Resenha
Livro #61 “A Revolução Inacabada Rússia 1917-1967” – Isaac Deutscher – Ed.
Civilização Brasileira
Isaac
Deutscher morreu subitamente em 1967, quando preparava uma biografia de Lênin.
Escreveu esta breve síntese e balanço político e historiográfico de meio século
da Revolução Russa, concluída no ano de seu óbito. Este judeu-polonês foi
jornalista, historiador e ativista político. Reivindica o marxismo e adota esta
ferramenta teórico-metodológica para fazer suas análises históricas . Ficou
mundialmente famoso pela autoria da trilogia da vida de Leon Trótsky. Escreveu
ainda uma biografia de Stálin e “Ironias da História”, também versando sobre a
experiência da revolução e construção do socialismo na URSS.
Os
capítulos da “Revolução Inacabada” de certa forma dialogam com a posição
política do autor. Este vê que a revolução russa ainda perdura na história e
sua conclusão está indefinida, havendo possibilidade de restauração capitalista
ou vitória do socialismo – condicionada necessariamente por um movimento mundial.
Caracteriza e critica duramente a
burocracia, sem contudo caracterizar a burocracia como uma “classe social”.
Os
textos abordam uma proposta de perspectiva histórica da Revolução. Lembram das
condições sociais e econômicas da Rússia antes da revolução e o enorme desafio
colocado para os revolucionários de outubro de 1917: construir uma revolução
socialista sob as bases de um país hegemonicamente agrário, de industrialização
e produtividade incipiente e forças produtivas muito menos desenvolvidas do que
os países capitalistas do ocidente. A oposição cidade e campo é, de forma
bastante coerente, relacionada com as etapas burguesas e socialistas da
revolução. A política de distribuição de terras aos camponeses pulverizou a propriedade
agrária em pequenas propriedades familiares (antes da coletivização forçada) imbricando
em relações capitalistas pelo livre desenvolvimento do mercado rural (dimensão
burguesa) em contraposição à perspectiva de superação da propriedade privada na
cidade por meio da estatização e planificação da indústria e economia.
Estando
atrasada em seus níveis de produção , houve um esforço descomunal – acompanhado
de um duro e centralizado controle político – para o desenvolvimento da indústria
e a superação de todo atraso histórico da velha Rússia que até o início do séc.
XX ainda estava sob a égide do feudalismo. As grandes migrações do campo para
cidade foram o resultado das dificuldades de subsistência dos camponeses acompanhada
da oferta de trabalhos rumo à industrialização da cidade. Deutscher desenvolve
esta ideia de oposição cidade e campo como parte da grande contradição de uma direção
revolucionária operária industrial tomar o poder sem uma base social que correspondesse
à maioria da nação.
“Contudo, Petrogrado e Moscou, e alguns outros centros
industriais disseminados constituíam uma base extremamente limitada para tal
empreendimento. Não só o povo em toda a imensidão da Rússia Rural se
acotovelava para adquirir propriedades enquanto os trabalhadores das duas
capitais lutavam por aboli-la; não só a revolução socialista estava em conflito
implícito com a burguesia; além disso, estava também repleta de contradições
internas. A Rússia estava e não estava madura para a revolução socialista.
Mostrava-se mais apta a defrontar suas tarefas negativas do que os positivos.
Guiado pelos bolcheviques o proletariado expropriou os capitalistas e
transferiu o poder para os soviets; mas não pôde estabelecer uma economia e um
modo de vida socialista, nem foi capaz de manter por muito tempo sua posição
política dominante”.
Esta
espécie de ambiguidade que perpassa de forma brutal os primeiros anos da revolução
de 1917 devem ser destacados pois, de acordo com a interpretação de Deutscher,
estes elementos corroboram para a conformação de uma estrutura de poder
burocratizado e autoritário. A base da dominação burguesa é a economia e é a
partir da propriedade privada dos meios de produção que se edifica das
estruturas políticas dominantes, condicionadas ao seu fim de fazer perpetuar a
exploração do trabalho. No caso da URSS, a base da dominação da burocracia
deixa de ser a economia e passa a ser a política. Não havia forças produtivas
suficientemente desenvolvidas para garantir uma sociedade de abundância
(socialista). Pelo contrário, as duras condições internas foram implicando por
um lado numa política econômica extremamente centralizada, com toda uma propaganda análoga à capitalista
de incentivo ao trabalho, à produtividade e mesmo à competição entre operários,
sem direito de sindicalização e muitas garantias trabalhistas. Nos primeiros
anos de revolução e mesmo depois o direito de organização sindical foi
suprimido e foram impostas as mais pesadas condições de trabalho com o fito de
fazer o país avançar economicamente e superar seu atraso crônico: e decerto o
crescimento no nível de produção industrial e a urbanização da URSS atingiram
um avanço incomparável a qualquer país da história. Por outro lado, a
burocracia, no plano da política externa, vai gradualmente se afastando da
perspectiva internacionalista (que marca os primeiros momentos da revolução),
até culminar na tese de Stálin do “Socialismo Em Um Só País”, significando na
prática a orquestração de diversas derrotas do movimento comunista
internacional, às custas de uma co-existência relativamente pacífica com os
adversários capitalistas do Ocidente.
À
guisa de conclusão, citaremos uma passagem do ensaio de Deutscher que já em
1967 faz algumas projeções que são interessantes de ser observadas hoje, quando
sabemos que aquele império viria a se desmoronar poucas décadas depois,
implicando numa reacionária regressão no nível da consciência política de
milhões de trabalhadores e jovens que acreditavam ser a URSS a pátria do
socialismo. Este revés apenas nos dá noção do enorme desafio que está colocado
nesta conjuntura mundial atual, conforme dizia Lênin, de crises, guerras e
revoluções: apesar dos estragos do stalinismo, recolocar a bandeira do
socialismo na ordem do dia.
“Na
União Soviética, como sabemos, a Revolução sobreviveu a todos os possíveis
agentes de restauração. Contudo, parece estar sobrecarregada por uma massa de
desilusões acumuladas e de desespero que, em outras circunstâncias históricas,
seria a força impulsionadora de uma restauração. Por vezes, a URSS parece estar
carregada de potencialidades psicológicas e morais de uma restauração que não
pode converter-se numa realidade política. Grande parte da crônica destes 50
anos está profundamente desacreditada aos olhos do povo; e não seriam os
Romanovs quem, se regressassem, iriam reabilitá-la. A revolução deve
reabilitar-se a si própria, por seus próprios esforços.
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