A GUERRA DOS EMBOABAS
Resenha livro “Maurício ou os Paulistas em São João Del Rei - Insurreição” – Bernardo Guimarães – Ed. Itatiaia.
“Dos índios poucos tinham injúrias
pessoais a vingar, mas fervia-lhes na alma o ódio instintivo, que os açulava
contra os europeus, que lhes queriam roubar a liberdade e a terra, que Tupã
lhes tinha dado. Os negros, todos escravos fugidos, queriam vingar-se dos
golpes de azorrague desumano, que ainda lhes ardia nas carnes, e ao mesmo tempo
quebrar os ferros da escravidão. Dos paulistas não havia um só que não
trouxesse altamente gravada no coração uma cruel afronta, um esbulho o mais
iníquo, a mais clamorosa injustiça.”.
(Bernardo Guimarães - “Maurício ou os
Paulistas em São João Del Rei -
Insurreição”).
A Guerra dos Emboabas foi um conflito armado que
ocorreu entre 1707 e 1710 no recém-descoberto território das Minas Gerais. Mais
especificamente no território onde hoje se situam as cidades de Sabará, Ouro
Preto e São João Del Rei da região centro-sul estado mineiro
Trata-se de uma insurreição de sertanistas
paulistas em oposição aos “emboabas”, palavra que significa “forasteiros” ou “estrangeiros”,
no caso, basicamente portugueses (chamados de fidalgos) e baianos, que chegaram
posteriormente à região aurífera, colocando fim à atividade mineradora até
então exclusivamente exercida pelos homens vindo de São Paulo.
Para se conhecer melhor esta Guerra é
necessário retomar o fio dos acontecimentos desde a época do bandeirantismo, já
em sua segunda fase, quando passam da atividade de captura e escravização de
índios para o estabelecimento de bandeiras em busca das esmeraldas.
Esta dita segunda fase do bandeirantismo pode
se situar a partir do ano de 1664 quando o Rei português Dom Afonso apresentas
carta aos brasileiros estimulando-os a se engajarem na busca por metais
preciosos.
Esta diretriz se explica pela situação de
decadência econômica portuguesas que já vinha de alguns anos e fora
particularmente agravada após o fim da União Ibérica (1580 a 1640). Portugal já
não era a mais importante potência ultramarina europeia, perdia mercados de
seus produtos das índias orientais para seus concorrentes e se tornava cada vez
mais dependente da Inglaterra. Fazia-se necessário ampliar o controle político,
exploração e extração de riquezas da colônia da América: foram inclusive
remetidas autoridades régias para substituir os poderes locais (ficando conhecidos
os “juízes de fora”) juntamente para aumentar a pressão por dividendos do
empreendimento colonial.
Como veremos, é justamente o incremento deste
controle da Coroa Portuguesa sobre a atividade mineradora o ponto de partida da
insurreição dos pioneiros mineradores sertanistas de Minas Gerais.
As primeiras jazidas de metais preciosos daquela
região foram descobertas em 1693 pelos bandeirantes paulistas. Estima-se que nos
dez anos subsequentes ao achamento do ouro, cerca de 30.000,00 pessoas, em sua
maioria aventureiros, se dirigiram à região movidos pela ambiciosa conquista de
riquezas indescritíveis, “rios de esmeraldas” e “montanhas de ouro”, cuja existência
era relatada há tempos por índios aos colonizadores, marcando nitidamente o imaginário da época.
Um grande problema objetivo que surgiu deste
êxodo de paulistas para as Minas Gerais (e que também seria um dos pontos de
partida da Guerra) foi a grave crise de abastecimento e falta de alimentos em
torno dos pequenos arraiais constituídos em paralelo à expansão das bandeiras.
Os caminhos até as jazidas de ouro davam-se
através de vastas trilhas no meio de densas florestas, cercadas pela ameaça de
ataques de índios, animais ferozes e doenças. Durante a maior parte do tempo, o
acesso à região se dava exclusivamente através destes estreitos caminhos no
meio do mato abertos pelos índios desde o tempos da pré história do Brasil, provavelmente
milhares de anos antes da chegada dos Portugueses. O abastecimento tornava-se
inviável pelo percurso, o que se agravada pela própria natureza econômica da mineração.
A busca pelo ouro envolvia constantes deslocamentos territoriais, não havendo a
sedentarização necessária para o estabelecimento de uma agricultura de subsistência,
com criação de animais e constituição de cidades minimamente estruturadas.
Em pouco tempo, as fontes naturais de
alimentação, incluindo animais para caça, foram se extinguindo. Sem o
abastecimento dada a distância das minas em relação a São Paulo, muitos morriam
de fome ou até mesmo envenenados ao comerem fungos e animais imundos, dada a
situação desesperada em que se encontravam.
Este pioneirismo destes bandeirantes paulistas
que com esforço e luta conseguiram vencer guerras contra índios, a doença e a
fome, além marchar sobre um vasto território inóspito, seria abalado pela
posterior vinda dos forasteiros, chamados de “emboabas”.
Apareceram, depois dos bandeirantes paulistas,
comerciantes oriundos da Bahia interessados no comércio de gado e alimentos e
também na exploração do Ouro. Quando era basicamente impossível transportar
mantimentos de São Paulo às Minas, os Baianos desenvolveram uma rota comercial
pelo norte, através do Rio São Francisco, atingindo as vilas e arraias
sertanistas. Dada a escassez de alimentos, vendiam o gado a preços cem vezes
maior do que transacionavam no litoral.
Outros forasteiros (ou emboabas) eram os portugueses
de sangue, fidalgos enviados pela Coroa, para serem constituídos como
autoridades públicas responsáveis pela administração política e judiciária das
vilas e, especialmente, para fiscalizar e arrecadar, por meio de impostos
exorbitantes, os diamantes encontrados pelos paulistas.
A Guerra dos Emboabas, um conflito que colocou
especialmente em oposição sertanistas brasileiros e portugueses a mando da
Coroa, pode ser entendida como um prelúdio da luta pela independência, que se concretizaria
mais de cem anos depois do conflito.
De um lado, os paulistas, que eram como os
bandeirantes eram chamados àquele tempo. Queixavam-se que os forasteiros não só
lhes roubaram o ouro, mas a liberdade, impondo o direito de requestar suas
casas, suas mulheres e filhas. E ao menor sinal de descontentamento, os
portugueses castigavam os paulistas com prisões e com o tronco de tortura.
Ao lado dos sertanistas de São Paulo ficaram
índios e quilombolas, ambos igualmente esmagados pelos emboabas, que também
eram vistos como forasteiros que espoliaram-nos da atividade mineradora. Os sertanistas,
bugres e os negros devotam ódio e sede de vingança em face dos portugueses, apenas
faltando um ou outro episódio detonador para a eclosão da Guerra Civil.
De outro lado da guerra estavam os emboabas, muitos
portugueses de nascimento, que viam os paulistas como aventureiros e bandidos,
acompanhados de índios e negros indomáveis, formando um exército furioso, ainda
que insubordinado. Na guerra, apenas podiam contar com os seus escravos, a quem
armavam para se defender dos paulistas. O que não parecia ser eficiente, por
razões mais ou menos óbvias. Qual seria o sentido de o negro cativo pegar em
armas para defender o emboaba (seu proprietário e algoz) ? E ainda lutar não só
contra os paulistas, para atacar e matar seus companheiros de escravidão
evadidos e transformados em quilombolas?
A GUERRA DESCRITA PELA LITERATURA: BERNARDO
GUIMARÃES
Todo este cenário é o pano de fundo do pouco
conhecimento romance “Maurício ou Os Paulistas Em São João Del Rei” (1877) do
escritor mineiro Bernardo Guimarães.
O livro se situa dentre outras histórias de
escritores ligados ao romantismo brasileiro, que descrevem grandes e heroicos eventos
da História Nacional. É o que aparece por exemplo em algumas obras de José de
Alencar e Franklin Távora: uma inequívoca literatura nacionalista, criada a luz
e ao tempo dos próprios acontecimentos que ensejaram emancipação brasileira de
1822.
No romance de Guimarães, dentro do estilo
literário romântico, a Guerra dos Emboabas se contextualiza no quadro histórico
supracitado, mas é desencadeada por conflitos de natureza sentimental.
A história se passa em São João Del Rei logo
após a chegada do Capitão Mor Diogo Mendes, que cumpria a função de representante
institucional da Coroa no território das Minas. Decidia os conflitos do lugar
sem direito a agravo e apelação. Representava em pessoa a figura do Rei de
Portugal.
A filha do juiz de fora se chamava Leonor,
cujo casamento é ambicionado pelo Fidalgo Fernando (sobrinho de Diogo Mendes) e
por Maurício, um paulista de coração nobre e espírito altivo. Paralelamente, o jovem
filho do Capitão Mor deseja a bela paulista Helena, que é ama e é amada pelo artesão
paulista Calixto.
É em torno dos triângulos amorosos que a
Guerra tem o seu ponto de partida: Calixto agride o filho do Capitão Mor em
defesa de Helena, acarretando um ato de violência contra toda população
emboaba, cuja punição severa repercutiu sobre toda a população sertanista.
Fernando, por seu lado, atiça os ânimos de guerra, buscando assim desmoralizar
e até matar o paulista Maurício, tirando-o de perto da filha do juiz de fora.
Era o estopim de uma guerra cujas condições
estavam dadas desde a chegada dos forasteiros no território das minas:
“O espírito de insurreição de há muito
que fermentava, e como que se organizava por si mesmo no seio daquela população
oprimida. Em todos os corações levedava um ódio antigo e rancoroso contra os
emboabas.
Os paulistas, o indígena e o escravo
negro a custo abafavam a sanha, que por isso mesmo se tornava mais violenta,
esperando impacientes o dia da vingança. Os elementos estavam preparados para a
mais horrível explosão, aguardando somente a mão audaz que lhe chegasse fogo.”.
Ao término do conflito, os paulistas foram
expulsos da região para retomarem (com sucesso) a cata de ouro na região onde hoje
se situa o Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Goiás.
Em todo o caso, é ao menos visível aqui um fio
de continuidade histórica entre a ação desbravadora dos mares desconhecidos
pelos colonizadores portugueses, passando depois pelos bandeirantes a darem
continuidade a epopeia através de expedições que percorreram desde o Rio Grande
do Sul até o Peru, desrespeitando, inclusive, os limites territoriais
institucionalizados pelo Tratado de Tordesilhas. A altivez e insubmissão dos
paulistas levaram-no à Guerra dos Emboabas e, após sua derrota, a continuar a
ocupação do território através de novas expedições e bandeiras, além de criar
um precedente nitidamente nativista que ensejaria 120 anos depois a
constituição do Brasil Independente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário