MAO ZEDONG E A REVOLUÇÃO CHINESA
A China é uma civilização milenar. Durante a maior parte da história da humanidade, esta nação foi uma potência mundial. As origens da civilização chinesa remontam a 2.000 a.C. Lá desenvolveram-se tecnologias inovadoras em diferentes épocas, como o papel, a bússola e a pólvora.
Por séculos a China foi uma grande exportadora de produtos manufaturados como seda, porcelana e chá. No ano de 1500 quando o Brasil foi ocupado pelos portugueses, a nação chinesa respondia por 25% do PIB global, alcançando 33% no século XIX[1].
Contudo, o império milenar não foi capaz de resistir à ofensiva do capitalismo europeu. A primeira Guerra do Ópio (1839-1842) decorreu da negativa da China em abrir o seu comércio para a principal potência da época, a Inglaterra. Com a recusa chinesa, os ingleses passaram a contrabandear ópio para o país, por meio de terceiros, que trocavam a droga pelos produtos de interesse da coroa inglesa. O consumo, que era proibido, cresceu em grandes proporções, tornando-se um problema social. A derrota da China na Guerra do Ópio resultou na perda do território de Hong Kongo, a abertura dos portos e o pagamento de uma indenização à Inglaterra.
É neste contexto de intervenção imperialista inglesa (e japonesa) na China que nasce Mao Zedong (Mao Tsé Tung) em 26 de dezembro de 1893. O futuro dirigente da revolução comunista de 1949 adveio da aldeia de Shaoshan, província de Hunan, no sul da China. Filho de camponeses, começou a trabalhar no campo aos 6 anos de idade realizando tarefas como vigiar o gado e alimentar os patos.
A REVOLUÇÃO CHINESA
A fundação do Partido Comunista Chinês ocorreu em Julho de 1921 por 12 militantes, entre eles, Mao Zedong. O partido foi fundado um ano antes do Partido Comunista Brasileiro (1922).
A origem destas duas organizações esteve intimamente relacionadas à vitória da revolução socialista na Rússia em 1917 e à fundação da III Internacional em 1919. Contudo, a experiência do partido chinês se distingue do PCB na medida em que a China, por conta do desgaste político de dinastias milenares, bem como da atuação militar dos imperialismos inglês e japonês no país, vivia uma situação revolucionária que seria prorrogada por décadas.
De fato, um dos primeiros aspectos que chamam atenção quando se estuda a Revolução Chinesa é o seu aspecto de longa duração. Poucos meses transcorreram na Rússia entre a revolução democrática que derrubou o czarismo e a tomada do poder pelos bolcheviques em Outubro de 1917. Na China, a revolução socialista de 1949 foi precedida e temperada por 22 anos de lutas, incluindo guerra civil entre o Goumitang e os comunistas, a Guerra Nacional contra o Japão de 1937 a 1945 e a revolução socialista de 1949.
Esta peculiaridade da revolução chinesa explica uma certa unidade que se verifica no pensamento de Mao antes e depois de 1949.
Mao escreve textos de organização e métodos de direção da luta pelo poder sempre considerando que a própria revolução já está forjando a sociedade do futuro. A necessidade de retificar as concepções erradas no seio do partido e a retificação do estilo do trabalho são suscitados num momento em que os comunistas se organizam no exército guerrilheiro na luta pelo poder. Após a tomada do Estado pelos comunistas, verifica-se a preocupação de se manter o ímpeto e heroísmo revolucionários na nova etapa de edificação de uma nova sociedade.
Dentre os textos suscitados por esta coletânea organizada por Miguel Enrique Stédile, destacamos a palestra “RETIFIQUEMOS O ESTILO DE TRABALHO DO PARTIDO” como pronunciamento representativo das ideias de Mao Zedong antes do triunfo da revolução. Trata-se de discurso de abertura de uma escola do partido comunista pronunciado por Mao em 1 de fevereiro de 1942.
Dentre as contradições verificados na atuação do partido, Mao Zedong suscita o subjetivismo. Este subjetivismo se divide em duas políticas igualmente erradas: o dogmatismo e o empirismo.
O dogmatismo é a teoria desprovida de prática, o conhecimento do tipo livresco e sem conexão com a realidade. O empirismo peca pelo lado oposto: a prática sem a teoria para guiá-la. Mao equipara o marxismo-leninismo, ou a relação entre a teoria e a prática, como o mirar uma flecha a um determinado alvo e acertá-lo. Os empiristas, por seu turno, atiram as flechas sem mirar ao alvo, de maneira aleatória, desperdiçando munição. Os dogmáticos se limitam a pegar o arco e flecha em suas mãos e dizer: “que belo arco! que bela flecha!”.
A superação desta contradição dá-se com a união de empiristas e dos dogmáticos em atividades comuns, exercendo a crítica mútua e a autocrítica. Tanto o dogmatismo quanto o empirismo são parciais e unilaterais. Mao considera o dogmatismo um erro potencialmente mais grave e pernicioso ao partido que o empirismo. Há muitas passagens dos textos de Mao em que se sugere a ida dos quadros e dos intelectuais às fábricas e ao campo, de forma a estimulá-los ao contato com o trabalho prática e possibilitar a aplicação objetiva do conhecimento teórico.
CONSTRUÇÃO DO SOCIALISMO NA CHINA
“Um comunista deve perguntar sempre pelos porquês de todas as coisas, usar a própria cabeça para pensá-las em todos os aspectos, ver se correspondem ou não à realidade e se estão verdadeiramente bem fundadas. Em caso algum um comunista deve seguir cegamente os outros ou encorajar a obediência servil”.
Estas palavras proferidas na palestra de 1942 seriam reiteradas no novo contexto da construção do socialismo. A Revolução cultural de 1966 igualmente voltou-se à resolução de contradições no seio do povo. Mao Zedong defende que esta revolução cultural corresponde a um experimento para revelar o lado sombrio do partido. Esta etapa da revolução teve início quando Mao ratificou pessoalmente um cartaz de uma professora de filosofia da Universidade de Pequim, denunciando e criticando o cerceamento político por parte dos reitores – quadros do partido na liderança da universidade.
A ratificação do cartaz da professora Nie Yuanzi foi o estopim para que milhares de associações estudantis se formassem no país, também reivindicando o direito de criticar diretamente as práticas políticas da liderança partidária e do estado[2]. O objetivo em suma é abrir o controle do estado e do partido pelo povo e o combate à burocratização.
Em fins de 1950 e início de 1960 processa-se a crise sino-soviética: ela foi diretamente influenciada pelas denúncias de Kruschev dos “crimes de Stálin” no XX Congresso do PCUS em 1956.
O princípio da co-existência pacífica suscitado pela URSS de Kruschev reforçou a oposição entre russos e chineses. Kruschev suspendeu a cooperação nuclear com Pequim e em 1960 ordenou a saída de todos os especialistas estabelecidos na China, cancelando os projetos de cooperação técnica.
Mao Zedong, em todo o caso, sempre suscitou a necessidade da revolução chinesa aprender com os erros e acertos da revolução russa. Os primeiros planos de industrialização foram promovidos na China de acordo com a experiência soviética: os comunistas chineses estabeleciam como meta que o seu paíse ultrapassasse em 15 anos a Inglaterra na produção de aço.
A necessidade de aproximar o partido e o estado das massas trabalhando com o método correto as contradições no seio do povo também dizia respeito às políticas junto aos camponeses. Em 1950 a China ainda tem 80% de sua população no campo. A construção do socialismo no campo está relacionada ao trabalho de ajuda mútua, que evolui para as cooperativas semi socialistas e para as cooperativas socialistas. Existe uma necessidade objetiva de tornar estas cooperativas rentosas, de modo que se mantenha o princípio da voluntariedade da adesão. A reforma agrária e a coletivização do campo na China não assumiu contornos de Guerra Civil como na URSS.
Mao Zedong reitera que o socialismo, se quer a adesão das massas, deve se focar em aumentar a qualidade de vida das pessoas. A difícil tarefa de institucionalização da revolução, a mudança da etapa da luta militar pelo poder para as novas tarefas da administração e edificação do socialismo, tudo isso processou-se de maneira muito diferente na China e na Rússia.
O aspecto de longa duração da revolução chinesa, suas peculiaridades históricas, sua população em meados do séc. XX de 600 milhões de pessoas e a predominância do campesinato são alguns destes aspectos que diferenciam a experiência chinesa.
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