“Um Reformismo Quase sem Reformas – uma crítica marxista do
governo Lula em defesa da revolução brasileira” – Valério Arcary - Ed. Sundermann 2011
Resenha livro # 56
Valério Arcary é historiador,
professor do IFSP e dirigente do PSTU,
Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado. O seu livro corresponde à uma
compilação de 10 artigos que versam basicamente sobre a experiência do governo
do PT à frente do governo nacional. É, nesse sentido, uma obra que está
inteiramente permeada de polêmicas junto aos setores da esquerda governista. De
fato, a experiência da eleição de Lula em seus dois mandatos foram objeto das
maiores confusões no âmbito da esquerda. Houve quem visse os fenômenos do aumento
real do salário mínimo, a expansão do crédito e a atenuação da miséria de
parcela significativa da população por meio do bolsa família como um sinal de
que se tratava de um governo aliado do povo e da classe trabalhadora. Por outro
lado, outros setores mais críticos ao governo, vislumbrando corretamente o
compromisso histórico firmado entre a direção do PT e a burguesia brasileira
(acordo materializado na “Carta ao Povo Brasileiro” de 2002 e na nomeação de
Henrique Meirelles à chefia do Banco Central), porém dizendo ser este um
governo “em disputa”, de forma que construir alternativas ao bloco governista,
tanto do ponto de vista partidário quanto no âmbito sindical, criaria melhores
condições para um encaminhamento ainda mais à direita do governo.
Quanto a este problema específico,
qual seja, a polêmica acerca da viabilidade do PT enquanto instrumento da
revolução brasileira, dois capítulos do livro são dignos de nota. Em “A
invensão de uma esquerda internacionalista para o novo século, à luz dos
dilemas do marxismo alemão e russo de há cem anos atrás”, Arcary traça um
paralelo bastante pertinente entre a experiência do PT e a atuação dos
socialistas revolucionários frente à capitulação do partido dos trabalhadores
ao papel de gestor do capitalismo brasileiro e as experiências de degeneração
do partido social democrata alemão – fenômeno do qual Rosa Luxemburgo extraiu
as lições acerca destas tensões envolvendo a pressão pela unidade da esquerda e
a exigência de um partido independente dos trabalhadores. Há igualmente uma
comparação com a experiência de Lênin, o seu “racha” com o social-chauvinismo
da segunda internacional com a conformação da III Internacional, para além da
divisão entre mencheviques (“minoria” , reformista) e bolcheviques (“maioria”,
revolucionária).
O que há de se destacar aqui é
que as condições brasileiras – de país periférico do capitalismo mundial e com
uma classe operária com significativo peso social, porém inexperiente quanto
aos embates de classe – fizeram com que o transformismo do PT, sua adaptação à
ordem e seu compromisso mesmo de ampliar o ajuste neoliberal com
contra-reformas, todo este processo de degeneração ocorreu numa escala de tempo
muito menor, foi um processo acelerado em comparação à Alemanha e França, que
transformou um partido que se forjou a partir das experiências da luta de
classes durante a fase final da ditadura, desde o avanço grevista de 1978/1979, como um partido operário independente – ainda que
desde seu início já preso à lógica reformista e parlamentar de seus grupos
dominantes. A consolidação daquela direção à frente do partido e as primeiras
experiências de mandatos parlamentares e nos executivos foram criando as
condições para a consolidação de um partido que aparecesse como uma alternativa
viável à burguesia brasileira e imperialista, particularmente em momentos de
crise, fenômeno premente na América Latina, destacando-se as lutas de classes
na Venezuela, Bolívia, Equador, entre outros, ao longo dos anos 2000.
Ao credenciar-se como uma
alternativa burguesa à gestão do capitalismo brasileiro, o PT logrou alcançar
resultados mais satisfatórios, desde o ponto de vista da dominação do capital,
do que a experiência do PSDB no governo. Assim, Valério alerta-nos, em seu capítulo
dedicado à análise do mensalão em 2005, como o próprio imperialismo
norte-americano ajudou a blindar o governo durante a crise – por meio da visita ao Brasil de enviado da casa branca com o
intuito especifico de levar o apoio do imperialismo ao PT frente à crise instaurada pela revelação do instituto da compra de votos no congresso
nacional. Se setores da esquerda como o MST erroneamente viam nas movimentações
de setores da burguesia brasileira (por. ex. a seção paulista da OAB, além da
oposição de direita do PSDB/PFL) um movimento para derrubar o “governo popular”
– incorrendo no erro de não observar o apoio incondicional ao governo das
frações mais importantes da burguesia nacional, da burguesia financeira (lembrando
que o próprio Lula afirmava sem pudor que os bancos não lucraram tanto em seu
governo, não sem razão[1]) e
do agronegócio (Lula foi considerado o “herói dos usineiros”), além do próprio
imperialismo norte-americano que encontrara no Brasil um interlocutor entre
países que diferentemente do nosso não canalizaram o mal estar do ajuste
neoliberal nas urnas, mas nas ruas: o Brasil, portanto, desempenhando um papel sub-imperialista na América
Latina, tendo como aspecto mais emblemático de sua subordinação ao jugo do
imperialismo mundial, a sua intervenção à serviço dos EUA no Haiti. Não só atendendo os
interesses externos: preparando também do ponto de vista técnico as forças armadas
para a ocupação e controle policial das periferias dos grandes centros urbanos,
tais quais os morros do RJ.
Um reformismo sem reformas é uma
boa escolha de título de livro que se propõe a se debruçar acerca da experiência
de um governo que se apoiou e se apoia em uma retórica de esquerda, enquanto
governa para os capitalistas, para os banqueiros e para o imperialismo. Esta
situação não diz respeito exclusivamente à suposta “falta de vontade” do
governo aprovar reformas progressistas, como a reforma agrária ou a reforma
urbana, apoiando-se na mobilização de massas. Ocorre que, ao contrário do que
ocorreu a partir da segunda metade do século XX, quando as burguesias nacionais
dos países centrais, temendo novas revoluções de outubro, aceitaram negociar reformas junto ao
proletariado, abre-se agora um novo período histórico pós 1989/1991. Há de se
destacar que o capitalismo em nível mundial passa por uma nova fase,
afastando-se crescentemente dos padrões do estado de bem estar social e
retirando direitos sociais, econômicos e laborais – por meio do ajuste
neoliberal dos anos 1990 e agora desde o endividamento dos estados nacionais decorrente
de políticas de auxílio estatal às quebras de bancos e empresas abertas pela
crise mundial de 2008.
Em outras palavras, e ao contrário do que afirmam os discursos otimistas do governo que nomeia a si próprio como “desenvolvimentista”, vivemos numa época histórica em que fica cada vez menos possível a concessão das grandes reformas estruturais pelas quais a revolução brasileira aspira. Aqui ousaríamos acrescentar um elemento ao nome do livro do professor Arcary. Além de ter sido o governo Lula e ser o atual governo Dilma, um governo sem reformas (sem reforma agrária, sem reforma urbana, sem reforma que combata o monopólio da mídia, sem reformas laborais que ampliem direitos como a redução de jornada de trabalho, etc.), com concessões tímidas envolvendo aumento real do salário mínimo e do salário médio do trabalhador manual, além do bolsa família, e, ainda, com contra-reformas, como a reforma previdenciária (que implicou na expulsão de parlamentares à esquerda do PT e na fundação do PSOL em 2003), e agora a proposta de reforma trabalhista por meio do ACE (Acordo Coletivo Especial), reforma decorrente de uma ironia trágica da história: o principal sindicato que impulsionou o movimento operário do ABC em fins dos anos 1970, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC é simplesmente o autor do projeto de lei que representa o mais grave ataque aos direitos laborais desde a mobilização do exército a mando do governo FHC para quebrar a greve dos petroleiros em 1995. Em outras palavras, além de não avançar nas reformas democráticas – por substituir o sujeito social da mudança, do proletariado liderando as massas populares aos acordos junto às oligarquias regionais (Ex. José Sarney), à burguesia financeira da avenida paulista e ao imperialismo, hoje personificado na figura de Obama, para quem Lula é o “cara”- além de não avançar nas reformas democráticas, fez e faz o governo contra-reformas, ao mesmo tempo em que alimenta ilusões no povo na viabilidade do estado burguês. Como uma esfinge enigmática, muitos estudos mais ainda serão necessários para compreendermos o que significou o governo nacional do PT nestes últimos 10 anos, destacando-se sua mutação (e a de seu braço sindical, a CUT) de partido operário independente em partido da gestão do capitalismo brasileiro, de sindicato combativo, a sindicato autor de projeto de lei que ataca direitos laborais.
Em outras palavras, e ao contrário do que afirmam os discursos otimistas do governo que nomeia a si próprio como “desenvolvimentista”, vivemos numa época histórica em que fica cada vez menos possível a concessão das grandes reformas estruturais pelas quais a revolução brasileira aspira. Aqui ousaríamos acrescentar um elemento ao nome do livro do professor Arcary. Além de ter sido o governo Lula e ser o atual governo Dilma, um governo sem reformas (sem reforma agrária, sem reforma urbana, sem reforma que combata o monopólio da mídia, sem reformas laborais que ampliem direitos como a redução de jornada de trabalho, etc.), com concessões tímidas envolvendo aumento real do salário mínimo e do salário médio do trabalhador manual, além do bolsa família, e, ainda, com contra-reformas, como a reforma previdenciária (que implicou na expulsão de parlamentares à esquerda do PT e na fundação do PSOL em 2003), e agora a proposta de reforma trabalhista por meio do ACE (Acordo Coletivo Especial), reforma decorrente de uma ironia trágica da história: o principal sindicato que impulsionou o movimento operário do ABC em fins dos anos 1970, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC é simplesmente o autor do projeto de lei que representa o mais grave ataque aos direitos laborais desde a mobilização do exército a mando do governo FHC para quebrar a greve dos petroleiros em 1995. Em outras palavras, além de não avançar nas reformas democráticas – por substituir o sujeito social da mudança, do proletariado liderando as massas populares aos acordos junto às oligarquias regionais (Ex. José Sarney), à burguesia financeira da avenida paulista e ao imperialismo, hoje personificado na figura de Obama, para quem Lula é o “cara”- além de não avançar nas reformas democráticas, fez e faz o governo contra-reformas, ao mesmo tempo em que alimenta ilusões no povo na viabilidade do estado burguês. Como uma esfinge enigmática, muitos estudos mais ainda serão necessários para compreendermos o que significou o governo nacional do PT nestes últimos 10 anos, destacando-se sua mutação (e a de seu braço sindical, a CUT) de partido operário independente em partido da gestão do capitalismo brasileiro, de sindicato combativo, a sindicato autor de projeto de lei que ataca direitos laborais.
[1] De acordo
com matéria do Correio Braziliense, a partir de dados consolidados do próprio
Banco Central, as 100 maiores instituições financeiras do país acumularam
lucros de R$ 127,8 bilhões entre 2003 e 2009, os sete anos de governo Lula. Nem
mesmo a crise econômica que balançou o planeta impediu os lucros do setor. Ao
contrário, o setor foi um dos poucos que passaram incólumes e ainda aumentaram
seus lucros. Fonte: http://www.pstu.org.br/node/15441
Acesso em 07.05.2013
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