terça-feira, 21 de maio de 2013

"Marx Sociologia" - Otávio Ianni

"Marx Sociologia" - Otávio Ianni


Resenha livro #58 “Marx: Sociologia” – Org. Octávio Ianni / Coordenação Florestan Fernandes Ed. Ática



                Tivemos acesso a esta obra, que corresponde a um dos livros de toda uma coleção de textos de sociologia dos principais autores desta disciplina entre os séculos XIX e XX. Como se sabe, os pensadores que iniciam a análise da sociedade desde um ponto de vista “científico” (considerando a noção particular de ciência na história das ideias de fins do séc. XIX) são E. Durkheim, francês, para quem a sociedade possuiria um caráter orgânico, funcionando a totalidade das relações sociais como um corpo humano. (Havendo, nos momentos de desequilíbrio orgânico, aquilo que o sociólogo francês chamava de Anomia). Max Webber seria o segundo autor fundamental da sociologia, destacando-se seus estudos que relacionam o desenvolvimento do capitalismo com os valores e a ética introduzida pelas diversas variantes do protestantismo, dando destaque a uma de suas alas mais radicais, o Calvinismo. Finalmente, Marx é objeto de um livro particular na coleção, havendo uma seleção de textos por conta do sociólogo da USP Otávio Ianni.

                Ainda que o próprio marxismo sugira um olhar totalizante das relações sociais, propiciando a criação de obras interdisciplinares, é possível destacar nos diversos textos de autoria de Marx ênfases em determinadas disciplinas, dado os aspectos mais específicos das pautas, questões, na sociologia, decorrentes das relações sociais, das relações de produção dominantes e de sua expressão enquanto relações de propriedade ou formas jurídico-estatais de arranjar todas as exigências de valorização do capital.

Assim, para quem tem interesse em conhecer mais do Marx historiador, é válida a leitura do “18 de Brumário”, quando o autor não só analisa a experiência da França sob a direção de Napoleão III mas oferece, por meio das análises, pistas de qual é o procedimento teórico-metodológico para se desvendar o sentido da história. Assim, sob a perspectiva marxista, o movimento da história deve ser analisado a partir da expressão dos embates de classes, da conformação, da força e das deficiências das classes sociais, além do estudo do grau de desenvolvimento das forças produtivas comparando-o com o estágio de desenvolvimento histórico das relações de produção, de forma a se constatar se a conjuntura aproxima-se ou distancia-se de uma situação revolucionária.

                De outra monta, para aqueles que têm interesse em analisar Marx enquanto economista político, sua obra de maior envergadura, o Capital, oferece a mais bem acabada análise do capitalismo, suas formas sutis de exploração, além de introduzir conceitos chaves para a compreensão daquele modo de produção: valor, trabalho, mais valia absoluta, mais valia relativa, etc.

                No que se refere à sociologia, há de se perceber que a tarefa de sistematizar textos de Marx sobre o tema envolve um trabalho mais complexo. Como dissemos, ainda que seja possível dividir a obra do filósofo revolucionário alemão a partir das disciplinas determinantes de cada obra, esta separação possui algo de arbitrário e contraria certamente a orientação metodológica de Marx. Assim, ainda que o tema da Economia Política esteja premente em “O Capital”, a obra também possui desenlaces de filosofia (quando busca analisar o que é alienação) e política (quando a crítica da economia política possui por trás de si a intenção de revolucionar o mundo). No que se refere à sociologia, o trabalho de Otávio Ianni certamente revela o enorme domínio do sociólogo da USP sobre o tema objeto de estudo. Afinal, as questões de sociologia – a produção da sociedade, as classes sociais e suas contradições, a questão da consciência, o papel social do estado e sua relação com a sociedade civil – vão aparecer não em um ou dois livros específicos de Marx, mas em trechos particulares de praticamente todas as suas obras.

O ponto de partida da crítica de Marx envolve o questionamento da filosofia clássica alemã (desde o rompimento com o hegelianismo de esquerda, invertendo a dialética, do céu à terra, da terra ao céu); a crítica do socialismo utópico francês, havendo no livro, trechos da obra “Miséria da Filosofia” em que Marx combate desvios idealistas e evolucionistas quanto à história em Proudhon; e a crítica da economia política clássica inglesa, que encontra seus limites justamente por não se propor a questionar e ir além do modo de produção dominante.

Por meio da crítica destas três linhas de pensamento, Marx desenvolve uma teoria segundo a qual a anatomia da sociedade está nas suas relações de produção – e aqui há o pulo do gato, o salto qualitativo quanto à contribuição de Marx à sociologia, a partir do momento em que Marx equipara a totalidade da vida social a edifício cujas bases estão nas relações de produção (estrutura) a partir da qual se projeta a política, o direito, as artes, a religião e a cultura (elementos da superestrutura).

Outra preocupação sociológica discutida por Marx é a questão do estado. Este, como já dito, define as relações de propriedade dominantes, que por sua vez são implicações das relações de produção. Existe no que tange ao estado uma aparência que omite ou obscurece as relações de exploração e dominação – as classes dominantes são capazes de impor os seus interesses de classe a toda a sociedade civil como se fossem interesses universais. O Estado em Marx é assim uma colossal superestrutura, um poder organizado de uma classe sobre a outra, ainda que surja como um ente que representaria  todas as classes. Nas palavras de Marx “O Estado se funda na contradição entre o público e a vida privada, entre o interesse geral e o particular. (.,.) O governo moderno não é senão um comitê administrativo dos negócios da classe burguesa”.

Entretanto, desde que a história é a história da luta de classes, o domínio de uma classe sobre a outra nem sempre é pacífico: ocorre por vezes o que poderíamos chamar de anomalias históricas, a exemplo do bonapartismo a partir da eleição francesa de 1984 – que pelo sufrágio universal masculino e por meio do voto predominantemente camponês levou ao poder Napoleão III. Trata-se de um momento da história de crise de hegemonia, situação em que nenhuma classe ou fração de classe vê-se capaz de assumir os rumos do estado, fazendo com que o mesmo aparentemente “pairasse” sobre a sociedade e sobre as classes sociais. Entretanto, o bonapartismo é também um mecanismo burguês de perpetuação do capitalismo: trata-se de um regime necessário para a própria sobrevivência das classes possuidoras, exprimindo-se em alguma medida também alguns interesses da classe antagônica à burguesia, o proletariado.

O conjunto de textos utilizados como base para a coleção são: Contribuição à Crítica da Economia Política; O Capital; A Sagrada Família; a Miséria da Filosofia; 18 de Brumário e Cartas a Kugelmann; Revolução e Contra Revolução na Alemanha; e a Ideologia Alemã. A seleção cumpre importante papel para aprofundamento das análises sociológicas do marxismo envolvendo os temas da política, das classes sociais, do estado, da consciência e da teoria da história. Sua leitura e estudo são fundamentais, ainda hoje.       

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