sábado, 12 de outubro de 2013

“A Era dos Extremos: O Breve Século XX 1914-1991” – Eric Hobsbawm

Resenha livro #76 “A Era dos Extremos: O breve século XX 1914-1991” – Ed. Companhia das Letras – 2ª Edição.



Eric J. Hobsbawm é provavelmente o mais conhecido historiador da história moderna e contemporânea e certamente é o mais lido historiador marxista da contemporaneidade. A sua morte em outubro de 2012 implicou em diversos artigos não só no âmbito acadêmico, mas nas seções de cultura e política de jornais, revistas e televisão em todo mundo, incluindo meios de comunicação insuspeitos de qualquer simpatia pelo marxismo e seus pressupostos teórico-metodológicos.

O fato é que Hobsbawm é notadamente um historiador politicamente progressista, que se apropria do materialismo histórico ao buscar (e não negar) um sentido da história, conforme o desenvolvimento das forças materiais e das relações de produção engendradas por cada modo particular de produção historicamente determinado. Entretanto, não se deduz-se daqui que as obras dos historiadores marxistas estarão eternamente eivadas de critérios e pontos de vistas voltados à economia política, negligenciando a cultura, as artes, a ciência e a política oficial.

Pelo contrário.

O que torna particularmente interessante “A Era dos Extremos” é o fato de que o historiador efetivamente vivenciou boa parte dos eventos históricos narrados. Certamente, um historiador deve buscar em suas análises a impessoalidade, sem com isso criar ilusões acerca de uma suposta “neutralidade” ou “imparcialidade absoluta”. Todavia, o fato do historiador ter vivenciado e se apropriado de eventos pessoais que remetem à sua memória particular certamente enriquece o vasto panorama histórico ilustrado em “A era dos Extremos”, antes de turvar a vista do leitor com preconceitos do autor.

Ficamos sabendo, por exemplo, pela experiência pessoal do autor quais eram as expectativas, as origens sociais e os horizontes políticos daquela jovem geração de universitários que abalou o mundo, de Paris à Cidade do Mexico, no ano de 1968, movimento do qual Hobsbawm se viu também envolvido. O que queremos pontuar aqui é que as prerrogativas teórico-metodológicas do marxismo envolvem certamente a consecução de uma análise o mais objetiva e crítica possível da realidade. Mas, como demonstra Hobsbawm com particular sensibilidade, é perfeitamente possível manter este horizonte teleológico, que busca interpretar a história dotando seus movimentos de sentido e, ainda assim, contemplá-la (a história) com a vivência pessoal do autor. Primeiro por que a imagem de uma neutralidade pura remeteria à divertida paródia relatada por Michel Löwy e seu Barão de Münchhausen, que seria supostamente capaz de tirar a si mesmo do poço de lama puxando seus cabelos.

Outrossim, a memória pessoal do historiador enriquece a narrativa histórica na medida em que ilustra a percepção das pessoas envolvidas em dada circunstância histórica, àquele momento da história: da euforia engendrada pelo estado de bem estar durante a Era de Ouro  do pós guerra ao mundo marcado pelas incertezas políticas e pelo enfraquecimento dos estados nacionais na Era de Incertezas/Desmoronamentos correspondente às últimas décadas do séc. XX.

Eric J. Hobsbawm nasceu em Alexandria (Egito) em 1917, descendendo de família britânica que retornaria à Inglaterra em 1933. Tornou-se militante político e em 1936 filiou-se ao Partido Comunista da Grã Bretanha. Muitos de seus colegas marxistas com quem formou uma verdadeira escola marxista na Inglaterra (Cristopher Hill ou Edward Thompson) deixaram o partido comunista britânico (estalinista) após as denúncias do XX Congresso dos PCUS. Porém, Hobsbawm permaneceu leal ao partido até o fim da União Soviética.

A Era dos Extremos vem a ser o último volume de uma série de livros dedicados à conformação do mundo contemporâneo a partir da Revolução Francesa de 1789. Assim seguiu-se à “Era das Revoluções” (1789-1848) a “Era do Capital” (1848-1875) e a “Era dos Impérios” (1875-1814).

No caso particular do século XX, um de seus traços essenciais está contido no próprio título da obra. Certamente pode-se falar de um século “breve” em contrapartida aos longos anos de estagnação da idade média, por ex. “Era dos Extremos” são cerca de 500 folhas de uma poderosa síntese de um mundo em rápido movimento, da Era da catástrofe (passando pela Guerra Imperialista, pela Revolução Russa e pela II Guerra Mundial), passando pela Era de Ouro, correspondente ao início e declínio da Guerra Fria, com um espantoso desenvolvimento da ciência, da pesquisa tecnológica, dos meios de comunicação e transporte e de distintos ramos da indústria, para além da conformação dos estados sociais e um ciclo de crescimento que também perpassa em determinados setores o mundo soviético. E finalmente o desmoronamento, tendo como ponto de partida a crise de petróleo da OPEP em 1973, o desmoronamento do mundo de da guerra fria ( na sua fase de coexistência pacífica) com o desmoronamento da URRS em 1991. 

A impressão que dá ao ler “A Era dos Extremos” é a de estarmos à frente de uma tela de cinema em que, numa impressionante velocidade, os mais diversos fatos vão se intercalando, da revolução russa à propaganda ideológica anti-marxista nos EUA, da descolinização da África às guerrilhas na América Latina, do Arpaitheit na África do Sul aos conflitos étnicos das antigas repúblicas socialistas, do fascismo e do nazismo ao colapso da era Roosveitiana e a nova hegemonia neoliberal. A sensação é a de que a história do século XX avançava como numa corrida sucessiva de eventos pouco previsíveis (como o Crash da Bolsa de 1929 ou mesmo o advento da II Guerra Mundial no entreguerras para observadores céticos na Inglaterra e França). O mais impressionante é que, mesmo havendo-se de reconhecer que a direção do movimento histórico do período analisado diz respeito fundamentalmente no desenvolvimento da economia mundial capitalista mais os desdobramentos do mundo soviético, Hobsbawm não ouvida do assim chamado terceiro mundo e apresenta muitas informações econômicas, demográficas, sociais, políticas e etc., não só do centro, mas da periferia do sistema: América Latina, África, Oriente Médio e Sudeste Asiático. Se pudéssemos apenas apontar um debate específico que pareceu faltar neste grandioso projeto de síntese do Breve Séc. XX, diríamos que poderiam haver mais dados sobre o problema Palestino e a criação do Estado de Israel, tema realmente pouco abordado no livro.

À guisa de conclusão, reproduzimos passagem final do trabalho de Hobsbawm em que ele pontua os limites e as possibilidades da pesquisa histórica do breve século XX, bem como a exigência de uma mudança nos rumos do mundo que nasceu do breve século XX.

“Sabemos que, por trás da opaca nuvem de nossa ignorância e da incerteza de resultados detalhados, as forças históricas que moldaram o século continuam a operar. Vivemos num mundo conquistado, desenraizado e transformado pelo titânico processo econômico e tecnocientífico do desenvolvimento do capitalismo, que dominou os dois ou três últimos séculos. Sabemos, ou pelo menos é razoável supor, que ele não pode prosseguir ad infinitum. O futuro não pode ser uma continuação do passado, e há sinais tanto externamente quanto internamente, de que chegamos a um ponto de crise histórica. As forças geradas pela economia tecnocientífica são agora suficientemente grandes para destruir o meio ambiente, ou seja, as fundações materiais da vida humana. As próprias estruturas da sociedade humana, incluindo mesmo algumas das fundações sociais da economia capitalista, estão na iminência de ser destruídas pela erosão do que herdamos do passado humano. Nosso mundo corre o risco da explosão e implosão. Tem de mudar”.



         

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