Resenha Livro #62 “Teoria
da Organização Política V. I – Engels, Marx, Lênin, Rosa e Mao”. Ed. Expressão
Popular
Esta compilação de
textos tem como denominador comum o problema da organização da classe
trabalhadora bem como da coordenação das lutas pela emancipação do trabalho em
relação ao capital. Neste primeiro volume, temos artigos de autores “clássicos”
da tradição marxista: o material é muito bom para aqueles que desejam
aproximar-se da leitura direta dos textos originais destes autores fundamentais,
sendo possível destacar similitudes e algumas diferenças pontuais quanto à
questão da relação entre o partido revolucionário e as massas, a oposição entre
os métodos “artesanais” de organização em contraponto às exigências da história
de se profissionalizar a luta revolucionária, sem se deixa levar pelo
espontaneísmo ou rebaixar o horizonte estratégico em detrimento do baixo nível
de consciência política das massas.
Certamente, as
polêmicas e os aspectos de divergência dentre os clássicos pode ser um bom ponto
de partida para se apurar alguns dilemas que ainda estão candentes no movimento
dos trabalhadores do mundo contemporâneo. Tais divergências enriquecem nossa
compreensão inclusive das particularidades das lutas em determinados lugares e
momentos históricos, sendo, pois, reflexo do grau de desenvolvimento das forças
produtivas e da conformação das classes sociais em cada país. Tais ingredientes
são fundamentais para se compreender por que cada autor segue tal ou qual linha
política.
Assim, Mao,
enfrentando uma situação de revolução permanente contra os nacionalistas e
contra os invasores japoneses, reivindica a necessidade dos comunistas chineses
travarem uma luta para angariar ao máximo o apoio popular (o que seria
determinante para a conflagração da Grande Marcha que levaria os comunistas
chineses ao poder). Para aproxima-se das massas, os comunistas devem abandonar
o sectarismo (que na acepção maoista tem um sentido um pouco diferente do que
conhecemos, significando a predominância dos interesses do particular em
detrimento dos interesses da coletividade, bem como a não aceitação da própria
forma de organização partidária, das ordens superiores, do centralismo
democrático, etc).
Mao, igualmente,
deparando-se com um país em que raros eram os intelectuais com formação
marxista-leninista, critica duramente o dogmatismo: a formação teórica sem
ligação com uma prática política. Frente às vicissitudes da revolução chinesa,
a luta contra o dogmatismo em Mao implica (ainda que ele não use o termo) na
luta contra a “burocratização”. Aqueles que teorizam sem aplicar as referências
teórico-metodológicas do marxismo-leninismo à realidade chinesa tão pouco
contribuem (ou contribuem menos!) do que trabalhadores e camponeses cujo
conhecimento dá-se exclusivamente pela experiência sensorial. Tanto a prática
desprovida da teoria quanto a teoria desprovida da prática são perniciosas:
entretanto o dogmatismo pode ser ainda mais grave por criar em alguns
indivíduos a falsa sensação de ser detentor exclusivo do saber justo
revolucionário, se credenciando para assumir a responsabilidade política pela
direção dos comitês locais sem o reconhecimento da importância do saber prático
e implicando em autoritarismo.
Dentre os textos
selecionados, poderíamos destacar que a principal oposição quanto às tarefas da
organização política dá-se entre Rosa Luxemburgo e Lênin. Ainda que no texto de
Rosa “Greve de Massas, Partido e Sindicatos”, a revolucionária alemã dedique-se
ao estudo das greves de massas do início do séc. XX na Rússia, chegando à
conclusão da universalidade da greve geral como momento da luta revolucionária,
é possível, a partir de algumas nuanças, notar algumas diferenças entre a
concepção de Rosa e Lênin.
Lênin dedica alguns
de seus escritos à necessidade da conformação de uma estrutura profissional de
militantes revolucionários por toda a Rússia: chega a ser impressionante como o
revolucionário russo consegue conceber uma enorme e complexa estrutura partidária,
detalhando as especializações de tarefas de agitação, propaganda, imprensa e
trabalho partidários clandestinos por meio do melhor aproveitamento possível do
material humano disponível aos socialdemocratas russos. Lênin não titubeava em
criticar duramente o falso democratismo de setores que se opõe ao seu modelo
centralizado de partido, com uma cúpula dirigente reduzida a um número baixo
dos militantes mais capazes: certamente para um leitor que naturalizou as
normas da democracia burguesa e alguns de seus princípios formais, como o da
transparência e do controle democrático, as teses partidárias de Lênin podem
parecer autoritárias. Mas aqui não há espaço para idealismos e foi com esta
clareza que Lênin levou os bolcheviques à vitória: a Rússia ainda estava sob o
jugo do czrismo, as atividades políticas implicavam constantemente em prisões e
fechamento de jornais, fatos estes que exigiam uma organização clandestina,
centralizada, cujos militantes orgânicos fossem os mais destacados entre a
classe, de forma a se especializar nas tarefas em que tinham mais talento.
Mesmo a alteração dos cargos de direção encontra óbice em Lênin. Enquanto um
anarquista poderia entender a perpetuação de dirigentes à frente do partido
como sinal de burocratização e degeneração, Lênin aponta que, àquela conjuntura
de lutas revolucionárias, mais importante do que o método “democrático” é a
confiança da classe em seus líderes, confiança que, de todo modo, vai sendo
colocada à prova conforme a capacidade da direção dar uma orientação justa ao
movimento.
Rosa Luxemburgo vivia
um contexto completamente distinto. O partido social democrata alemão e os
sindicatos que se alinhavam à social democracia ultrapassava 1 milhão e meio de
pessoas. A Alemanha vivia sob a vigência de um estado constitucional e os
comunistas detinham 110 cadeiras no parlamento alemão. Por suposto, esta
relação radicalmente distinta quanto à institucionalidade implicava em
problemas novos, distintos da Rússia. Enquanto no Oriente, a luta dos
comunistas era contra a infiltração de policiais nas reuniões secretas, prisões
e deportações, no Ocidente ganha espaço o revisionismo e a expectativa de que,
por meio da ação parlamentar e institucional, seria possível alcançar o
socialismo, sem revolução.
Quanto à esta ilusão,
Rosa demonstra como os direitos “políticos” dos alemães não implicaram em
garantias sociais tão sólidas à classe trabalhadora alemã. Demonstra como
certas categorias de trabalhadores na Alemanha trabalhavam tanto quanto ou mais
e ganhavam tanto quanto ou menos do que os trabalhadores Russos – e para isso
Rosa chama a atenção para o enorme volume de greves econômicas que ocorreram
antes das jornadas de luta de Janeiro de 1905 e como estas lutas conseguiram
arrancar direitos importantes aos trabalhadores russos.
Agora, é sim possível
encontrar algumas nuanças ou pontos divergentes nos textos de Rosa e Lênin.
Ainda que nos textos Lênin não aborde especificamente o problema da greve geral,
sua análise busca demarcar politicamente com relação aos setores populistas e
espontaneístas que chegam ao ponto de querer rebaixar o horizonte estratégico
da luta contra o capitalismo em função do horizonte político vislumbrado pelo
trabalhador comum – o método artesanal de trabalho político e organização
combinar-se-ia com a política do economicismo, que separa a luta econômica da
luta política e em última análise deixa esta última ou para segundo plano ou a
suprime para um futuro infinito.
Rosa aqui concorda
com Lênin e ataca duramente quem não consegue perceber as diversas interações
possíveis entre a luta política e econômica conforme a evolução do processo
histórico. Entretanto, Rosa aponta para o fato de mesmo a organização mais
revolucionária e disciplinada, ser incapaz, por ela própria e exclusivamente
com as suas próprias forças, de impulsionar uma greve geral revolucionária.
Estas são produtos de uma determinada conjuntura histórica, são fenômenos
históricos também regidos por múltiplo fatores de ordem objetiva e subjetiva e
não podem ser estabelecidas por meio de um calendário de lutas definido no
comitê central de um partido político.
Para Rosa, a equação
parece estar invertida, se comparada a Lênin. Em Lênin tem-se a sensação de que
a organização define a luta enquanto em Rosa tem-se a sensação de que a luta
define a organização. Entretanto, nem Lênin e muito menos Rosa eram “blanquistas”
ou “subsitucionistas”, defendendo a ação de uma minoria esclarecida organizada
em partido dissociada da classe, com o objetivo da tomada do poder pela minoria
e não pela classe.
O que se pode dizer é
que, dadas as condições e particularidades históricas da Rússia e da Alemanha, Rosa
destaca mais a importância da luta direta como meio de educação política
enquanto Lênin destaca a importância do preparo e da educação política para a
vitória da luta.
A guiza de conclusão,
vamos citar uma passagem do artigo de Rosa sobre o papel da socialdemocracia. Trata-se
de uma síntese poderosa e atual para se pensar a atualidade da percepção dos “clássicos”
no que se refere à luta pelo socialismo.
“Aqui, a organização
não fornece tropas para a luta, mas é a luta que fornece efetivos para a
organização. Isso se aplica, em um grau muito maior, obviamente, à mobilização política
direta de massas do que à luta parlamentar. Se os socialdemocratas, enquanto
núcleo organizado da classe operária, são a vanguarda mais importante do
conjunto dos operários, e se a clareza política, a força e a unidade do
movimento operário surgem de tal organização, não se pode conceber a
mobilização de classes do proletariado como mobilização da minoria organizada.
Toda grande luta de classes deve se basear no apoio e na colaboração das mais
amplas massas. Uma estratégia para a luta de classes que não conte com esse
apoio, que tenha por base uma
manifestação realizada por um pequeno setor bem capacitado do proletariado,
está destinada a terminar em um miserável fracasso”.
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