terça-feira, 3 de novembro de 2020

“Memórias da Casa dos Mortos” – Fiódor Dostoiévski

 

“Memórias da Casa dos Mortos” – Fiódor Dostoiévski

 


 

 

Resenha Livro - “Memórias da Casa dos Mortos” – Fiódor Dostoiévski – Tradução e Notas: Oleg Almeida – Ed. Martin Claret

 

“Três dias depois de chegar ao presídio, recebi a ordem de proceder ao trabalho. Lembro-me, sobretudo, daquele primeiro dia de trabalhos forçados, se bem que, no decorrer dele, não me tivesse acontecido nada de muito incomum, pelo menos levando em consideração tudo quanto era incomum por si só naquele meu estado. Aliás, era também uma das primeiras impressões minhas, continuando eu ainda a examinar, sôfrego, tudo ao meu redor. Passei os três primeiros dias atormentado pelas sensações mais penosas. “Eis o fim da minha viagem: estou na cadeia!” – repetia a mim mesmo a cada minuto. “Eis o meu paradeiro por muitos e longos anos, meu canto em que entro com tanta desconfiança, com uma sensação tão dolorosa...E quem sabe mesmo? Talvez eu chegue, quando o deixar daqui a muitos anos, a ter saudades dele!...” – acrescentava não sem mesclar às minhas lamúrias aquela malvadez que resulta, por vezes, na necessidade de a gente irritar, deliberadamente, a sua ferida, como se quisesse desfrutar da sua dor, como se encontrasse um verdadeiro prazer na consciência de toda a imensidão da sua desgraça. A própria ideia de que chegaria, com o passar do tempo, a lamentar aquele meu canto enchia-me de pavor: já então é que pressentia em que grau monstruoso o homem se adapta ao seu ambiente. Mas isso estava ainda por vir e, por enquanto, tudo o que me rodeava era hostil e medonho...”.

 

Em Janeiro de 1850, Dostoiévski, aos 29 anos e com dois livros já publicados, ingressou na chamada Casa dos Mortos, presídio de regime especial na cidade siberiana de Omsk, município “sujo, militarizado e depravado no mais alto grau”, nas palavras do escritor.

 

Consta que desde 1847 Dostoiévski frequentava as reuniões de um grêmio socialista liderado por Mikhail Petrachévski, um político e filósofo russo que intentava implantar no seu país as ideias do socialista utópico  francês Charles Fourier. O contexto histórico é o da Rússia dos czares, ou, mais especificamente, do reinado de Nikolai I (1825/1855), um período particularmente difícil para aqueles que tencionavam a reconstrução liberal do Império Russo.

 

O grêmio foi considerado subversivo e foi desmantelado em 23/04/1849. Consta que Dostoiévski quando de sua prisão, não negou a sua afinidade com as ideias do socialismo utópico: “Sou livre pensador no mesmo sentido em que podem chamar de livre pensador toda pessoa que sente, no fundo do seu coração, o direito de ser cidadão e de desejar o bem de sua pátria, pois encontra no coração o amor por ela e a consciência de que nunca a prejudicou de maneira alguma”.

 

O processo judicial contra o grupo de Petrachévski foi concluído em novembro de 1949. Dostoiévski foi punido com a cassação dos seus direitos civis e oito anos de trabalhos forçados em presídios siberianos.

 

Neste livro de memórias da prisão siberiana, não há muitas menções às opiniões políticas do escritor e ao programa de reformas liberais defendido pelo grêmio do qual fazia parte. Trata-se antes de uma relato objetivo das condições de vida carcerária, com retratos dos demais presos que conviveram com autor, dos hábitos de contrabando, das bebedeiras de vinho, dos trabalhos forçados, dos castigos corporais, das tentativas de fuga, etc.   

 

Um ponto que chama atenção ao longo da narrativa é como o regime social derivado da servidão, com a divisão de classes entre fidalgos e servos, proprietários e mujiques, se expressa no ódio e desconfiança da esmagadora maioria dos presos com os poucos ricos com quem compartilham a prisão – incluído o próprio escritor, que é visto pelos companheiros de cela como um dos “fidalgos”. A desconfiança e a convivência forçada com os presos que nitidamente não gostam dos proprietários torna a experiência da cadeia torturante.

 

Os relatos sobre os castigos corporais das prisões russas são bastante interessantes, não só pelo conhecimento histórico que proporcional, mas pelo retrato literário com que o escritor descreve estas situações limites. O medo do castigo é agudo e suprime toda a essência moral do homem - as sentenças preveem até 3 ou 4 mil golpes de varas, quando 400/500 açoitadas já são suficientes para matar um homem.

 

Talvez as passagens em que o escritor suscita uma crítica social sejam  justamente quando tece críticas aos castigos corporais. Para o autor o direito de aplicar castigos corporais degenera e degrada o homem. O medo do castigo faz não raro que o preso cometa um novo crime, como atacar fisicamente um soldado, com o escopo de promover um novo julgamento e postegar, ainda que por alguns dias, o momento apavorante das açoitadas.

 

O comércio ilegal de bebida, no caso o vinho, também é algo que ocupa parte importante do tempo dos presos. Toda a bestialidade do preso é revelada com a bebedeira.  Os mesmos passam, um ou dois anos economizando, de copeque em copeque, trabalhando duro na cadeia,  para gastar todo o montante em um dia de farra e bebedeira.  Como numa espécie de ciclo, após a farra, recomeça-se o trabalho árdua e a economia com vista exclusiva à próxima farra.

 

O povo da Rússia chama o crime de desgraça e o criminoso de desgraçado. A compaixão pelos presos se revela nas esmolas dadas aos detentos e nas festas religiosas, como o natal. Com uma habilidade de descrever a psicologia das personagens para além do aspecto puramente moral (não se esquecendo que se trata de criminosos, em geral assassinos, parricidas, ladrões, etc.) é notável como estas memórias, escritas em meados do século retrasado na longínqua Sibéria, remonta-nos a homens que nos parecem próximos ou até íntimos.   

terça-feira, 13 de outubro de 2020

A Revolução Alemã (1918-1919)

A Revolução Alemã (1918-1919) 

 


 

 

“Houve pouca resistência, violência e pouco derramamento de sangue. Nesses estágios da revolução, o sentimento característico era de perplexidade: perplexidade das autoridades diante de sua repentina e insuspeita perda de poder, perplexidade dos revolucionários diante de sua repentina e insuspeita conquista do poder. Ambos os lados agiam como se estivessem em um sonho. Para os primeiros era um pesadelo, para outros, era um daqueles sonhos em que se pode voar de repente”. (HAFFNER, Sebastian)

 

A Revolução Alemã perdurou de novembro de 1918 até abril de 1919 com a derrubada da República dos Conselhos na Bavária. Não é possível compreender a República de Weimar e a ascensão do nazismo sem entender a Revolução Alemã e, em especial, as razões de sua derrota. Já foi dito que todo o fascismo é o resultado direto de uma revolução derrotada. No caso da Alemanha, esta verdade assumiu contornos dramáticos.

 

Há um tanto de drama e um tanto de comédia na Revolução Alemã.

 

Neste importante estudo sobre os eventos de 1918/1919, Sebastian Haffner, que não é um marxista, afirma de maneira inequívoca: a principal razão da derrota da revolução decorreu da direção política (consciente e premeditada) do principal partido de esquerda da Alemanha, desde o tempo do Império. A revolução nitidamente entregou o poder ao SPD (partido social democrata), expressando o repúdio dos trabalhadores com a monarquia e o militarismo alemão. E desde o primeiro instante, elementos como Friedrich Ebert, Philipp Scheidemann e Gustav Noske, atuaram para aniquilar a revolução, servindo-se finalmente da contrarrevolução e da extrema direita para esmagar os conselhos. Em 15.1.1919, assassinaram Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, não sem antes submetê-los a torturas e maus tratos. O corpo de Rosa foi jogada no córrego e só seria encontrado um mês depois. Liebknecht seria despejado numa cova comum: quando foi assassinato, gritou: “Viva a Revolução Mundial!”.   

 

O contexto de fundo da Revolução Alemã é a profunda crise do Reich ante a derrota militar iminente na I Guerra Mundial. A camarilha militar, e seu quadro mais lúcido Luddendorf, verificaram que um colapso era iminente e a partir de setembro de 1918 manobraram politicamente para entregar o poder aos sociais democratas. Nesta manobra, o SPD assumiria não só o poder mas o ônus da derrota militar. E os sociais democratas, que já em 1914 haviam capitulado ao militarismo alemão e votado a favor dos créditos de guerra, assumiram de bom grado a missão de ser o último baluarte e a última linha de defesa do velho estado alemão, admitindo-se agora o parlamentarismo e o fim da monarquia.

 

É interessante mencionar que a Revolução Alemã não teve um caráter socialista. Ela tinha um forte componente de espontaneísmo, era anti-monarquica e anti-militarista. Talvez o que houvesse de mais revolucionário era a centralidade dada aos conselhos de operários e soldados. Os conselhos representavam uma mudança da natureza de classe no regime político. Significava uma nova legalidade e despertou a fúria de oficiais e burgueses acostumados com a as diferenciações hierárquicas na sociedade.

 

Neste sentido é inequívoco que o movimento era revolucionário desde que ele instaurou durante sua curta duração uma nova legalidade baseada em conselhos de trabalhadores e operários (ou trabalhadores, operários e camponeses na Baviera). O SPD desde o primeiro momento buscou sufocar os conselhos e preservar o velho estado: em que pese estes conselhos de base serem dirigidos por operários e soldados... social democratas. A luta pela manutenção do velho estado imperial e o armamento da contrarrevolução de direita que culminou numa violência desenfreada contra as experiências revolucionárias, nitidamente em Berlin e Munique, foram as principais formas de atuação do SPD.

 

Ebert e Noske suscitavam as Freikorps, forças de tipo paramilitar da extrema direita que mais tarde dariam origem as SS do regime nazista.

 

Aliás, muitos correligionários de Hitler formaram-se politicamente naquele movimento contrarrevolucionário extremamente violento perpetrado pela reação em aliança (provisória) com os sociais democratas. Na verdade a direita apenas tolerou os socialdemocratas por um tempo, mas não os respeitavam, mesmo com a total capitulação e bajulação de seus líderes.

 

Após a derrota da revolução, o SPD passou a ser um elemento dispensável à burguesia alemã: a revolução se rende à Ebert e Ebert entregou a Alemanha à contrarrevolução.

 

“De novembro de 1918 ao verão de 1919, tratava-se da seguinte questão na Alemanha: revolução ou contrarrevolução? Depois a questão era apenas: restauração burguesa ou contrarrevolução? (Dez anos mais tarde, a questão seria: qual tipo de contrarrevolução”?) (HAFFNER, Sebastian)

 

Em que pese a Revolução Alemã de 1918/1919 ser praticamente contemporânea ao fevereiro e outubro Russos de 1917, as diferenças entre as duas experiências é gritante. Não havia um partido bolchevique na Alemanha com uma direção inequivocamente voltada à revolução e à ditadura do proletariado. Em que pese a propaganda e a histeria da direita em caracterizar os levantes como “espartaquistas”, não havia de fato qualquer risco de bolchevização nos movimentos em Kiel, Berlin e Munique. Enquanto o partido bolchevique temperou-se durante anos a fio na luta revolucionária russa, em oposição aos setores reformistas, na Alemanha, a ala comunista do movimento revolucionário era bastante minoritária. Sequer tinham inserção nos novos conselhos de soldados e operários.

 

Até abril de 1917, apenas existia o SPD como partido de esquerda na Alemanha. O sua referência não era Karl Marx, mas Lassale, um reformista. Em abril de 1917 formou-se o USPD, os “independentes” dentre os quais atuavam os espartaquistas, o grupo mais alinhado com o bolchevismo. Apenas em 10.12.1918, já no curso da revolução, os espartaquistas rompem com os independentes e formam o partido comunista alemão (KPD). Rosa Luxemburgo e  Karl Liebknecht eram quando muito agitadores e panfletários, sem qualquer influencia no movimento de massas – a morte dos dois em janeiro pouco alterou os acontecimentos que se desenvolviam então.

 

Muitas foram as razões da derrota da Revolução Alemã, a começar pela traição pela sua própria liderança social democrata, passando pela conhecida violência da contrarrevolução, muito menos benevolente do que a revolução alemã havia sido em face de seus inimigos. Não houve na Alemanha nada parecido com o terror revolucionário vermelho, mas houve sim o terror contrarrevolucionário branco que pavimentou a ascensão do nazismo, constituiu suas milícias e forças paralimitares. 

 

Os preços pelas derrotas históricas são bastante caros.    

 

 

Resenha Livro – “A Revolução Alemã – 1918/1919” – Sebastian Haffner – Ed. Expressão Popular – São Paulo - 2018

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

A CRÔNICA MILITANTE DE LIMA BARRETO

 A CRÔNICA MILITANTE DE LIMA BARRETO

 


 

 

“Se há em nós um fundo de amor, há também um não menos menor de maldade que faz procurar justificativas honestas para as nossas antipatias sem razão. Toda educação tem por fim anulá-lo, mas só o consegue lentamente”. (LIMA BARRETO – “Considerações Oportunas” – ABC – 16.8.1919)

 

Lima Barreto só granjeou o devido reconhecimento artístico depois da morte. Negro, morador do subúrbio carioca, de onde apenas se retirou muito raramente para cidades do interior do Rio de Janeiro, contribui em jornais relativamente modestos, com a publicação de parcela dos seus romances e coletâneas de crônica, só após a sua morte.

 

Já foi dito, e com razão, que é impossível conhecer a vida social e cultural da Primeira República sem conhecer a obra de Lima Barreto. Seu livro mais conhecido é certamente “O Triste Fim de Policarpo Quaresma” (1911) , talvez a mais bem sucedida sátira política da história da literatura nacional.

 

A crítica contundente da política de favores e da mediocridade intelectual de jornalistas, políticos e bacharéis dos 1900’s, bem como a denúncia do racismo e da opressão em face dos humildes também seriam verificados em “Clara dos Anjos” (publicado postumamente em 1948) e “Recordações do Escrivão Isaías Caminha” (1911).

 

Diante da crítica à mediocridade intelectual reinante na chamada “República Velha”, alguns podem chegar à conclusão de que o escritor carioca pudesse ser um monarquista, um saudoso do Império. De fato, lendo esta seleção de crônicas “militantes” de Lima Barreto verifica-se por exemplo que o escritor, ao criticar o mais alto espírito burguês dos norte americanos, tem como interlocutor Eduardo Prado, este sim um monarquista inequívoco, autor do panfleto “A Ilusão Americana” (1893).

 

 

No conto “Educação Física” publicado na Revista ABC em 1920, Lima Barreto compara a ostentação dos dirigentes da Primeira Pública com a relativa simplicidade do monarca D. Pedro II:

 

D. Pedro II, que tinha por avós não sei quantos reis e imperadores, tinha três ridículas casas, no Rio de Janeiro, que era da coroa ou da nação; e uma em Petrópolis, que era dele. Um nosso presidente qualquer, bacharel qualquer e filho de um coronel qualquer, tem quatro ou mais palácios suntuosos, recebe vencimentos anualmente quase tanto quanto a antiga dotação-imperial; o Estado paga a sua famulagem (criadagem), enquanto a dele, o imperador pagava, e por muito favor, custeia unicamente o seu feijão com carne seca, prato de luxo que ele não dispensa, porque é hoje iguaria de potestade”

 

 

Contudo, lendo os contos mais militantes de Lima Barreto, verifica-se que o escritor tinha um posicionamento político senão marxista, bastante alinhado com um igualitarismo político, influenciado pelo anarquismo (Kropotkin e seu “Ajuda Mútua” de 1902 são citados nestes textos), com inequívocas (textuais) simpatias a Lênin e a Revolução Russa.

 

Nas palavras do escritor em 1918:

 

“Precisamos deixar de panaceias: a época é de medidas radicais. Não há quem, tendo meditado sobre este estupendo movimento bolcheviquista (bolchevique), não lombrigue nele um alcance de universal amplitude sociológica”.

 

Ou em outro artigo:

 

“...cabe bem aos homens de coração desejar e apelar para uma convulsão violenta que destrone e dissolva de vez essa societas sceleris de políticos, comerciantes, industriais, prostitutas, jornalistas ad hoc, que nos saqueiam, nos esfaimam, emboscados atrás das leis republicanas. É preciso, pois não há outro meio de exterminá-la”.

 

Muitos destes artigos não foram só produto do impacto da Revolução Russa no pais, mas do debate suscitado pela Primeira Guerra Mundial (1914/1918).

 

Lima Barreto relata que no começo do conflito aderiu a uma associação de apoio à Entente, considerando o perigo do militarismo e expansionismo alemães. Posteriormente, abandona a associação e defende a paz entre os povos, sem, contudo, alimentar qualquer ilusão no Tratado de Versalhes e no programa de paz do presidente norte americano Woodrow Wilson.

 

O pacifismo de Lima Barreto leva o escritor a redigir crônicas criticando até mesmo o futebol. Com base nas ideias de Spencer (outro interlocutor frequente de Lima Barreto), o escritor afirma que o papel deste esporte é causar dissensões no seio da sociedade. O esporte empresta à alma humana o amor à luta e à guerra.

 

Ainda que o tema da política seja bastante relevante nas crônicas de Lima Barreto, há um ponto que se espraia do jornalismo para os romances e os textos mais literários do escritor: a vida do povo simples, do trabalhador braçal, do pequeno camponês, da normalista, do humilde amanuense.

 

“O encanto da vida é a candura dos simples e a resignação dos humildes” – por meio desta temática, o escritor releva a vida da população simples que vai além da história oficial voltada aos graúdos da República.

 

 

 

Resenhado do Livro “A Crônica Militante (Seleção)” de Lima Barreto. Ed. Expressão Popular – São Paulo – 2016

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

MAO ZEDONG E A REVOLUÇÃO CHINESA

 MAO ZEDONG E A REVOLUÇÃO CHINESA

 



 

A China é uma civilização milenar. Durante a maior parte da história da humanidade, esta nação foi uma potência mundial. As origens da civilização chinesa remontam a 2.000 a.C. Lá desenvolveram-se tecnologias inovadoras em diferentes épocas, como o papel, a bússola e a pólvora.

 

Por séculos a China foi uma grande exportadora de produtos manufaturados como seda, porcelana e chá. No ano de 1500 quando o Brasil foi ocupado pelos portugueses, a nação chinesa respondia por 25% do PIB global, alcançando 33% no século XIX[1].

 

Contudo, o império milenar não foi capaz de resistir à ofensiva do capitalismo europeu. A primeira Guerra do Ópio (1839-1842) decorreu da negativa da China em abrir o seu comércio para a principal potência da época, a Inglaterra. Com a recusa chinesa, os ingleses passaram a contrabandear ópio para o país, por meio de terceiros, que trocavam a droga pelos produtos de interesse da coroa inglesa. O consumo, que era proibido, cresceu em grandes proporções, tornando-se um problema social. A derrota da China na Guerra do Ópio resultou na perda do território de Hong Kongo, a abertura dos portos e o pagamento de uma indenização à Inglaterra.

 

É neste contexto de intervenção imperialista inglesa (e japonesa) na China que nasce Mao Zedong (Mao Tsé Tung) em 26 de dezembro de 1893. O futuro dirigente da revolução comunista de 1949 adveio da aldeia de Shaoshan, província de Hunan, no sul da China. Filho de camponeses, começou a trabalhar no campo aos 6 anos de idade realizando tarefas como vigiar o gado e alimentar os patos.

 

A REVOLUÇÃO CHINESA

 

A fundação do Partido Comunista Chinês ocorreu em Julho de 1921 por 12 militantes, entre eles, Mao Zedong. O partido foi fundado um ano antes do Partido Comunista Brasileiro (1922).

 

A origem destas duas organizações esteve intimamente relacionadas à vitória da revolução socialista na Rússia em 1917 e à fundação da III Internacional em 1919. Contudo, a experiência do partido chinês se distingue do PCB na medida em que a China, por conta do desgaste político de dinastias milenares, bem como da atuação militar dos imperialismos inglês e japonês no país, vivia uma situação revolucionária que seria prorrogada por décadas.

 

De fato, um dos primeiros aspectos que chamam atenção quando se estuda a Revolução Chinesa é o seu aspecto de longa duração. Poucos meses transcorreram na Rússia entre a revolução democrática que derrubou o czarismo e a tomada do poder pelos bolcheviques em Outubro de 1917. Na China, a revolução socialista de 1949 foi precedida e temperada por 22 anos de lutas, incluindo guerra civil entre o Goumitang e os comunistas, a Guerra Nacional contra o Japão de 1937 a 1945 e a revolução socialista de  1949.

 

Esta peculiaridade da revolução chinesa explica uma certa unidade que se verifica no pensamento de Mao antes e depois de 1949.

 

Mao escreve textos de organização e métodos de direção da luta pelo poder sempre considerando que a própria revolução já está forjando a sociedade do futuro. A necessidade de retificar as concepções erradas no seio do partido e a retificação do estilo do trabalho são suscitados num momento em que os comunistas se organizam no exército guerrilheiro na luta pelo poder. Após a tomada do Estado pelos comunistas, verifica-se a preocupação de se manter o ímpeto e heroísmo revolucionários na nova etapa de edificação de uma nova sociedade.

 

Dentre os textos suscitados por esta coletânea organizada por Miguel Enrique Stédile, destacamos a palestra “RETIFIQUEMOS O ESTILO DE TRABALHO DO PARTIDO” como pronunciamento representativo das ideias de Mao Zedong antes do triunfo da revolução. Trata-se de discurso de abertura de uma escola do partido comunista pronunciado por Mao em 1 de fevereiro de 1942.

 

Dentre as contradições verificados na atuação do partido, Mao Zedong  suscita o subjetivismo. Este subjetivismo se divide em duas políticas igualmente erradas: o dogmatismo e o empirismo.

 

O dogmatismo é a teoria desprovida de prática, o conhecimento do tipo livresco e sem conexão com a realidade. O empirismo peca pelo lado oposto: a prática sem a teoria para guiá-la. Mao equipara o marxismo-leninismo, ou a relação entre a teoria e a prática, como o mirar uma flecha a um determinado alvo e acertá-lo. Os empiristas, por seu turno, atiram as flechas sem mirar ao alvo, de maneira aleatória, desperdiçando munição. Os dogmáticos se limitam a pegar o arco e flecha em suas mãos e dizer: “que belo arco! que bela flecha!”.

 

A superação desta contradição dá-se com a união de empiristas e dos dogmáticos em atividades comuns, exercendo a crítica mútua e a autocrítica.  Tanto o dogmatismo quanto o empirismo são parciais e unilaterais. Mao considera o dogmatismo um erro potencialmente mais grave e pernicioso ao partido que o empirismo. Há muitas passagens dos textos de Mao em que se sugere a ida dos quadros e dos intelectuais às fábricas e ao campo, de forma a estimulá-los ao contato com o trabalho prática e possibilitar a aplicação objetiva do conhecimento teórico.

 

CONSTRUÇÃO DO SOCIALISMO NA CHINA

 

“Um comunista deve perguntar sempre pelos porquês de todas as coisas, usar a própria cabeça para pensá-las em todos os aspectos, ver se correspondem ou não à realidade e se estão verdadeiramente bem fundadas. Em caso algum um comunista deve seguir cegamente os outros ou encorajar a obediência servil”.

 

Estas palavras proferidas na palestra de 1942 seriam reiteradas no novo contexto da construção do socialismo. A Revolução cultural de 1966 igualmente voltou-se à resolução de contradições no seio do povo. Mao Zedong defende que esta revolução cultural corresponde a um experimento para revelar o lado sombrio do partido. Esta etapa da revolução teve início quando Mao ratificou pessoalmente um cartaz de uma professora de filosofia da Universidade de Pequim, denunciando e criticando o cerceamento político por parte dos reitores – quadros do partido na liderança da universidade.

 

A ratificação do cartaz da professora Nie Yuanzi foi o estopim para que milhares de associações estudantis se formassem no país, também reivindicando o direito de criticar diretamente as práticas políticas da liderança partidária e do estado[2]. O objetivo em suma é abrir o controle do estado e do partido pelo povo e o combate à burocratização.

 

Em fins de 1950 e início de 1960 processa-se a crise sino-soviética: ela foi diretamente influenciada pelas denúncias de Kruschev dos “crimes de Stálin” no XX Congresso do PCUS em 1956.

 

O princípio da co-existência pacífica suscitado pela URSS de Kruschev reforçou a oposição entre russos e chineses. Kruschev suspendeu a cooperação nuclear com Pequim e em 1960 ordenou a saída de todos os especialistas estabelecidos na China, cancelando os projetos de cooperação técnica.

 

Mao Zedong, em todo o caso, sempre suscitou a necessidade da revolução chinesa aprender com os erros e acertos da revolução russa. Os primeiros planos de industrialização foram promovidos na China de acordo com a experiência soviética: os comunistas chineses estabeleciam como meta que o seu paíse ultrapassasse em 15 anos a Inglaterra na produção de aço.  

 

A necessidade de aproximar o partido e o estado das massas trabalhando com o método correto as contradições no seio do povo também dizia respeito às políticas junto aos camponeses. Em 1950 a China ainda tem 80% de sua população no campo. A construção do socialismo no campo está relacionada ao trabalho de ajuda mútua, que evolui para as cooperativas semi socialistas e para as cooperativas socialistas. Existe uma necessidade objetiva de tornar estas cooperativas rentosas, de modo que se mantenha o princípio da voluntariedade da adesão. A reforma agrária e a coletivização do campo na China não assumiu contornos de Guerra Civil como na URSS.

 

Mao Zedong reitera que o socialismo, se quer a adesão das massas, deve se focar em aumentar a qualidade de vida das pessoas. A difícil tarefa de institucionalização da revolução, a mudança da etapa da luta militar pelo poder para as novas tarefas da administração e edificação do socialismo, tudo isso processou-se de maneira muito diferente na China e na Rússia.

 

O aspecto de longa duração da revolução chinesa, suas peculiaridades históricas, sua população em meados do séc. XX de 600 milhões de pessoas e a predominância do campesinato são alguns destes aspectos que diferenciam a experiência chinesa.

 
Bibliografia: “Mao Zedong e a Revolução Chinesa – Métodos de Direção e Desafios da Transição ao Socialismo" – Miguel Enrique Stédile (org.) – Editora Expressão Popular – 2019

[1] STÉDILE, Miguel Enrique. 2019.

[2] Andrea Piazzaroli Longobardi. 2019.

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

LÊNIN NO PODER – 1917/1923

 LÊNIN NO PODER – 1917/1923

 

 


 

No dia 25 de Outubro de 1917 (7 de Novembro) o comunicado escrito por V. I. Lênin “Aos Cidadãos Russos” informou a população da derrubada do governo provisório. O poder foi tomado pelo Comitê Militar Revolucionário, órgão do Soviete de Deputados Operários e Soldados de Petrogrado.

 

Poucos dias depois a insurreição de outubro se estenderia de Petrogrado à Moscou e às províncias. Uma cruenta guerra civil teria início imediatamente após a Revolução Socialista de Outubro: aliada até então dos imperialismos inglês e francês, a Rússia sairia pouco depois da I Guerra Mundial através de uma paz em separado com os Alemães. Entre 1917-1921, uma guerra civil cruenta mobilizou nada menos do que 14 estados nacionais contra o poder soviético.  

 

Aleksandr Vasiliyevich Kolchak dirigiu a contrarrevolução da Sibéria mobilizando os exércitos brancos de 1917 até a sua derrota em Omsk no ano de 1919. Anton Denikin dirigiu o exército branco desde o sul até a captura de Moscou, sendo derrotado em 1920. Tropas japonesas intervinham pelo oriente e os grupos contrarrevolucionários obtiveram apoio em dinheiro e armas principalmente de Inglaterra, França e EUA.

 

Em uma intervenção Lênin comparou a situação da Rússia após a revolução de outubro à situação de alguém que ao mesmo tempo busca erguer do zero a sua casa e tem de defendê-la dos ataques e torpedos de um assaltante.

 

Quando se analisa as intervenções de Lênin após a tomada do poder, duas questões de imediato surgem: a necessidade de vencer a resistência contrarrevolucionária e a nova questão de aprendizagem quanto à administração do estado soviético.

 

Quanto ao tema da contrarrevolução, a paz de Brest-Litovski de 3 de Março de 1918 cumpriu o importante papel de estabelecer uma trégua, ainda que profundamente desfavorável aos russos, dos inimigos externos possibilitando direcionar as forças vermelhas sobre a contrarrevolução interna (Kolchak, Denikin, socialistas revolucionários, mencheviques, etc.).

 

O programa de paz dos bolcheviques enunciado antes mesmo de Outubro de 1917 se diferencia de uma paz imperialista imposta pelos vencedores da guerra, como foi a Paz de Versalhes de 28 de Junho de 1919. A palavra de ordem bolchevique era uma paz justa e democrática, sem qualquer anexação ou contribuição de guerra.

 

Este tema da Paz foi abordado por Lênin em setembro de 1917 no escrito “As Tarefas da Revolução”:

 

“O governo soviético deverá propor sem demora a todos os povos beligerantes (isso é, a seus governos e, simultaneamente, às massas de operários e camponeses) a conclusão imediata de uma paz geral sobre bases democráticas e, além disso, um armistício imediato (ainda que somente por três meses). A condição fundamental para uma paz democrática é renunciar às anexações, mas não no sentido falso de que todas as potências devam recuperar o que tenham perdido, mas no único sentido justo, ou seja, no sentido se que todo o povo, sem exceção alguma, tanto na Europa, quanto nas colônias, obtenha liberdade e possibilidade de decidir por conta própria se deseja constituir um Estado independente ou participar de qualquer outro. Ao propor estas condições de paz, o governo soviético deverá, por sua vez, coloca-las em prática sem qualquer demora, isto é, deverá tornar público e anular os tratados secretos que ainda nos ligam, tratados concluídos pelo tsar, nos quais se promete aos capitalistas russos o saque da Turquia, Áustria, etc.”.

 

 A vitória da Revolução de Outubro, a Paz de Brest Litovisk e a vitória vermelha na Guerra Civil 1917/1921 marcam a primeira fase de existência do poder soviético, período caracterizado como “comunismo de guerra” (expressão utilizada por Lênin). Nesta primeira etapa, pode-se falar de uma revolução democrática no sentido de acabar com os resquícios feudais da economia, da cultura e das instituições políticas soviéticas. Vencer este atraso medieval, considerando a esmagadora maioria populacional russa de pequenos camponeses, envolveria mesmo o estabelecimento de um capitalismo de estado, caracterizado por Lênin, como uma antecâmara do socialismo . Neste primeiro momento, havia a necessidade urgente de reestabelecer a grande indústria e organizar a troca direta dos seus produtos pelos da pequena agricultura camponesa, contribuindo para a socialização desta; tomar aos camponeses, a título de empréstimos, uma determinada quantidade de víveres e matérias primas através da requisição. Com o fim da Guerra Civil, surge a necessidade de aumentar a circulação de mercadorias através de concessões pontuais ao capitalismo: ao invés das requisições armadas dos tempos da guerra civil, o imposto em espécie.

 

Portanto, uma segunda etapa da revolução tem início com a partir de meados de 1921 e esta nova situação se expressa nas cogitações de Lênin nesta última fase de sua vida.

 

Os comunistas devem colocar a si a tarefa de elevar a produtividade do trabalho social – nesta etapa não há a necessidade de impulsos histéricos, como na fase imediata após outubro, mas uma marcha cadenciada, sabendo avançar e recuar conforme as exigências do momento. “Melhor Menos, Porém Bom” e “Sobre o Cooperação” são textos representativos desta última fase dos escritos de Lênin, quando surge a ideia de uma revolução cultural e mudanças nas instituições soviéticas, como a criação da Inspeção Operário Camponesa para melhorar e reformar o estado soviético.

 

Em cartas direcionadas ao XII Congresso do Partido, Lênin sugere o aumento número de membros do comitê central de 50 até 100 militantes, que deveriam  ser recrutados dentro da base operária. Uma das razões é que Lênin já previa uma cisão no partido e cita nominalmente Trótsky e Stálin como a provável origem da cisão.

 

Desde a segunda metade de 1921, Lênin sofre de dores de cabeça e insônia regulares. Em 30 de agosto de 1918 já havia sido vítima de um atentado a bala, o que debilitou desde então a sua saúde. Em março de 1923 Lênin sofreu um terceiro acidente vascular cerebral e perdeu sua capacidade de fala. No dia 21 de janeiro de 1924 falecia Vladimir Ilyich Ulianov, Lênin.

terça-feira, 8 de setembro de 2020

LÊNIN A CAMINHO DO PODER

 

LÊNIN A CAMINHO DO PODER

 

 


 

Logo após a chegada de Lênin em Petrogrado em abril de 1917 foi publicado o seu famoso artigo “As Tarefas do Proletariado na presente revolução – Teses de Abril”.

 

O texto foi publicado no jornal Pravda de 7 de abril de 1917 com a assinatura de Lênin e foi escrito provavelmente no trem, na véspera da chegada do dirigente bolchevique a Petrogrado. Lênin leu as teses em duas reuniões realizadas em 4 de abril: na reunião dos bolcheviques e na reunião conjunta de bolcheviques e mencheviques delegados da Conferência de Toda a Rússia de Deputados Operários e Soldados no palácio Taride.

 

A peculiaridade do momento da Rússia consiste na transição da primeira etapa da revolução que deu o poder à burguesia à sua segunda etapa, que iria por o poder nas mãos do proletariado e das camadas pobres do campesinato. De um lado a continuidade da guerra imperialista e a ameaça da restauração do czarismo. De outro lado, a instauração de uma nova legalidade baseada na tomada do poder político dos operários e camponeses pobres.   

 

A dualidade de poderes se expressa pelo governo provisório burguês de um lado e pelos sovietes de deputados operários e camponeses do outro. Ainda em abril os bolcheviques são minorias no sovietes, o que faz com que os comunistas devam ter uma política de explicar os erros da tática dos conselhos  de um modo paciente, sistemático e adaptado às necessidades práticas das massas. Mesmo sendo minoria, os bolcheviques atuam nos sovietes e desenvolvem um trabalho de crítica e esclarecimento dos erros.

 

A palavra de ordem naquele contexto era a de lutar para quebrar as ilusões do povo no governo burguês. Além de denunciar o governo provisório, combater a influência ideológica da pequeno burguesia sobre o movimento operário. De maneira reiterada, Lênin opõe o governo republicano burguês da nova experiência de poder do sovietes, cuja prima mais próxima fora a Comuna de Paris de 1871. A dissolução da polícia, do exército e da burocracia substituída pelo povo em armas. A constituição de milícias operárias com a participação de homens de mulheres de 15 a 65 anos de idade. O mais absoluto controle e revogabilidade dos cargos de eleição. A necessidade de mudança do nome do partido como forma de se opor à social democracia europeia que capitulou perante a guerra imperialista: de partido social democrata para partido comunista. Finalmente, a necessidade da criação da III Internacional, ante a completa falência da II Internacional, dos social chauvinistas (Plekhanov) e dos centristas (Kautsky).

 

OS BOLCHEVIQUES DEVEM TOMAR O PODER

 

Contudo, no mês de julho, as jornadas contrarrevolucionárias dirigidas por Kornilov colocam em novos termos o desenvolvimento da revolução russa.  A vitória dos operários e soldados sobre a contrarrevolução em Julho coloca na ordem do dia a tomada do poder. Já em setembro de 1917 os bolcheviques já são maioria nos sovietes de deputados operários e soldados de ambas as capitais. Ainda em 12/14 de Setembro, Lênin lança a palavra de ordem que os bolcheviques devem tomar o poder:

 

“Depois  de ter conquistado a maioria dos Sovietes de Deputados Operários e Soldados de ambas as capitais, os bolcheviques podem e devem tomar o poder de Estado em suas mãos. Podem, pois a maioria ativa dos elementos revolucionários do povo de ambas as capitais é suficiente para levar consigo as massas, vencer a resistência do inimigo, derrota-lo, conquistar e manter o poder; podem, pois ao propor no ato a paz democrática, no ato de entregar a terra aos camponeses e restabelecer as instituições e liberdades democráticas, destruídas e destroçadas por Kerensky, os bolcheviques formarão um governo que ninguém poderá derrubar”.

 

Não foi sem vacilação que os demais dirigentes da fração mais consequente e revolucionária da Rússia encaravam a proposta de Lênin da tomada imediata no poder. Uma opinião era de que os bolcheviques devessem aguardar a realização da Assembleia Constituinte do governo provisório. Outra opinião dizia que os bolcheviques devessem aguardar a realização da Conferência Democrática. Mais do que uma mudança na data da insurreição, estavam em jogo diferentes posições táticas com implicações estratégicas: o partido bolchevique deve tomar para si o poder ou deve apenas tomar o poder para imediatamente entrega-lo aos sovietes de toda a Rússia? Quem é o sujeito histórico e quem é o sujeito político da revolução?

 

Neste aspecto, Lênin, seguindo as trilhas de Marx, chama atenção para o fato de que a insurreição deve ser encarada como uma arte: havia o risco objetivo da tomada da capital para contrarrevolução e o atraso da insurreição em Petrogrado e Moscou poderia colocar tudo a perder. A iminente tomada de Petrogrado tornaria as chances cem vezes maiores. Lênin chama a atenção de que não é possível “esperar” a Assembleia Constituinte, pois Kerensky, por conta da rendição de Petrogrado, pode perfeitamente frustrar sua realização.

 

“E para tratar a insurreição de um modo marxista, isto é, como uma arte, devemos, ao mesmo tempo e sem perder sequer um minuto, organizar um Estado-Maior dos destacamentos insurgentes, distribuir as forças, lançar os regimentos de confiança contra os pontos mais importantes, cercar o Teatro Alexandrinki e tomar a Fortaleza de Pedro e Paulo, prender o Estado-Maior general e o governo enviar contra os cadetes e contra a divisão selvagem tropas dispostas a morrer antes de permitir que o inimigo abra passagem em direção aos centros da cidade; devemos mobilizar os operários armados, convocando-lhes a uma luta desesperada, à luta final; devemos ocupar imediatamente as centrais de telégrafos e de telefones, instalar nosso Estado-Maior da insurreição junto à Central de telefones e coloca-los em contato telefônico com todas as fábricas, com todos os regimentos, como todos os pontos em que se desenrole a luta armada, etc.”.  

 

Nos escritos “Conselhos De Um Ausente” de 8 de outubro de 1917 e na “Carta Aos Membros do Comitê Central” de 24 Outubro, Lênin reforça que a demora na ação equivale à morte, que o triunfo da revolução russa e da revolução mundial depende de dois ou três dias de luta.

 

Finalmente, em 25 de Outubro de 1917, às 10 hors da manhã o Comitê Militar revolucionário adjunto ao Soviet de Deputados Operários e Soldados de Petrogrado anuncia a queda do governo provisório e a vitória da revolução operária, dos soldados e dos camponeses.

 

No próximo artigo, analisaremos as intervenções de Lênin no contexto imediato da tomada do poder, de outubro de 1917 até 1923.