social que seguiria adiante com o desenvolvimento
do coronelismo.
Entretanto, esta autonomia vai
gradualmente sendo tirada dos municípios, em primeiro lugar em detrimento do
fortalecimento das províncias e em segundo lugar, da união. Originalmente, os
estados nomeiam os prefeitos e, na república, suas assembleias legislativas
deliberam as funções administrativas e tributárias do município, conforme a
constituição. Certamente, os chefes estaduais dependiam do apoio dos chefes
locais, dos coronéis, já que estes últimos possuíam a base eleitoral necessária
para as eleições em nível estadual. Havia sempre no coronelismo, assim, uma
tendência governista muito forte. Os governos procuravam não se indispor com os
chefes municipais em função do papel desempenhado pelos coronéis nas eleições.
E os coronéis tendiam a serem governistas pois, diante do quadro institucional,
dependiam dos governadores para o repasse de verbas, para nomeação de parentes
e demais favores.
O segundo problema que acentuava ainda
mais o governismo dos coronéis era a questão tributária. Nunes Leal detecta uma
constante distribuição das rendas tributárias, privilegiando em primeiro lugar
a União, depois os Estados e por último os municípios. Em especial as comunas
mais distantes da capital mantinham um quadro decadente de recursos, muitas
vezes mal sendo suficientes para o pagamento das verbas da administração. Para
construir uma ponte ou um hospital, havia para os chefes municipais um longo
caminho de trabalho político junto ao âmbito estadual: certamente, os poucos
chefes de municípios que estavam na oposição do governo estadual sofriam ainda
mais com a falta de ajuda, o que também explica a tendência governista do coronelismo.
O terceiro problema envolve a
distribuição dos trabalhos administrativos de municípios, estados e união.
Houve ao longo do séc. XIX interessantes debates na câmara dos deputados acerca
das atribuições administrativas, bem como do melhor arranjo institucional para
atender as especificidades da realidade sócio-econômica brasileira. Dentre as
polêmicas, havia por exemplo, a eletividade da administração municipal, alguns
defendendo a nomeação pelos chefes de províncias, outros defendendo o pleito
municipal. Importa constar que as diferentes opiniões aqui não resultavam em
óbice para o grande problema dos processos eleitorais, em especial da república
velha, qual seja, a corrupção. Nos mais distantes rincões do país, inicialmente
as eleições eram fiscalizadas por juntas eleitorais locais, o que resultava nas
maiores distorções: defuntos votavam, loucos e doentes internados também, sempre
no candidato do poder local. O voto só formalmente era secreto, sendo possível
aferir os votos dos eleitores e impulsionando a compra de votos. Foi apenas nos
anos de Getúlio Vargas com a criação da Justiça Eleitoral que tal situação foi
atenuada.
De maneira geral, pode-se dizer que o
coronelismo é um quadrante necessário, particular e específico da realidade
sócio- econômica brasileira. Várias tentativas de soluções institucionais para
distorções do sistema foram tentadas, sem êxito, predominando no Brasil da
Velha e Nova República a política apoiada no poder dos senhores de terra,
voltada à troca de favores e sem vínculos ideológicos para além das aparências –
os interesses e diferenças de “liberais” e “conservadores” no plano municipal
nada tinha de político-ideológico, mas seguia os ditames das forças políticas
(e familiares) locais.
Entretanto, Nunes Leal sinaliza alguns
processos que estariam (e de fato estiveram) enfraquecendo o coronelismo, como
o desenvolvimento dos meios de transporte e comunicação (com ênfase para o
rádio) e melhores condições de acesso à informação, além da
urbanização/industrialização conjugada com a crise do modelo agroexportador
(crise do café a partir de 1929). Entretanto, ainda hoje (2013), nos rincões do
país ainda é possível encontrar traços do coronelismo no Brasil. Afinal, como
alerta o autor, muitas vezes, viajar para o interior do país significa viajar
ao passado.
“Não
podemos negar que o “coronelismo” corresponde a uma quadra da evolução política
do nosso povo, que deixa muito a desejar. Tivéssemos maior dose de espírito
público e as coisas certamente se passariam de outra forma. Por isso, todas as
medidas de moralização da vida pública nacional são indiscutivelmente úteis e
merecem aplausos de quantos anseiam pela elevação do nível político do Brasil.
Mas não tenhamos demasiadas ilusões. A pobreza do povo, especialmente da
população rural, e, em consequência, o seu atraso cívico e intelectual
constituirão sério obstáculo às intenções mais nobres”.
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