sexta-feira, 12 de julho de 2013

“Lênin” - György Lukács


Resenha Livro #64 “Lênin – um estudo sobre a unidade de seu pensamento” - György Lukács Ed. Boitempo



Este ensaio foi escrito em 1924, um ano após a publicação da mais conhecida obra do filósofo marxista húngado, “História e Consciência de Classe”. Lukács nasceu em 1885 em Budapeste na Hungria. Doutorou-se em Direito e Filosofia pela Universidade de Budapeste. Em 1918, influenciado por Béla Kun, líder comunista que governou brevemente a Húngria em 1919, Lukács aderiu ao partido comunista. Viveu durante 15 anos em Moscou (1930-1945), onde trabalhou como pesquisador no Instituto-Marx-Engels-Lênin[i]. De volta à Hungria, Lukács deu aulas como professor universitário e faleceu em 1971.

Este pequeno ensaio intitulado “Lênin – um estudo sobre a unidade de seu pensamento”, veio a ser escrito por ocasião da morte do dirigente revolucionário russo. Não se trata de um biografia de Lênin, nem tampouco análise crítica de todas as questões teóricas decorrentes dos escritos e da intervenção do dirigente marxista da antiga URSS. Há, no livro, um pouco dos dois, ainda que se predomine informações sobre as ideias de Lênin (e não sobre sua vida) numa busca de uma síntese que conforme uma unidade do pensamento de Lênin por toda sua vida. Certamente, as descobertas, a percepção da realidade e o seu resultado em políticas aplicadas à realidade concreta, todas estas questões vão sempre dialogar de alguma forma com circunstâncias específicas da vida de Lênin – assim tanto a vida pessoal quanto a contribuição teórica aparecem também como parte da “unidade” enunciada no título do trabalho de Lukács.

Tem-se dividido a obra de Lukács entre sua fase jovem e sua fase madura (algo que também ocorreu com as obras de Karl Marx). Dentre as diferenças entre o jovem e velho Lukács, fala-se em primeiro lugar numa mudança de estilo. “Lênin” foi escrito em 1924, correspondendo a fase do “jovem” Lukács. Quanto ao estilo diz-se que os textos da juventude possuem uma narrativa mais contagiante enquanto os escritos da velhice costumavam ser ditados e eram, talvez por isso, mais sóbrios e mesmo mais fatigante. De certo, o texto de Lukács é impecável em “Lênin”. É complexo ser simples sem ser simplista, ou seja, é necessário bastante conhecimento acerca de determinado assunto, em si complexo, para que haja a capacidade de se transmitir ideias acerca do assunto profundo de forma didática.

 Mesmo num ensaio de 120 páginas, Lukács consegue aprofundar o pensamento leninista, entre outros, acerca do: (i) protagonismo e centralidade do proletariado como classe dirigente, discorrendo sobre a composição das classes sociais na Rússia revolucionária e a perspectiva leniniana de articular alianças junto ao campesinato (predominante da Rússia pré-revolucionária e classe social com fortes pressões burguesas) bem como todas as demais classes esmagadas e oprimidas pelo czarismo e pelo rápido desenvolvimento capitalista na Rússia, a partir do início do séc. XX;  (ii) a necessidade do partido dirigente como ponto de apoio independente dos trabalhadores capaz de criar uma consciência de classe e garantir a autonomia de seus interesses; (iii) conforme Lênin, a questão da disciplina partidária. Ainda nesta oposição entre jovem e velho Lukács, há de se falar em distintas percepções acerca da questão do cotidiano, da análise e do sentido atribuído à cotidianidade: no jovem Lênin, predomina a ideia desde ser um momento de alienação enquanto no velho Lukács a temática é retomada buscando extrair o que há de real na reiteração de práticas e condutas dos homens na história.   

A questão do Partido Revolucionário

Assim como Lênin, Lukács partilhava da ideia de que a conjuntura histórica vivida pela Europa ao decorrer do início do séc. XX era uma conjuntura de crises, guerras e revoluções. Este último elemento, a Revolução e a conjuntura potencialmente revolucionária, agigantava as tarefas do partido revolucionário e revitalizava o pensamento de Lênin.

“Mas o modo como o proletariado reage a uma situação é algo que depende em grande parte da clareza e da energia que o partido é capaz de empregar na consecução de seus objetivos de classe. Desse modo, o velho problema – se a revolução pode ser “feita” ou não – ganha um significado inteiramente novo na época histórica da revolução. E com essa mudança de significado das questões organizacionais para o partido e para a totalidade do proletariado. Na base do antigo problema do “fazer” da revolução reside uma separação rígida, não dialética, entre a necessidade do curso histórico e a atividade do partido agente. Se o “fazer” da revolução significa sua criação mágica a partir do nada, isto tem de ser absolutamente negado. A atividade do partido na era da revolução significa algo fundamentalmente diferente. Se o caráter essencial da época é revolucionário, uma situação revolucionária aguda pode se apresentar a qualquer momento. O momento e as circunstâncias de seu surgimento dificilmente podem ser previstos com exatidão. Mas é possível prever tanto aquelas tendências que conduzem a ela quanto as linhas fundamentais da ação correta a ser implementada quando se seu surgimento. A atividade do partida funda-se nesse conhecimento histórico. O partido tem de preparar a revolução.    

Quer dizer, ele tem, por um lado, de procurar atuar (por meio da influência sobre a ação do proletariado e também das outras camadas exploradas) para a aceleração   do processo de amadurecimento dessas tendências revolucionárias; por outro lado, no entanto, ele tem de preparar o proletariado ideológica, tática, material e organizacionalmente para a ação necessária na situação revolucionária aguda”. (...) “Essa adequação à vida da totalidade é impossível sem a mais rígida disciplina no partido. Se o partido não é capaz de adequar momentaneamente seu conhecimento à situação sempre cambiante, chega toda vez depois dos acontecimentos, converte-se de dirigente à dirigido, perde o contato com as massas, desorganiza-se. A consequência disso é que a organização tem sempre de funcionar com a mais extrema austeridade e rigidez a fim de transformar essa adequação em ação tão logo seja necessário. Ao mesmo tempo, porém, isso significa que essa exigência de adequabilidade também tem de ser aplicada a todo instante na própria organização”.

Por meio deste trecho é possível verificar em primeiro lugar que as tarefas ou a finalidade do partido revolucionário vai depender da conjuntura histórica: Lênin e Lukács teorizam o partido desde um ponto de vista segundo o qual a Europa e o mundo passavam por uma fase potencialmente revolucionária.

O mesmo pode ser dito com relação à forma do partido: esta ainda mais irá depender não só das circunstâncias históricas gerais, mas da própria situação política: sob a repressão policial constante decorrente da dominação czarista, Lênin pensou numa forma partidária altamente centralizada, formada ao máximo possível por revolucionários profissionais e especializados, com divisão de tarefas conforme a aptidão, trabalhos clandestinos mesclados com atuação pela legalidade. E, junto à centralização organizativa, o partido deve atingir o maior raio de incidência possível sobre a classe operária e os demais setores explorados. Quanto à finalidade partidária, podemos dizer que a mesma diz respeito a “preparar” a classe para a luta e para revolução, esta última sendo considerada fenômeno histórico. Ou seja, algo que não pode ser “agendado” por uma organização de revolucionários militantes e profissionais. O que é possível é buscar analisar as linhas gerais do desenvolvimento histórico e preparar ao máximo a classe para o embate decisivo junto contra a classe dominante.




[i] Na brochura da edição da Boitempo, há uma foto do Instituto, bem como outras imagens pouco conhecidas de Lênin.

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