quarta-feira, 2 de setembro de 2020

AS CARTAS DE LONGE DE V. I. LÊNIN

                                         AS CARTAS DE LONGE DE V. I. LÊNIN 

 


 

 

“Nossa revolução é burguesa, e por isso os operários devem apoiar a burguesia – dizem os Potresov, os Gvodiez e os Tcheideze, como dissera antes Plekhanov. Nossa revolução é burguesa – dizemos nós, marxistas, e por isso os operários devem abrir os olhos do povo para que veja a mentira dos políticos burgueses e para ensiná-lo a não acreditar nas palavras, a contar unicamente com suas próprias forças, com sua própria organização, com sua própria união, com seu próprio armamento. (...) Mostraremos em que consiste a especificidade deste momento, da passagem da primeira para a segunda etapa da revolução, e porque a palavra de ordem, a “ordem do dia”, neste momento deve ser: Operários! Vocês realizaram prodígios de heroísmo proletário e popular na guerra civil contra o tzarismo. Vocês devem realizar prodígios de organização do proletariado e de todo o povo para preparar o seu triunfo na segunda etapa da revolução” – CARTAS DE LONGE – Primeira Carta: a primeira etapa da primeira revolução. Escrita a 7 (20) de Março de 1917.  V. I. Lênin

 

Quando Lênin retornou do seu exílio para a Rússia na noite de 3 de Abril de 1917 fazia poucas semanas do triunfo da primeira etapa democrático-burguesa da Revolução, que destituiu o secular czarismo e instituiu um governo provisório de natureza burguesa, com o apoio, por um lado, do imperialismo anglo-francês, e por outro lado, contanto com a mobilização de operários e camponeses pobres consubstanciada no Soviet de Petrogrado.

 

Quando do retorno de Lênin, o dirigente bolchevique tinha 47 anos de idade, estava em sua plena maturidade intelectual e já era então o principal dirigente do partido bolchevique, agrupamento que, ainda em abril de 1917, era minoritário no Soviet.  

 

O contexto daqueles eventos envolvia a participação da Rússia na 1ª Guerra Mundial. Consta que a vinda de Lênin e outros exiliados russos foi objeto de negociação com a Alemanha do Kaiser que tinha interesse no retorno à Rússia de revolucionários internacionalistas cujo programa envolvia a retirada da Rússia da guerra, ou, para ser mais exato, a transformação da guerra entre os imperialismos em guerra civil revolucionária de classes.

 

Sobre o retorno de Lênin à Rússia, muitos detratores buscaram associar este retorno a uma espécie de acordo espúrio de Lênin com os alemães. Contudo, Deutscher relata de forma detalhada como seu deu este retorno:

 

“Lênin cuidou desta viagem (de regresso à Rússia) por meio de bem conhecidos socialistas alemães, suecos, suíços e franceses. A única obrigação que assumiu diante do governo alemão foi fazer o possível para assegurar que um grupo de civis alemães tivesse permissão de sair da Rússia, como quid pro quo. O governo alemão, sabedor da oposição de Lênin à guerra, certamente esperava ganhar com sua propaganda dentro da Rússia. Lênin teve escrúpulos antes de decidir se valer das facilidades para viajar através da Alemanha. Os escrúpulos cederam diante da preocupação principal – estar o mais cedo possível no centro da revolução. Teria preferido ir à Rússia através da Inglaterra, mas o governo britânico recusou-lhe a autorização. Ao chegar, ninguém censurou a viagem. Os dirigentes dos partidos socialistas saudaram-no como um dos velhos e consumados líderes. Algumas semanas mais tarde, Martov e outros mencheviques seguiram o exemplo e viajaram para casa pelo mesmo caminho, sem nunca suscitar nenhuma censura ou crítica. Somente mais tarde, quando a influência de Lênin começou a crescer, foi que o vagão lacrado se viu transformado por alguns adversários num pacto sinistro entre o Estado-Maior alemão e os bolcheviques”. (Deutscher, 2006).

 

Não é difícil cogitar da profunda apreensão que um revolucionário em tempo integral como Lênin devia passar ao acompanhar os eventos revolucionários na Rússia à distância.

 

A primeira das cartas de longe foi escrita em 7 de Março de 1917, uma semana após o êxito da revolução de fevereiro. Começa a carta apontando que a primeira etapa da revolução não será a última, fato confirmado em outubro do mesmo ano.

Nestes escritos Lênin suscita a questão: como foi possível uma monarquia absolutistas secular ser destituída do poder em apenas uma semana? Como explicar este aparente milagre da história?

 

São três os pontos fundamentais que explicam a rápida queda dos Romanov para Lênin. Em primeiro lugar, a revolução russa de 1905-1907. Sem os três anos de formidáveis batalhas de classe não teria sido possível uma segunda revolução tão rápida.

 

“A primeira revolução (1905) revolveu profundamente o terreno, arrancou pela raiz preconceitos seculares, despertou milhões de operários e dezenas de milhões de camponeses para a vida política e para a luta política; revelou a cada classe (e todos os principais partidos) da sociedade russa, a verdadeira correlação de seus interesses, suas forças, seus modos de agir, seus objetivos imediatos e subsequentes”. (Lênin)

 

O segundo fator que determinou a breve vitória da revolução de fevereiro foi a guerra imperialista mundial. A natureza imperialista da guerra acelerou extraordinariamente e recrudesceu a luta de classes do proletariado contra a burguesia, transformando-se em guerra civil entre classes inimigas. O terceiro fator tem natureza política e diz respeito à constituição do Soviet de Deputados Operários de Petrogrado. Lênin neste ponto reforça que os bolcheviques não podem adotar qualquer política de apoio ao governo provisório: é necessário armar o proletariado, consolidar e desenvolver o papel e a importância e a força do soviet, como garantia da liberdade e da impossibilidade de restauração do cazarismo. É dada ênfase à constituição de milícias operárias: conforme as tradições da Comuna de Paris de 1871 e da Revolução Russa de 1905, dissolver e fundir as funções de polícia, exército e burocracia com todo o povo em armas.  

 

Logo após a chegada de Lênin em Petrogrado em abril de 1917 seria publicado o seu famoso artigo “As Tarefas do Proletariado na presente revolução – Teses de Abril”. A análise estas teses será objeto de análise no nosso próximo artigo.

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