segunda-feira, 17 de junho de 2013

"A Revolução Inacabada" - Isaac Detscher

Resenha Livro #61 “A Revolução Inacabada Rússia 1917-1967” – Isaac Deutscher – Ed. Civilização Brasileira

Isaac Deutscher morreu subitamente em 1967, quando preparava uma biografia de Lênin. Escreveu esta breve síntese e balanço político e historiográfico de meio século da Revolução Russa, concluída no ano de seu óbito. Este judeu-polonês foi jornalista, historiador e ativista político. Reivindica o marxismo e adota esta ferramenta teórico-metodológica para fazer suas análises históricas . Ficou mundialmente famoso pela autoria da trilogia da vida de Leon Trótsky. Escreveu ainda uma biografia de Stálin e “Ironias da História”, também versando sobre a experiência da revolução e construção do socialismo na URSS.
Os capítulos da “Revolução Inacabada” de certa forma dialogam com a posição política do autor. Este vê que a revolução russa ainda perdura na história e sua conclusão está indefinida, havendo possibilidade de restauração capitalista ou vitória do socialismo – condicionada necessariamente por um movimento mundial.  Caracteriza e critica duramente a burocracia, sem contudo caracterizar a burocracia como uma “classe social”.  
Os textos abordam uma proposta de perspectiva histórica da Revolução. Lembram das condições sociais e econômicas da Rússia antes da revolução e o enorme desafio colocado para os revolucionários de outubro de 1917: construir uma revolução socialista sob as bases de um país hegemonicamente agrário, de industrialização e produtividade incipiente e forças produtivas muito menos desenvolvidas do que os países capitalistas do ocidente. A oposição cidade e campo é, de forma bastante coerente, relacionada com as etapas burguesas e socialistas da revolução. A política de distribuição de terras aos camponeses pulverizou a propriedade agrária em pequenas propriedades familiares (antes da coletivização forçada) imbricando em relações capitalistas pelo livre desenvolvimento do mercado rural (dimensão burguesa) em contraposição à perspectiva de superação da propriedade privada na cidade por meio da estatização e planificação da indústria e economia.
Estando atrasada em seus níveis de produção , houve um esforço descomunal – acompanhado de um duro e centralizado controle político – para o desenvolvimento da indústria e a superação de todo atraso histórico da velha Rússia que até o início do séc. XX ainda estava sob a égide do feudalismo. As grandes migrações do campo para cidade foram o resultado das dificuldades de subsistência dos camponeses acompanhada da oferta de trabalhos rumo à industrialização da cidade. Deutscher desenvolve esta ideia de oposição cidade e campo como parte da grande contradição de uma direção revolucionária operária industrial tomar o poder sem uma base social que correspondesse à maioria da nação.
“Contudo,  Petrogrado e Moscou, e alguns outros centros industriais disseminados constituíam uma base extremamente limitada para tal empreendimento. Não só o povo em toda a imensidão da Rússia Rural se acotovelava para adquirir propriedades enquanto os trabalhadores das duas capitais lutavam por aboli-la; não só a revolução socialista estava em conflito implícito com a burguesia; além disso, estava também repleta de contradições internas. A Rússia estava e não estava madura para a revolução socialista. Mostrava-se mais apta a defrontar suas tarefas negativas do que os positivos. Guiado pelos bolcheviques o proletariado expropriou os capitalistas e transferiu o poder para os soviets; mas não pôde estabelecer uma economia e um modo de vida socialista, nem foi capaz de manter por muito tempo sua posição política dominante”.
Esta espécie de ambiguidade que perpassa de forma brutal os primeiros anos da revolução de 1917 devem ser destacados pois, de acordo com a interpretação de Deutscher, estes elementos corroboram para a conformação de uma estrutura de poder burocratizado e autoritário. A base da dominação burguesa é a economia e é a partir da propriedade privada dos meios de produção que se edifica das estruturas políticas dominantes, condicionadas ao seu fim de fazer perpetuar a exploração do trabalho. No caso da URSS, a base da dominação da burocracia deixa de ser a economia e passa a ser a política. Não havia forças produtivas suficientemente desenvolvidas para garantir uma sociedade de abundância (socialista). Pelo contrário, as duras condições internas foram implicando por um lado numa política econômica extremamente centralizada,  com toda uma propaganda análoga à capitalista de incentivo ao trabalho, à produtividade e mesmo à competição entre operários, sem direito de sindicalização e muitas garantias trabalhistas. Nos primeiros anos de revolução e mesmo depois o direito de organização sindical foi suprimido e foram impostas as mais pesadas condições de trabalho com o fito de fazer o país avançar economicamente e superar seu atraso crônico: e decerto o crescimento no nível de produção industrial e a urbanização da URSS atingiram um avanço incomparável a qualquer país da história. Por outro lado, a burocracia, no plano da política externa, vai gradualmente se afastando da perspectiva internacionalista (que marca os primeiros momentos da revolução), até culminar na tese de Stálin do “Socialismo Em Um Só País”, significando na prática a orquestração de diversas derrotas do movimento comunista internacional, às custas de uma co-existência relativamente pacífica com os adversários capitalistas do Ocidente.
À guisa de conclusão, citaremos uma passagem do ensaio de Deutscher que já em 1967 faz algumas projeções que são interessantes de ser observadas hoje, quando sabemos que aquele império viria a se desmoronar poucas décadas depois, implicando numa reacionária regressão no nível da consciência política de milhões de trabalhadores e jovens que acreditavam ser a URSS a pátria do socialismo. Este revés apenas nos dá noção do enorme desafio que está colocado nesta conjuntura mundial atual, conforme dizia Lênin, de crises, guerras e revoluções: apesar dos estragos do stalinismo, recolocar a bandeira do socialismo na ordem do dia.

“Na União Soviética, como sabemos, a Revolução sobreviveu a todos os possíveis agentes de restauração. Contudo, parece estar sobrecarregada por uma massa de desilusões acumuladas e de desespero que, em outras circunstâncias históricas, seria a força impulsionadora de uma restauração. Por vezes, a URSS parece estar carregada de potencialidades psicológicas e morais de uma restauração que não pode converter-se numa realidade política. Grande parte da crônica destes 50 anos está profundamente desacreditada aos olhos do povo; e não seriam os Romanovs quem, se regressassem, iriam reabilitá-la. A revolução deve reabilitar-se a si própria, por seus próprios esforços.     

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