quinta-feira, 16 de maio de 2013

Saias na USP: Alguns apontamentos sobre tática, estratégia e opressões


Saias na USP: Alguns apontamentos sobre tática, estratégia e opressões



A questão da tática e da estratégia foi, no movimento socialista, objeto de interesse pelos marxistas somente a partir da III Internacional. Isso significa que até a II Internacional, não havia uma delimitação clara entre estratégia e tática, diluindo-se a primeira na segunda, não se condicionando a segundo às exigências da primeira. “Isso não era casual, tinha a ver com a entrada naquilo que Lenin chamou de “época de crises, guerras e revoluções”, e com a enorme experiência adquirida a partir da revolução de outubro, e em geral com os grandes enfrentamentos entre revolução e contrarrevolução que se sucederam”[1]. 
A luta revolucionária do proletariado envolve a constituição de uma vanguarda (organizada necessariamente em partido revolucionário) que se coloque a altura dos desafios históricos, que dirija as massas exploradas e oprimidas pelo capital, a partir de um movimento que, de forma unificada e orquestrada, golpeie com todas as forças sociais disponíveis a burguesia, expropriando-a de seu poder econômico e político. A expropriação política diz respeito à dissolução imediata do estado e suas instituições adjacentes, processo que só pode ser forjado em meio a um processo ou conjuntura revolucionária, com a criação de organismos de duplo poder (como os Sovietes entre fevereiro e outubro de 1917 na Rússia), com o esmagamento do aparato repressivo-ideológico do estado burguês, expulsão de todos políticos profissionais, magistrados, burocratas de alto escalão e partidos políticos da grande e média burguesia, apenas se permitindo a existência política dos partidos que apoiam as bandeiras da revolução: a ditadura do proletariado como a forma social transitória que caminha para o comunismo, uma nova sociedade não mais fracionada em classes, infinitamente mais livre e igual que a sociedade capitalista.

E mais: a luta pelo poder envolve a constituição de milícias operárias e o armamento do proletariado, concomitante à dissolução da polícia e de todo aparato repressivo do estado burguês, para garantir o processo de transição, sendo necessária uma generalização mundial da revolução. Do ponto de vista político, há a construção de um novo poder a partir dos órgãos de produção, os conselhos de fábrica ou os "soviets", baseando-se o movimento no método do coletivismo, da democracia direta e da horizontalidade/igualdade entre os distintos partidos que apoiam a revolução. Todos os órgãos de representação e decisão política passam a ser controlados diretamente pela base, por meio de mandatos revogáveis.
Para assegurar a vitória política sobre a burguesia, para além da dissolução de todos os seus órgãos de poder, no plano moral é necessária a mais total disciplina partidária da vanguarda que deve, de forma coordenada, dirigir a revolução sem substituir o sujeito histórico (afastando-se de todo subsititucionismo ou blanquismo), mas atuando de forma permanente junto ao povo e aos trabalhadores, criando as bases de uma nova democracia socialista. É necessário igualmente um controle estrito das direções políticas pelas bases como forma de se evitar a burocratização do poder que, ao longo do séc. XX, conduziu ou vem conduzindo experiências revolucionárias à restauração capitalista.
Estes são alguns dos elementos gerais de estratégia a partir do qual devemos pensar as táticas políticas. A vitória tática é uma vitória episódica de uma batalha específica contra a burguesia. A vitória estratégica é a vitória histórica da guerra travada entre os capitalistas e o proletariado (a frente das massas exploradas, incluindo os camponeses, dirigidos pelo proletariado industrial e urbano) em nível mundial.
Nos principais processos revolucionários do séc. XX, os movimentos sociais e o movimento dos trabalhadores, via de regra, não conseguiram ir além do momento democrático da luta revolucionária, ocorrendo vitórias de "batalhas" (tática) e quase nenhuma vitória de “guerra” (estratégia). A exceção de uma experiência pós-capitalista (revolução social) é Outubro de 1917. Neste sentido, quanto às vitórias táticas, podemos citar a queda da ditadura na Nicarágua pela revolução Sandinistas, a Revolução de 1959 em Cuba, a Revolução dos Cravos em Portugal, a Revolução Vietnamita, os enfrentamentos de Allende no Chile nos anos 1970 ou mesmo a Revolução Iraniana (ainda que dirigida pelo clero islâmico, houve lá uma revolução política), como desenlaces de vitórias ou avanços no plano da tática: comparando-se à Revolução Russa, as principais revoluções do século XX não passaram de "fevereiro", não implicaram em revoluções não só políticas, mas sociais, que tivessem como perspectiva a superação do modo de produção capitalista e não apenas a remoção de ditaduras, de regimes corruptos ou obscenamente subordinados ao imperialismo.
Neste debate entre o que é tático e o que é estratégico, é necessário estabelecer alguns critérios de diferenciação, para pensar o que determina e o que é determinante na luta pelo socialismo. Deve-se como ponto de partida perceber como estes dois elementos relacionam-se entre si: deve-se entender a tática como algo indissociado da estratégia. Para manter a analogia com a linguagem militar, podemos dizer que uma guerra só é vencida após a vitória das diversas batalhas decisivas. Por outro lado, uma vitória tática só pode ser considerada como tal quando nos aproxima de algum modo da nossa estratégia. Sob este critério elementar (a indissociabilidade entre tática e a estratégia e a repercussão de uma verdadeira vitória tática sobre o desenlace da luta estratégica) é que devemos afirmar onde há uma vitória e onde há uma derrota, quando nos aproximamos ou quando nos afastamos do fim geral do movimento, a emancipação dos trabalhadores e dos homens frente ao mundo do capital.
É nestes marcos, desde uma reflexão envolvendo tática e estratégia, que, acreditamos, deve ser pensado o debate sobre opressões, como um momento de uma luta tática com potencialidade de repercutir favoravelmente no plano da estratégia. As opressões de gênero/raça/orientação sexual são em primeiro lugar expressões colaterais da exploração essencial do modo de produção capitalista, a luta entre capital e trabalho. O machismo reserva às mulheres os mais baixos salários, e a uma segunda ou tripla jornada de trabalho, envolvendo não só o emprego menos qualificado, mas tarefas como cozinhar, arrumar a casa, cuidar dos filhos, lavar e passar a roupa, etc. O machismo combina-se com o racismo, reservando à mulher negra as ocupações ainda mais precarizadas nas relações de trabalho: para quem está na universidade, basta observar a massa de trabalho terceirizado de limpeza, composto basicamente por mulheres e negras, sem direito, na universidade, à creches, lavanderias públicas e restaurantes gratuitos, eliminando a 2ª ou 3ª jornada. A violência contra LGBTT's envolve uma cultura homofóbica criada por certa indústria cultural que reitera padrões de heteronormatividade e não acolhe a diversidade de fato, ainda que o faça eventualmente no âmbito do discurso. Desde os programas de humor, até a propaganda, o cinema e a internet, o padrão hegemônico de heteronormatividade, machista, racista e homofóbico, se inserem na lógica do capital através dos meios mais insólitos. É válido citar os resultados da inadequação de homens e mulheres aos padrões heteronormativos: patologias como anorexia, bulimia e a depressão, trotes universitários opressores em diversos níveis, chistes e agressões a gays, lésbicas, travestis e trans, seguranças de festas e shoppings reprimindo manifestações de amor de homossexuais, etc. Poderíamos continuar por horas citando os exemplos, sendo válido mencionar apenas mais um: a apropriação pela indústria cultural da cultura racista, machista e homofóbica para a produção de qualquer tipo de bem/mercadoria cultural destinada ao consumo: dos programas humorísticos, até novelas e peças publicitárias que se servem das opressões para alimentar o lucro da Indústria Cultural.
Se consideramos as opressões como algo decorrente das exigências de valorização do capital, passa a ser incompatível lutar por diversidade e não lutar contra o sistema de miséria material e moral que produz a violência contra LGBTTs, que naturaliza a violência contra a mulher ou mesmo a responsabiliza pela violência sexual por meio de julgamento acerca da roupas usadas, além da violência cotidiana perpetrada pela polícia a jovens negros e negras das periferias. Como algo associado ao modo de produção capitalista, mais uma vez, percebemos como o problema da tática e da estratégia não podem ser dissociados, mas entendidos como dos momentos de uma luta comum, momentos que informam dialeticamente um ao outro. Assim, lutamos contra o capitalismo (estratégia) por que lutamos contra as opressões (tática). Lutamos contra as opressões (tática) por que lutamos contra o capitalismo (estratégia). A luta contra as opressões, cada batalha específica é um movimento tático que pode ou não nos aproximar da estratégia. Nestes marcos, acreditamos ser necessário tornar de forma prioritária as manifestações das opressões mais abertamente associadas à exploração do capital, como ponto de partidas: aqui as opressões podem ser mais facilmente desnaturalizadas por estarem mais diretamente relacionadas com as condições materiais de existência. Neste sentido, falta ao movimento, na universidade, lutar por creches, lavanderias e restaurantes públicos, combatendo as extenuantes duplas/triplas jornadas de trabalho.
Da luta tática avança-se na própria luta por uma percepção crítica do que é o trabalho sob o capitalismo, como o mundo se apoia na exploração do trabalho para a extração de mais-valia e o processo de valorização do capital. Quanto à violência contra LGBTT's, cada denúncia de ataques deve ser respondida igualmente sob o ângulo da estratégia, buscando, desde o caso concreto, fazer as mediações entre a brutalidade dos homofóbicos e a conivência do poder instituído (dado um parlamento que se nega a criminalizar a homofobia), denunciando igualmente as igrejas que ganham fartos dinheiros por meio de isenção de impostos ao mesmo tempo em que sustentam discursos de ódio ou pregando uma "cura" gay. No que tange o racismo, o patriarcalismo dominante numa ex-colônia escravista como a nossa deixa explícito como a acumulação inicial de capital comercial no ambito do colonialismo serviu-se da exploração escravista: a escravidão persiste explicando o racismo no Brasil. Todas as opressões, batalhas táticas, apenas avançarão pontualmente quando aproximarem-se da luta estratégica, pelo fim do capitalismo e pelo socialismo.
Saudamos a iniciativa dos companheiros que, em solidariedade ao colega vítima de homofobia na EACH, estão utilizando saias como forma de mostrar apoio. Entretanto, nossa intenção com este artigo foi a de, a partir da discussão sobre tática e estratégia, dar uma proposta de interpretação da questão das opressões sob o capitalismo, assinalando que uma luta consequente, que vá até a raiz do problema, envolve necessariamente revolucionar o mundo. 

Paulo Henrique de Oliveira Marçaioli – Independente da Juventude às Ruas  

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