terça-feira, 14 de maio de 2013

“O Papel do Indivíduo na História” - G. V. Plekhanov




Resenha Livro 57# “O Papel do Indivíduo na História” – Plekhanov

“O Papel do Indivíduo na História”, além de nomear o livro, é também o título do 3º e último capítulo da obra. Os outros dois capítulos iniciais também versam sobre o que poderíamos chamar de teoria ou filosofia da história: “Da Filosofia da História” e “Da Concepção Materialista da História”.

Assim, o que perpassa todos os artigos do pensador marxista russo é a preocupação em delinear o que é o materialismo histórico e o materialismo dialético. Tal exposição diz respeito à análise da história, situando, igualmente, outras correntes historiográficas e, particularmente no 3º capítulo, polemizando com outras correntes teóricas (subjetivistas e correntes materialistas que negam absolutamente a importância do elemento individual na história).


G. V. Plekhanov (1856-1918) é um dos introdutores do marxismo na Rússia, considerado como pertencente da primeira geração dos marxistas daquele país. Ainda que tenha se aliado aos mencheviques e não tenha apoioado a revolução de outubro de 1917, ainda é reivindicado como referência teórica. Vale mencionar as palavras de Lênin, que alerta sobre a necessidade de não fazer este autor cair no esquecimento.  “A melhor exposição da filosofia do marxismo e do materialismo dialético é a feita por Plekhanov. (...) Penso que não demais observar aos jovens membros do partido que não é possível tornar-se um verdadeiro comunista, dotado de consciência de classe, sem estudar – friso estudar   - tudo o que Plekhanov escreveu sobre filosofia, pois é o que há de melhor na literatura internacional do marxismo”.

O texto do autor russo certamente remete ao ponto de vista de um homem do final do séc. XIX que, mesmo sob a orientação do marxismo, não deixa de projetar certa intenção de dar contornos de cientificidade às análises. Plakhanov escreve como um cuidadoso cientista que vai didaticamente descrevendo para onde caminha sua linha de raciocínio, como se chega a determinada conclusão, etc. Há algo de empírico na sua narrativa. Certamente, o marxismo não seria uma corrente filosófica que não passaria totalmente imune ao predomínio da ideia da construção de uma ciência social equiparável às ciências naturais, ou seja, da pretensão de cientificidade e  estrita objetividade da análise das relações sociais, predominante na corrente filosófica positivista.

Certamente, os marxistas de então tinham a pretensão de apreender de forma científica uma realidade, ainda que, também certamente, o marxismo e seu entendimento da totalidade das relações sociais projetadas pelo modo de produção, alcançasse o maior grau de profundidade nas análises do que todas as demais correntes de pensamento. Desde o período em que a burguesia deixa de ser uma classe revolucionária para ser uma classe social dominante interessada em manter sua condição, ou seja, uma classe reacionária, a sua economia política clássica e “revolucionária” (Smith-Ricardo) degrada-se em economia política vulgar e “reacionária” (Malthus- Hill). Igualmente, conformando-se o proletariado enquanto sujeito em si para sujeito para si, sob a inspiração do marxismo, este sujeito social poderá ter condições de manter um olhar mais profundo da realidade, por sua posição social no mundo e por sua capacidade de,  como classe, superar historicamente o modo de produção capitalista.

Da Filosofia da História

O 1º capítulo é na verdade uma conferência dada por Plekhanov em Genebra em 1901. Neste ensaio, o autor faz resgate das principais correntes que explicaram as razões de ser das mudanças históricas. A concepção teleológica da história, a mais primitiva, é marcada pelo pensamento pré-científico, que encontra em motivos sobrenaturais – incompatíveis com método científico – a explicação do curso da história. Santo Agostinho, por exemplo, estabelece que os acontecimentos históricos estão inteiramente submetidos à providência divina.

A concepção idealista da História representa um avanço. Esta linha afasta-se das explicações sobrenaturais, estabelecendo que são as opiniões mais ou menos dominantes de certa sociedade é a causa mais profunda do desenvolvimento da história. Por esta perspectiva, Voltaire afirmarava ser o cristianismo a causa da queda do império romano. Entretanto, a concepção idealista ainda mantém limites. Segundo Plekhanov, in verbis:

“A concepção idealista da História é verdadeira no sentido de que há nela uma parte de verdade. Sim, há verdade. A opinião tem grande influência sobre os homens. Temos, pois, o direito de dizer que governa o mundo. Mas, não temos o direito de perguntar se esta opinião que governa o mundo não é governada por sua vez? Em outros termos, podemos e devemos perguntar se as opiniões e os sentimentos dos homens são algo submetido ao acaso. Formular essa pergunta é resolvê-la imediatamente em sentido negativo. Não, as opiniões e os sentimentos dos homens não estão sujeitos ao acaso. Sua origem e evolução estão subordinados a leis que devemos estudar”.

Depois de ir delineando a evolução da teoria da história, desde os enciclopedistas, até os historiadores da reação pós-revolução francesa, passando por Hegel, Plekhanov chega até a concepção marxista da História, a única ferramenta teórico-metodológico capaz de explicar as leis gerais do movimento histórico. Para Marx, são as relações de produção que determinam todas as outras relações que existem entre os homens na sua vida social (cultura, política, direito, arte, etc.). As relações de produção por sua vez não são dadas ao acaso, mas pelo estágio de desenvolvimento das forças produtivas da sociedade. Assim, determinadas pelo desenvolvimento das forças produtivas (capacidade de domínio do homem sobre a natureza, o que envolve desenvolvimento de técnicas de produção), o mundo assistiu a diversos tipos de sociedade: caçador, agricultor, comercial, industrial e financeiro. Diz Plekhanov: “Cada um desses tipos de sociedade é caraterizado por certas relações entre os homens, relações que não dependem de sua vontade e que são determinadas pelo estado das forças produtivas”.

As relações de produção igualmente projetam/decidem as relações de propriedade. Se no feudalismo, o modo de produção implicava em determinados institutos que informavam as relações de propriedade (institutos como servidão, descentralização político-administrativa, vassalagem, hegemonia relativa das ideias da Igreja Católica), sob o capitalismo opera a lógica da propriedade privada e da disponibilidade no mercado da força de trabalho, convertida em valor de troca, em mercadoria, enquanto o "espírito do capitalismo" é informado pela emergente ética protestante.

“O Papel do indivíduo na História” segue com as análises sobre as distintas concepções materialistas da história, destacando-se especificamente Labriola.

Já no último capítulo, há a busca do estabelecimento de uma síntese entre as correntes historiográficas subjetivistas (que super-estimavam a influência do indivíduo na história, condicionando todos os grandes eventos da história às particularidades individuais dos líderes de cada tempo) e as correntes deterministas, para quem a história se desenvolve exclusivamente por meio de leis e funções independentes da vontade do homem. 

Desde o ponto de vista do materialismo histórico-dialético, a história é determinada pelo desenvolvimento da luta de classes, pelo nível de desenvolvimento das forças produtivas e pelo modo de produção correspondente.  Se o processo histórico desenvolve-se por meio do conflito de classes, as condições gerais da economia e das relações de produção, quando estas entram em contradição com o grau de desenvolvimento das forças produtivas, geram rupturas políticas e institucionais. Abre-se um período de mudanças históricas e nestes marcos projetam-se indivíduos que, forjados em seu tempo, são capazes de exercer liderança e alterar o rumo da história, ao menos a curto e médio prazo. Entretanto, afirma Plekhanov, é pouco provável que a morte prematura de Napoleão teria implicado em rumos tão diferentes na história da França e da Europa do séc. XIX: muitos outros oficiais do exército francês (o mais poderoso da Europa de então) poderia estar a frente dos eventos e à altura dos desafios históricos. O que resta assinalar é que Marx coloca que as grandes questões, os grandes problemas apenas surgem na sociedade quando há a possibilidade de resolvê-los. O que se constata é que o homem faz a história, mas a faz nas condições históricas colocadas, independente da sua vontade. Ademais, a projeção de indivíduos que ganham destaque na história diz respeito às personalidades e inteligências capazes não só de situar o desenvolvimento e o curso/sentido da história, como acertar nas projeções de futuro. A história exige da ação humana consciente uma força para a sua transformação: relações de produção não caem de podre, apenas desmoronam tanto por leis objetivas da história quanto por movimentos subjetivos, associados à intervenção do homem e, mais importante, das classes sociais na história.

     

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