terça-feira, 28 de maio de 2013

“Ler Marx” - E. Renault, G. Duménil e M. Löwy

"Ler Marx" - E. Renault, G. Duménil e M. Löwy

Resenha Livro 59# “Ler Marx” – E. Renault, G. Duménil e M. Löwy – Ed. Unesp

Este livro pode ser indicado como um guia introdutor das ideias de Karl Marx. A obra reúne três grandes ensaios que abordam as ideias de Marx desde a perspectiva da ciência política, da filosofia e da economia política, nesta ordem.

Os autores têm clareza de que existe certa arbitrariedade em dividir a obra de Marx em torno destas três grandes disciplinas. Toda esta obra é basicamente interdisciplinar, ainda que cada uma acabe dando relevo ora à política, ora à história, ora à sociologia, ora à filosofia ou teoria do conhecimento, ora à economia política. Outrossim, a divisão tem caráter didático e certamente ajuda a organizar toda produção de Marx (boa parte da qual inconclusa ou escrita de forma fragmentada) e orientar os rumos de cada uma de suas preocupações, conforme a respectiva disciplina. Agrupar o conhecimento ajuda a melhor compreendê-lo também como um todo. Outro ponto favorável ao esquema de organização do livro pensado pelos três pesquisadores franceses é o de buscar algumas sínteses decorrentes de uma leitura que acompanha a evolução histórica do pensamento de Marx, sínteses da política, da filosofia e da economia marxistas.

No âmbito da filosofia, as diferenciações entre o jovem e o velho Marx são mais significativas: Marx parte de determinada percepção que o localizava no campo dos jovens hegelianos de esquerda, supera a perspectiva idealista da história introduzindo a ideia da materialidade da vida social implicar em relações de propriedade e esquema jurídico-político correspondente, chegando a sua fase de maturidade com a “Ideologia Alemã”, em que a filosofia converte-se em filosofia da História. Por suposto, a análise filosófica de Marx, a cargo de E. Renault não poderia deixar de destrinchar as 11 teses de Feuerbach, culminando na talvez mais especial contribuição do marxismo à filosofia: para além de interpretar, é necessário transformar o mundo.

O ensaio sobre a política é de autoria de Michael Löwy. Como não poderia deixar de ser, uma análise sobre a perspectiva da política segundo Marx caminha junto com a sua própria experiência de vida e de militância. Assim, textos vitais como “O Manifesto Comunista” também são instrumentos de propaganda política e não propriamente estudos de ciência política decorrentes de uma pesquisa científica, como no caso dos três volumes do Capital. Mais uma vez, a obra acompanha a evolução do pensamento de Marx: da esquerda hegeliana ao comunismo, tendo como texto fundamental aqui a Crítica à Filosofia do Direito de Hegel (1843). Segundo Löwy, “essas notas dão testemunho da rápida radicalização do pensamento do jovem Marx ao longo do ano; constituem seu rompimento não apenas com a identificação hegeliana entre Estado racional e Estado prussiano, mas com toda concepção hegeliana de estado”.  A desmistificação da política e do estado criaria as condições para uma teoria política cuja prática envolvesse a superação e supressão do aparato estatal.

Os textos políticos evoluem e vão dialogando com os acontecimento que Marx vivencia, dentre eles o da conformação da 1ª Associação Internacional dos Trabalhadores, para quem Marx escreveu o preâmbulo dos estatutos da associação. Este pequeno texto, de uma objetividade e profundidade intrigantes, prescreve: que a emancipação dos trabalhadores deve ser obra dos próprios trabalhadores (independência de classe); que a luta dos trabalhadores não é uma luta por privilégios de classe, mas pelo fim de toda dominação de classe; a sujeição econômica é o fundamento da servidão no capitalismo, implicando, no trabalhador, aviltamento intelectual e dependência política; a necessidade de solidariedade entre os trabalhadores das diferentes profissões num mesmo país e união fraterna entre os trabalhadores dos diversos países (internacionalismo); entre outros.

Outro momento chave na produção filosófica e política de Marx decorre da experiência da Comuna de Paris, a partir da série de textos reunidos sob o nome de “Guerra Civil na França”. As maiores atrocidades praticadas pela burguesia, pelo clero e pelas classes proprietárias da França – dirigidos por Thiers – expôs de forma verdadeiramente pornográfica aquilo que já vinha sendo discutido desde a crítica a filosofia do direito de Hegel, a projeção dos interesses de classe na política e no estado. Nas palavras de Marx, “A civilização e a justiça da ordem burguesa revelam-se sob sua luz sinistra sempre que os escravos dessa ordem se levantam contra os seus mestres”.  

Continua Marx, delimitando a perspectiva de superação do estado e sua confrontação com os episódios da comuna: “Não foi portanto, uma revolução contra essa ou aquela forma de poder do estado, legitimista, constitucionalista, republicano ou imperial. Foi uma revolução contra o próprio estado, e esse aborto sobrenatural da sociedade; foi a tomada pelo povo e para o povo de sua própria vida social. Não foi uma revolução para transferir esse poder de uma fração das classes dominantes para outra, mas uma revolução para acabar com esse terrível aparelho de dominação de classe”.

Não há qualquer escapatória. A leitura dos textos originais de Marx não autorizam interpretações que de alguma forma compatibilizam o marxismo como ferramenta filosófica e de prática política e uma estratégia de reformas ou de ajustes do estado capitalista. Marx já ridicularizava e combatia tal posição ainda em vida, como é visto em “Crítica do Programa de Gotha” (1875). Diz Marx, de forma a dissipar qualquer dúvida quanto à radicalidade de seu projeto: “Acreditar que se pode construir uma nova sociedade com o apoio do estado como se constrói uma nova estrada de ferro é digno da imaginação fértil de Lassale (...) Entre a sociedade capitalista e a sociedade comunista situa-se o período de transformação revolucionária de uma em outra, ao qual corresponde um período de transição política, em que o estado não pode ser outra coisa senão a ditadura revolucionária do proletariado”.

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