segunda-feira, 14 de outubro de 2013

“As Ideias Políticas No Brasil” – Vários Autores

Resenha Livro #77 “As Ideias Políticas no Brasil – Volume I” – Vários Autores – Editora Convívio.
 

Resenha Livro # “As Ideias Políticas no Brasil – Volume I” – Vários Autores – Editora Convívio

Este pequeno livro publicado pela Editora Convívio reúne oito ensaios referentes à história das ideias políticas do Brasil a partir do séc. XIX quando se pode efetivamente pensar no desenvolvimento de ideias políticas de uma nação ao menos formalmente independente (1822).

Como não poderia deixar de ser, o surgimento das ideias políticas brasileiras tem como ponto de partida Portugal e o movimento intelectual europeu do séc. XIX. Pois era de lá que saíam os bacharéis que dirigiriam o novo estado independente. Tratava-se de uma sociedade escravocrata, dividida em províncias distantes entre si e sem os atuais recursos de comunicação e transporte. A elite política forjada para comandar o novo estado brasileiro saiu basicamente dos bancos universitários de Coimbra, e mesmo as fundações das novas escolas de Direito em Olinda e São Paulo (1827) não engendrariam uma nova escola de pensamento, sendo, muito ao contrário, estabelecimentos de ensino bastante influenciados pelo modelo de ensino de Coimbra.

Se fosse para especificar um marco originário do desenvolvimento das ideias políticas no Brasil, o historiador das ideias partiria do momento de reformas e modernizações promovidas pelo Império Português sob D. José e seu sinistro e poderoso ministro de Estado, Marquês de Pombal. Trata-se aqui da introdução inicial das ideias do liberalismo decorrentes do triunfo da revolução política francesa de 1789, esta por sua vez, precedida pelo pensamento liberal dos iluministas. Enquanto a Europa vivenciava a emergência de movimentos liberais e constitucionalistas (séc. XIX) e que, de forma geral, viriam a contestar de uma forma ou de outra o esquema do Antigo Regime, as elites políticas brasileiras, educadas nesse cenário de transição e embates políticos, assimilaria o liberalismo, sob diversas matrizes. Poderíamos dizê-lo melhor, sob diversas orientações políticas: do liberalismo realista e influenciado pela matriz federalista norte-americana de Rui Barbosa ao radicalismo social de Frei Caneca certamente havia uma longa distância, sendo certo, porém, que ambos remontam a sua maneira a esta reforma liberal no cenário das ideias em Portugal e no Brasil.

Marquês de Pombal tinha dois adversários políticos principais: os jesuítas que detinham poderes territoriais na ex-colônia, além de comandarem os estabelecimento de ensino; e os ingleses, diante da franca dependência econômica portuguesa à potência britânica. Interessa-nos em particular sua luta contra os jesuítas: nesta perspectiva promoveu uma grande reforma de ensino em Portugal e nos currículos da Universidade de Coimbra, o que certamente viria a influenciar a parcela da elite política brasileira que lá estudara. Para Pombal tornava-se necessária a formação de novas elites, libertas dos freios da inquisição e que trouxessem a Portugal as vantagens científicas e técnicas do Iluminismo. Seu projeto de modernizar e racionalizar a administração pública perpassaria o pensamento e obra de importantes estadistas brasileiros décadas depois como Visconde de Uruguai e o baiano Rui Barbosa.

Neste manual do itinerário das ideias políticas no Brasil, contemplou-se a diversidade dos liberalismos, da sua recepção originária no Brasil, passando pela política pombalina e servindo-se do estudo de alguns expoentes do iluminismo brasileiro do séc. XIX: Silvestre Pinheiro Ferreira, Cipriano Barata, Rui Barbosa e Visconde de Uruguai.

Cada autor representa outrossim momentos da própria evolução histórica do liberalismo no Brasil, destacando-se cada qual algumas nuanças específicas. Dentre as temáticas em pauta, o que ganha relevo é as distintas propostas de adaptações políticas, jurídicas e institucionais dos cânones do liberalismo para a realidade brasileira: os problemas principais de nossa elite era a questão da escravidão (aboli-la ou não, e como?), a questão do federalismo (como conciliar os interesses das províncias e a unidade territorial do Brasil), a questão da política externa (especialmente quando da Guerra do Paraguai), e o embate entre monarquia e república. Ainda que identificados com a república, alguns dos ilustres liberais (como o próprio Rui Barbosa, ainda que, posteriormente, aderisse à república) não viam compatibilidade entre um modelo constitucional ora baseado na “soberania”, ora na “proteção dos direitos naturais”, e o modelo monárquico. Será só mais adiante, no positivismo do final do séc. XIX, por exemplo, em Benjamin Constant, que a república será a resposta necessária para garantir a unidade nacional por um lado e o atendimento dos interesses particulares das províncias por outro.

A questão da História das Ideias

Certamente, a opção teórico-metodológica de se apresentar as ideias políticas da história pela produção e intervenção prática dos principais expoentes políticos (parlamentares que eram ao mesmo tempo os bacharéis e doutrinadores políticos, ou utilizando um termo anacrônico, a intelligentsia) é o ponto de partida mais evidente para empreender tal pesquisa. Entretanto, foi possível identificar dentre os ensaios um certo predomínio webberiano de análise, por exemplo quando privilegia as formas das instituições políticas e suas correspondentes origens teóricas sem o confronto necessário com a economia política e a sociedade brasileiras do séc. XIX: certamente as ideias políticas estavam a serviço da garantia da perpetuação do modelo latifundiário e concentrador de renda, com diferentes linhas políticas para se estabelecer os reajustes sociais com o mínimo de tensões e conflitos sociais. A própria opção teórica das mini-biografias pode estabelecer o panorama histórico a partir de determinados personagens históricos de forma ilustrativa, mas encontra limites importantes, principalmente quando provavelmente superestima o papel dos indivíduos na história e negligencia os fatores endógenos na produção das ideias (a luta de classes, o sistema de distribuição de riqueza, o modo de produção escravista.).


Conclusão

De todo modo, à guisa de conclusão, reportemo-nos rapidamente aos dados essenciais de dois ícones do liberalismo, abordados no livro, no intuito de introduzir e familiarizar melhor nosso leitor com expoentes das ideias políticas do Brasil do séc. XIX.  O estudo complementar dos demais personagens fica a cargo do leitor.

 
Silvestre Pinto ocupou cargo ministerial, além de ter vivido muitos anos na Europa. Era um jurista liberal e moderado politicamente, defendendo uma conciliação ora entre Portugal e Brasil, e quando impossível, entre D. João VI e as elites políticas brasileiras. Em termos práticos, seu liberalismo levava-o a defesa de uma monarquia constitucional, cujo “exercício da soberania, consistindo no exercício do poder legislativo, não pode residir separadamente em nenhuma das partes integrantes do governo, mas sim na reunião do monarca e deputados escolhidos pelo povo”. (Palavras do próprio Silvestre Pinto)

Cipriano Barata advém de outra espécie de liberalismo, muito distinta do perfil conciliador das elites políticas brasileiras, mais radical e identificado com a tradição iluminista francesa com sua revolução. Mesmo a luta armada nesta matriz de pensamento pode ser reivindicada, em contraponto aos liberais mais moderadores, com Rui Barbosa ou mesmo Silvestre Pinto. Outrossim, sua linha política, segundo Paulo Pereira de Castro, “toca nos ressentimentos de classe e acena com promessas de uma nova ordem social”. É precursora nesse sentido daquele incipiente socialismo que surgiria muito residualmente no Brasil a partir de fins do séc. XIX.   

    
 



    

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