terça-feira, 7 de maio de 2013

“Um Reformismo Quase sem Reformas – uma crítica marxista do governo Lula em defesa da revolução brasileira” – Valério Arcary


“Um Reformismo Quase sem Reformas – uma crítica marxista do governo Lula em defesa da revolução brasileira” – Valério Arcary - Ed. Sundermann 2011

Resenha livro # 56

Valério Arcary é historiador, professor do IFSP  e dirigente do PSTU, Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado. O seu livro corresponde à uma compilação de 10 artigos que versam basicamente sobre a experiência do governo do PT à frente do governo nacional. É, nesse sentido, uma obra que está inteiramente permeada de polêmicas junto aos setores da esquerda governista. De fato, a experiência da eleição de Lula em seus dois mandatos foram objeto das maiores confusões no âmbito da esquerda. Houve quem visse os fenômenos do aumento real do salário mínimo, a expansão do crédito e a atenuação da miséria de parcela significativa da população por meio do bolsa família como um sinal de que se tratava de um governo aliado do povo e da classe trabalhadora. Por outro lado, outros setores mais críticos ao governo, vislumbrando corretamente o compromisso histórico firmado entre a direção do PT e a burguesia brasileira (acordo materializado na “Carta ao Povo Brasileiro” de 2002 e na nomeação de Henrique Meirelles à chefia do Banco Central), porém dizendo ser este um governo “em disputa”, de forma que construir alternativas ao bloco governista, tanto do ponto de vista partidário quanto no âmbito sindical, criaria melhores condições para um encaminhamento ainda mais à direita do governo.

Quanto a este problema específico, qual seja, a polêmica acerca da viabilidade do PT enquanto instrumento da revolução brasileira, dois capítulos do livro são dignos de nota. Em “A invensão de uma esquerda internacionalista para o novo século, à luz dos dilemas do marxismo alemão e russo de há cem anos atrás”, Arcary traça um paralelo bastante pertinente entre a experiência do PT e a atuação dos socialistas revolucionários frente à capitulação do partido dos trabalhadores ao papel de gestor do capitalismo brasileiro e as experiências de degeneração do partido social democrata alemão – fenômeno do qual Rosa Luxemburgo extraiu as lições acerca destas tensões envolvendo a pressão pela unidade da esquerda e a exigência de um partido independente dos trabalhadores. Há igualmente uma comparação com a experiência de Lênin, o seu “racha” com o social-chauvinismo da segunda internacional com a conformação da III Internacional, para além da divisão entre mencheviques (“minoria” , reformista) e bolcheviques (“maioria”, revolucionária).

O que há de se destacar aqui é que as condições brasileiras – de país periférico do capitalismo mundial e com uma classe operária com significativo peso social, porém inexperiente quanto aos embates de classe – fizeram com que o transformismo do PT, sua adaptação à ordem e seu compromisso mesmo de ampliar o ajuste neoliberal com contra-reformas, todo este processo de degeneração ocorreu numa escala de tempo muito menor, foi um processo acelerado em comparação à Alemanha e França, que transformou um partido que se forjou a partir das experiências da luta de classes durante a fase final da ditadura, desde o avanço  grevista de 1978/1979, como  um partido operário independente – ainda que desde seu início já preso à lógica reformista e parlamentar de seus grupos dominantes. A consolidação daquela direção à frente do partido e as primeiras experiências de mandatos parlamentares e nos executivos foram criando as condições para a consolidação de um partido que aparecesse como uma alternativa viável à burguesia brasileira e imperialista, particularmente em momentos de crise, fenômeno premente na América Latina, destacando-se as lutas de classes na Venezuela, Bolívia, Equador, entre outros, ao longo dos anos 2000.      

Ao credenciar-se como uma alternativa burguesa à gestão do capitalismo brasileiro, o PT logrou alcançar resultados mais satisfatórios, desde o ponto de vista da dominação do capital, do que a experiência do PSDB no governo. Assim, Valério alerta-nos, em seu capítulo dedicado à análise do mensalão em 2005, como o próprio imperialismo norte-americano ajudou a blindar o governo durante a crise – por meio da visita ao Brasil de enviado da casa branca com o intuito especifico de levar o apoio do imperialismo ao PT frente à crise instaurada pela revelação do instituto da compra de votos no congresso nacional. Se setores da esquerda como o MST erroneamente viam nas movimentações de setores da burguesia brasileira (por. ex. a seção paulista da OAB, além da oposição de direita do PSDB/PFL) um movimento para derrubar o “governo popular” – incorrendo no erro de não observar o apoio incondicional ao governo das frações mais importantes da burguesia nacional, da burguesia financeira (lembrando que o próprio Lula afirmava sem pudor que os bancos não lucraram tanto em seu governo, não sem razão[1]) e do agronegócio (Lula foi considerado o “herói dos usineiros”), além do próprio imperialismo norte-americano que encontrara no Brasil um interlocutor entre países que diferentemente do nosso não canalizaram o mal estar do ajuste neoliberal nas urnas, mas nas ruas: o Brasil, portanto,  desempenhando um papel sub-imperialista na América Latina, tendo como aspecto mais emblemático de sua subordinação ao jugo do imperialismo mundial, a sua intervenção à serviço dos EUA no Haiti. Não só atendendo os interesses externos: preparando também do ponto de vista técnico as forças armadas para a ocupação e controle policial das periferias dos grandes centros urbanos, tais quais os morros do RJ.  

Um reformismo sem reformas é uma boa escolha de título de livro que se propõe a  se debruçar acerca da experiência de um governo que se apoiou e se apoia em uma retórica de esquerda, enquanto governa para os capitalistas, para os banqueiros e para o imperialismo. Esta situação não diz respeito exclusivamente à suposta “falta de vontade” do governo aprovar reformas progressistas, como a reforma agrária ou a reforma urbana, apoiando-se na mobilização de massas. Ocorre que, ao contrário do que ocorreu a partir da segunda metade do século XX, quando as burguesias nacionais dos países centrais, temendo novas revoluções de outubro,  aceitaram negociar reformas junto ao proletariado, abre-se agora um novo período histórico pós 1989/1991. Há de se destacar que o capitalismo em nível mundial passa por uma nova fase, afastando-se crescentemente dos padrões do estado de bem estar social e retirando direitos sociais, econômicos e laborais – por meio do ajuste neoliberal dos anos 1990 e agora desde o endividamento dos estados nacionais decorrente de políticas de auxílio estatal às quebras de bancos e empresas abertas pela crise mundial de 2008.

Em outras palavras, e ao contrário do que afirmam os discursos otimistas do governo que nomeia a si próprio como “desenvolvimentista”, vivemos numa época histórica em que fica cada vez menos possível a concessão das grandes reformas estruturais pelas quais a revolução brasileira aspira. Aqui ousaríamos acrescentar um elemento ao nome do livro do professor Arcary. Além de ter sido o governo Lula e ser o atual governo Dilma, um governo sem reformas (sem reforma agrária, sem reforma urbana, sem reforma que combata o monopólio da mídia, sem reformas laborais que ampliem direitos como a redução de jornada de trabalho, etc.), com concessões tímidas envolvendo aumento real do salário mínimo e do salário médio do trabalhador manual, além do bolsa família, e, ainda, com contra-reformas, como a reforma previdenciária (que implicou na expulsão de parlamentares à esquerda do PT e na fundação do PSOL em 2003), e agora a proposta de reforma trabalhista por meio do ACE (Acordo Coletivo Especial), reforma decorrente de uma ironia trágica da história: o principal sindicato que impulsionou o movimento operário do ABC em fins dos anos 1970, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC é simplesmente o autor do projeto de lei que representa o mais grave ataque aos direitos laborais desde a mobilização do exército a mando do governo FHC para quebrar a greve dos petroleiros em 1995. Em outras palavras, além de não avançar nas reformas democráticas – por substituir o sujeito social da mudança, do proletariado liderando as massas populares aos acordos junto às oligarquias regionais (Ex. José Sarney), à burguesia financeira da avenida paulista e ao imperialismo, hoje personificado na figura de Obama, para quem Lula é o “cara”- além de não avançar nas reformas democráticas, fez e faz o governo contra-reformas, ao mesmo tempo em que alimenta ilusões no povo na viabilidade do estado burguês. Como uma esfinge enigmática, muitos estudos mais ainda serão necessários para compreendermos o que significou o governo nacional do PT nestes últimos 10 anos, destacando-se sua mutação (e a de seu braço sindical, a CUT) de partido operário independente em partido da gestão do capitalismo brasileiro, de sindicato combativo, a sindicato autor de projeto de lei que ataca direitos laborais.      




[1] De acordo com matéria do Correio Braziliense, a partir de dados consolidados do próprio Banco Central, as 100 maiores instituições financeiras do país acumularam lucros de R$ 127,8 bilhões entre 2003 e 2009, os sete anos de governo Lula. Nem mesmo a crise econômica que balançou o planeta impediu os lucros do setor. Ao contrário, o setor foi um dos poucos que passaram incólumes e ainda aumentaram seus lucros. Fonte: http://www.pstu.org.br/node/15441 Acesso em 07.05.2013

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