sábado, 6 de agosto de 2022

NOTAS SOBRE MONTEIRO LOBATO



 

“A sua roça, as suas personagens não são coisas de moça prendada, de menina de boa família, de pintura de discípulo ou discípula da Academia Julien: é da grande arte do nervoso, dos criadores, daqueles cujas emoções e pensamento saltam logo do cérebro para o papel ou para a tela. Ele começa com o pincel, pensando em todas as regras do desenho e da pintura, mas bem depressa deixa uma e outra coisa, pega a espátula, os dados e tudo o que ele viu e sentiu e sai de um só jato, repentinamente, rapidamente.”. (LIMA BARRETO – Problema Vital)

 

“Entre todos os que atualmente fazem parte da vida literária do país, Lobato tem sido, sem dúvida alguma, aquele que mais intensamente a vem agitando. Não pelo simples ruído que oculta, em regra, a ausência de sentido e de valor, mas pela força de uma atividade que se desdobra em numerosas faces, em todas elas tendo oferecido o autor de Urupês uma contribuição digna de apreço, que sempre alcançou resultados expressivos, senão notórios, pelo menos fonte de sugestões e origem de debates calorosos e fecundos.” (NELSON WERNECK SODRÉ – Lobato).

 

“Monteiro Lobato escritor, Monteiro Lobato pensador. Monteiro Lobato empreendedor e realizador: sob qualquer desses aspectos, o grande morto apresenta facetas inúmeras que merecem, como têm merecido, análise e a justa homenagem que todos lhe tributam. Mas, há ainda mais em Monteiro Lobato, alguma coisa que o sintetiza melhor que outro traço qualquer de sua invulgar e tão rica personalidade: refiro-me a Monteiro Lobato, homem de caráter” (CAIO PRADO JÚNIOR – Monteiro Lobato).

 

José Bento Renato Monteiro Lobato desde criança desenvolveu a atividade literária. Nascido na cidade de Taubaté/SP em 18 de abril de 1882, ainda na escola se dedicava a escrever histórias e criar jornais.

 

É provável que seu trabalho mais conhecido do público tenha sido o da literatura infantil, a criação da Turma do Sítio do Pica Pau Amarelo, da boneca Emília, dos primos Narizinho e Pedrinho, do Visconde de Sabugosa, da Dona Benta e da Tia Nastácia.

 

Além da literatura infantil, Monteiro Lobato produziu artigos, críticas literárias, crônicas e um único romance, denominado o “Presidente Negro”, publicado em 1926.

 

Também teve participação pessoal em movimentos políticos nacionalistas, em especial na defesa na nacionalização do Petróleo – neste caso foi pioneiro, tendo sido preso em março de 1941 durante o Estado Novo por ter enviado carta a Getúlio Vargas e ao general Góis Monteiro, chamando atenção para  “displicência do sr. Presidente da República, em face da questão do petróleo no Brasil, permitindo que o Conselho Nacional do Petróleo retarde a criação da grande indústria petroleira em nosso país, para servir, única e exclusivamente, os interesses do truste Standard-Royal Dutch”.

  

É certo que a leitura de parte de suas obras pode surpreender um leitor desatento, que não relacione algumas ideias tidas como racistas com as teses sociológicas então em voga no país entre os fins do século XIX e o início do século XX.

  

Mais recentemente, houve mesmo quem propusesse censurar os livros Monteiro Lobato por conta de suas teses raciais.

 

O anacronismo presente neste tipo de análise é inequívoco e dispensa maiores comentários.

 

Deixar de ler Monteiro Lobato significa renunciar ao contato com a história das ideias do Brasil num contexto em que as teses de eugenia, as críticas da miscigenação e as propostas do embranquecimento da população eram parte do vocabulário do pensamento social, de Nina Rodrigues à Sílvio Romero, de Euclides da Cunha à Joaquim Nabuco.

 

Sim, o mesmo líder abolicionista, frequentemente lembrado por suas campanhas em prol da libertação dos escravos, refutava no parlamento a vinda da imigração chinesa (“amarelos”) por considerações puramente raciais. Joaquim Nabuco, amigo íntimo de Machado de Assis, censurou o crítico literário José Veríssimo quando, após a morte do Bruxo do Cosme Velho, em artigo, Veríssimo chamava atenção para o fato de que nosso maior romancista fora da cor preta.  Na opinião de Joaquim Nabuco, a despeito do fenótipo do falecido escritor, a sua alma era branca e o artigo de Veríssimo depunha contra o autor de Memórias Póstumas de Brás Cubas.  

 

Fato é que o pensamento eugênico era tipo como ciência pelo menos desde 1870 até os anos de 1930.

  

No começo do século XX as campanhas sanitaristas ajudam as elites intelectuais a abandonarem, de forma gradual, os critérios de análise social baseadas exclusivamente na raça. O atraso do país paulatinamente deixa de ser relacionado ao problema da raça e passa a ser explicado pela (falta de) saúde e salubridade.

  

Importante papel foi cumprido por Gilberto Freire no seu “Casa Grande e Senzala” (1933), dizendo que os problemas do brasileiro não diziam respeito à raça ou à miscigenação envolvendo negros, índios e portugueses,  mas à salubridade, à saúde, à alimentação e à higiene.

 

Esta mudança de posicionamento se expressou também no escritor paulista Monteiro Lobato: quando criou o seu personagem Jeca Tatu, atribuía o atraso do caipira à degeneração racial. Já em 1918, Monteiro Lobato em prefácio da obra faz a sua autocrítica, já reconhecendo a predominância das doenças e da insalubridade no temperamento de Jeca Tatu.

 

Quem lê com atenção o “Casa Grande e Senzala” observa que a refutação das teses eugenistas e raciais em Gilberto Freire dizia debates que ainda estavam na ordem do dia. Casa Grande e Senzala e sua proposta de explicação da especificidade da formação nacional Brasileira envolvia novidades no campo metodológico, buscando chaves explicativas na cultura, na sexualidade, na vida íntima e nos hábitos de alimentação e higiene.

 

Ora, lendo os contos de Monteiro Lobato redigidos entre anos 1900-1920 verifica-se que o escritor Paulista foi nada menos do que um pioneiro na superação de teses puramente raciais na explicação da realidade nacional.

 

Sua autocrítica sobre as considerações raciais do Jeca Tatu data de 1916, quase 20 anos antes da publicação do “Casa Grande e Senzala”. Em outras palavras, Monteiro Lobato, ao contrário do propagado, tinha uma opinião avançada para a época sobre o problema racial.

 

Válido lembrar que o grande escritor carioca Lima Barreto, desprezado em vida por sua origem social e racial, injustamente não reconhecido em vida, teve o seu primeiro livro publicado por....Monteiro Lobato.

 

Conforme texto de Beatriz Resende[1]:

 

“Monteiro Lobato teve um papel de fundamental importância na vida e na obra de Lima Barreto, não só como estímulo intelectual em momentos em que o escritor desanimava com o pouco sucesso de sua literatura, mas na divulgação e permanência da obra do romancista. Foi pela decisão de Lobato editor que Lima Barreto publicou um romance, pela primeira vez, impresso no Brasil. Ao contrário do que acontecera com “Triste Fim de Policarpo Quaresma”, impresso em Portugal às custas do próprio autor, Monteiro Lobato publica “Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá” em São Paulo. E, ainda que a edição saia “matadinha”, como diz Lobato, Lima Barreto, pela primeira vez é pago por seu trabalho como romancista.”.   

 

Outro ponto cercado de incompreensão sobre a vida do nosso escritor diz respeito a sua suposta oposição ao movimento artístico modernista, que se expressou no seu artigo crítico à Anita Malfatti. Não são poucos os que entendem haver uma oposição entre Lobato e as inovações artísticas cujo ponto precursor foi a Semana de Arte Moderna de 1922.

 

Em primeiro lugar, temos que Lobato e sua literatura realista, tratando das condições de vida dos matutos do interior paulista, certamente é uma precursora do modernismo literário – existe um evidente fio condutor entre “Urupês” e, por exemplo, os romances regionalistas da chamada geração de 1930, escritos por Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Amado Fontes, etc.

 

 Tanto é assim, que o primeiro intelectual que foi convidado a ser patrono da Semana de Arte Moderna de 1922 foi ninguém menos que Lobato, que recusou o convite. Durante a exposição de São Paulo, Malffalti sequer estava no Brasil, mas na Europa, só tendo retornado ao Brasil em 1928.

   

Em todo o caso, o realismo presente nos contos de Monteiro Lobato de uma certa maneira era e versão literária de quadros do pintor naturalista Almeida Júnior. Fazia sentido, portanto, as críticas aos aspectos formais da arte de Malffati, que neste ponto não eram brasileiras, mas europeias, baseadas nas vanguardas artísticas dos anos de 1920/30.

 

Ninguém melhor do que Oswald de Andrade, pioneiro daquele movimento de vanguarda, para desmentir a falsa oposição de Lobato às propostas de uma arte não parnasiana, com forte protagonista de tipos populares. Diferenças sim, oposição não. Veja-se o texto “Carta a Monteiro Lobato”:

 

“Hoje, passados vinte e cinco anos (do lançamento de Urupês), sua atitude aparece sob o ângulo legitimista da defesa da nacionalidade. Se Anita e nós tínhamos razão, sua luta significava a repulsa ao estrangeirismo afobado de Graça Aranha, às decadências lustrais da Europa podre, ao esnobismo social que abria os seus salões à Semana. E não percebia você que nós trazíamos nossas canções, por debaixo do “futurismo”, a dolência e a revolta da terra brasileira. Que as camadas mais profundas, as estratificações mais perdidas da nossa gente iam ser resolvidas por essa “poesia de exportação” que eu proclamava no Pau Brasil. E que dela sairia aquele negro de Jorge Amado saudando, no cais da Bahia, todas as raças humanas”. (Oswald de Andrade). 

 

A literatura ficcional para adultos de Monteiro Lobato consiste  quatro livros de contos e um romance.

 

Os contos foram reunidos em “Urupês” de 1918, “Cidades Mortas”, de 1919, “Negrinha”, de 1920 e “O Macaco que se fez homem”, de 1923.

 

Seus primeiros livros de conto tem um caráter de literatura regionalista, tratando das condições de vida do caipira do interior paulista, a realidade da fazenda de café, particularmente descrita em sua fase de descenso nos contos de “Cidades Mortas”. Já o seu último livro de Contos, “O Macaco que se fez homem” e seu romance “O Presidente Negro” de 1926 têm um caráter mais experimental, inclusive mediante algo parecido com a ficção científica. É o caso também do seu único romance publicado, o mencionado "Presidente Negro", que trata de do futuro racial da humanidade.

 

A história é narrada por Ayrton Lobo e se passa no ano de 1924. O narrador é um humilde empregado de rua de uma casa comercial e alcança, com muita economia, o  sonho de possuir um veículo próprio Ford. Ayrton sofre um acidente com o veículo e é salvo pelo professor Benson que o acolhe em seu castelo e faz do hóspede seu confidente particular. O professor fez uma descoberta até então desconhecida por todo o mundo: o “porviroscópio” uma máquina que possibilita visualizar o futuro. Por esta máquina fantástica, o narrador é levado a conhecer a “guerra de raças” ocorrida nos EUA dos anos de 2228, quando as eleições presidenciais pela primeira vez na história dão à vitória a um candidato negro, o presidente Jim Roy.

 

O macaco que se fez homem contém igualmente histórias fantásticas como “Era no paraíso...” que narra a origem do homem, que se diferencia do macaco quando um destes animais leva um tombo, bate a cabeça e desenvolve o que se pode chamar de inteligência: passa a vacilar antes de enfrentar situações de perigo no meio natural, perde o frescor das antigas preocupações de um animal no estado de natureza, ainda que se relacione com uma macaca, passa a desejar outras fêmeas de sua espécie.

 

Neste, como nos demais contos, o humor aparece não raro associado ao trágico. A descrição naturalista da realidade do interior paulista, o relato de causos, histórias rápidas e que prendem a atenção do autor, certamente são aspectos da literatura que faria com que suas obras de adulto fossem tão populares quanto as suas histórias infantis.

 

 

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