Resenha Livro # “As Ideias Políticas no Brasil – Volume I” – Vários Autores – Editora Convívio
Este pequeno livro publicado pela Editora
Convívio reúne oito ensaios referentes à história das ideias políticas do
Brasil a partir do séc. XIX quando se pode efetivamente pensar no
desenvolvimento de ideias políticas de uma nação ao menos formalmente
independente (1822).
Como não poderia deixar de ser, o surgimento das
ideias políticas brasileiras tem como ponto de partida Portugal e o movimento
intelectual europeu do séc. XIX. Pois era de lá que saíam os bacharéis que
dirigiriam o novo estado independente. Tratava-se de uma sociedade
escravocrata, dividida em províncias distantes entre si e sem os atuais
recursos de comunicação e transporte. A elite política forjada para comandar o
novo estado brasileiro saiu basicamente dos bancos universitários de Coimbra, e
mesmo as fundações das novas escolas de Direito em Olinda e São Paulo (1827)
não engendrariam uma nova escola de pensamento, sendo, muito ao contrário,
estabelecimentos de ensino bastante influenciados pelo modelo de ensino de
Coimbra.
Se fosse para especificar um marco originário do
desenvolvimento das ideias políticas no Brasil, o historiador das ideias
partiria do momento de reformas e modernizações promovidas pelo Império
Português sob D. José e seu sinistro e poderoso ministro de Estado, Marquês de
Pombal. Trata-se aqui da introdução inicial das ideias do liberalismo
decorrentes do triunfo da revolução política francesa de 1789, esta por sua
vez, precedida pelo pensamento liberal dos iluministas. Enquanto a Europa vivenciava
a emergência de movimentos liberais e constitucionalistas (séc. XIX) e que, de
forma geral, viriam a contestar de uma forma ou de outra o esquema do Antigo
Regime, as elites políticas brasileiras, educadas nesse cenário de transição e
embates políticos, assimilaria o liberalismo, sob diversas matrizes. Poderíamos
dizê-lo melhor, sob diversas orientações políticas: do liberalismo realista e influenciado
pela matriz federalista norte-americana de Rui Barbosa ao radicalismo social de
Frei Caneca certamente havia uma longa distância, sendo certo, porém, que ambos
remontam a sua maneira a esta reforma liberal no cenário das ideias em Portugal
e no Brasil.
Marquês de Pombal tinha dois adversários
políticos principais: os jesuítas que detinham poderes territoriais na ex-colônia,
além de comandarem os estabelecimento de ensino; e os ingleses, diante da
franca dependência econômica portuguesa à potência britânica. Interessa-nos em
particular sua luta contra os jesuítas: nesta perspectiva promoveu uma grande
reforma de ensino em Portugal e nos currículos da Universidade de Coimbra, o
que certamente viria a influenciar a parcela da elite política brasileira que
lá estudara. Para Pombal tornava-se necessária a formação de novas elites,
libertas dos freios da inquisição e que trouxessem a Portugal as vantagens
científicas e técnicas do Iluminismo. Seu projeto de modernizar e racionalizar
a administração pública perpassaria o pensamento e obra de importantes
estadistas brasileiros décadas depois como Visconde de Uruguai e o baiano Rui
Barbosa.
Neste manual do itinerário das ideias políticas
no Brasil, contemplou-se a diversidade dos liberalismos, da sua recepção
originária no Brasil, passando pela política pombalina e servindo-se do estudo
de alguns expoentes do iluminismo brasileiro do séc. XIX: Silvestre Pinheiro
Ferreira, Cipriano Barata, Rui Barbosa e Visconde de Uruguai.
Cada autor representa outrossim momentos da
própria evolução histórica do liberalismo no Brasil, destacando-se cada qual algumas
nuanças específicas. Dentre as temáticas em pauta, o que ganha relevo é as
distintas propostas de adaptações políticas, jurídicas e institucionais dos
cânones do liberalismo para a realidade brasileira: os problemas principais de
nossa elite era a questão da escravidão (aboli-la ou não, e como?), a questão
do federalismo (como conciliar os interesses das províncias e a unidade
territorial do Brasil), a questão da política externa (especialmente quando da
Guerra do Paraguai), e o embate entre monarquia e república. Ainda que
identificados com a república, alguns dos ilustres liberais (como o próprio Rui
Barbosa, ainda que, posteriormente, aderisse à república) não viam
compatibilidade entre um modelo constitucional ora baseado na “soberania”, ora
na “proteção dos direitos naturais”, e o modelo monárquico. Será só mais
adiante, no positivismo do final do séc. XIX, por exemplo, em Benjamin
Constant, que a república será a resposta necessária para garantir a unidade
nacional por um lado e o atendimento dos interesses particulares das províncias
por outro.
A questão da
História das Ideias
Certamente, a opção teórico-metodológica de se
apresentar as ideias políticas da história pela produção e intervenção prática
dos principais expoentes políticos (parlamentares que eram ao mesmo tempo os bacharéis
e doutrinadores políticos, ou utilizando um termo anacrônico, a “intelligentsia”) é o ponto de partida mais evidente para
empreender tal pesquisa. Entretanto, foi possível identificar dentre os ensaios
um certo predomínio webberiano de análise, por exemplo quando privilegia as
formas das instituições políticas e suas correspondentes origens teóricas sem o
confronto necessário com a economia política e a sociedade brasileiras do séc.
XIX: certamente as ideias políticas estavam a serviço da garantia da
perpetuação do modelo latifundiário e concentrador de renda, com diferentes
linhas políticas para se estabelecer os reajustes sociais com o mínimo de
tensões e conflitos sociais. A própria opção teórica das mini-biografias pode
estabelecer o panorama histórico a partir de determinados personagens
históricos de forma ilustrativa, mas encontra limites importantes,
principalmente quando provavelmente superestima o papel dos indivíduos na
história e negligencia os fatores endógenos na produção das ideias (a luta de
classes, o sistema de distribuição de riqueza, o modo de produção escravista.).
Conclusão
De todo modo, à guisa de conclusão,
reportemo-nos rapidamente aos dados essenciais de dois ícones do liberalismo, abordados
no livro, no intuito de introduzir e familiarizar melhor nosso leitor com
expoentes das ideias políticas do Brasil do séc. XIX. O estudo complementar dos demais personagens
fica a cargo do leitor.
Silvestre Pinto ocupou cargo ministerial, além de ter vivido muitos anos na Europa.
Era um jurista liberal e moderado politicamente, defendendo uma conciliação ora
entre Portugal e Brasil, e quando impossível, entre D. João VI e as elites
políticas brasileiras. Em termos práticos, seu liberalismo levava-o a defesa de
uma monarquia constitucional, cujo “exercício da soberania, consistindo no
exercício do poder legislativo, não pode residir separadamente em nenhuma das
partes integrantes do governo, mas sim na reunião do monarca e deputados
escolhidos pelo povo”. (Palavras do próprio Silvestre Pinto)
Cipriano Barata advém de outra espécie de liberalismo, muito distinta do perfil
conciliador das elites políticas brasileiras, mais radical e identificado com a
tradição iluminista francesa com sua revolução. Mesmo a luta armada nesta
matriz de pensamento pode ser reivindicada, em contraponto aos liberais mais
moderadores, com Rui Barbosa ou mesmo Silvestre Pinto. Outrossim, sua linha
política, segundo Paulo Pereira de Castro, “toca nos ressentimentos de classe e
acena com promessas de uma nova ordem social”. É precursora nesse sentido
daquele incipiente socialismo que surgiria muito residualmente no Brasil a
partir de fins do séc. XIX.
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