“A ESCRAVA ISAURA” DE BERNARDO GUIMARÃES
Resenha Livro – “A Escrava Isaura” –
Bernardo Guimarães – Editora Autêntica
Bernardo Guimarães é um escritor
representativo do romantismo literário brasileiro.
Nascido em 1825 em Ouro Preto, teve como
obras mais conhecidas “A Escrava Isaura” publicada em (1875), “O Seminarista”
de 1872 e “O Garimpeiro” lançado também em 1872.
Parte das obras do nosso escritor é precursora
do regionalismo literário que melhor se desenvolveria nos quadros do modernismo
literário da década de 1930.
Certamente o regionalismo bernadiano ainda
está inserido dentro da idealização romântica, também assinalados em livros de
José de Alencar e Visconde de Taunay.
Monteiro Lobato, ele próprio um escritor
tipicamente regionalista, que descreveu de forma realista a situação do caboclo
do interior paulista, tecia críticas duras à esta idealização na obra de
Bernardo Guimarães:
“Lê-lo é ir para o mato, para a roça, mas
uma roça adjetivada por menina do Sião, onde os prados são ‘amenos’, os vergéis
‘floridos’, os rios ‘caudalosos’, as matas ‘viridentes’, os píncaros ‘altíssonos’,
os sabiás ‘sonorosos’, as rolinhas ‘meigas’. Bernardo descreve a natureza como
um cego que ouvisse cantar e reproduzisse as paisagens com o qualificativo
surrado do mau contador[1].”.
Ainda que esta dura crítica tenha o seu
fundamento, além de aplicável ao “romance de gabinete” de José de Alencar, deve-se
assinalar que em Bernardo Guimarães há ao menos um início de uma de crítica
social que, por esta razão, também tem o seu lastro na realidade.
A divinização da natureza e de alguns
personagens não deixa de fazer com que os seus livros sirvam como fonte
preciosa para se conhecer a realidade do Brasil do II Império.
Em “O Seminarista”, talvez o mais bem
elaborado romance do escritor, temos uma contundente crítica à formação
religiosa e ao celibato. E no mais famoso livro de Guimarães, “A Escrava Isaura”,
uma denúncia da escravidão e de instituições jurídicas.
A ESCRAVA ISAURA
A história se passa no início do Reinado
de Dom Pedro II, no ano de 1840. No município de Campos dos Goytacazes, no Rio
de Janeiro, se situa a fazenda de um grande e devasso Comendador. Típico latifundiário
que, além dos filhos do casamento legal, mantinha relações com escravas,
particularmente uma linda mulata, que fora mãe de Isaura.
A protagonista do romance era filha desta
escrava, protegida do Comendador, e de um feitor português chamado Miguel. A
mulher do Fazendeiro, desgostosa com a vida depravada do marido, acolheu Isaura
e tratou-a como uma segunda filha:
“Isaura era filha de uma linda mulata,
que fora por muito tempo a mucama favorita e criada fiel da esposa do
comendador. Este, que, como homem libidinoso e sem escrúpulos, olhava as
escravas como um serralho à sua disposição, laçou olhos cobiçosos e ardentes de
lascívia sobre a gentil mucama. Por muito tempo resistiu ela às suas brutais
solicitações; mas por fim teve de ceder às ameaças e violências. Tão torpe e bárbaro
procedimento não pôde por muito tempo ficar oculto aos olhos de sua virtuosa
esposa, que com isso concedeu mortal desgosto.
(...)
Eis aí debaixo de que tristes auspícios
nasceu a linda e infeliz Isaura. Todavia, como para indenizá-la de tamanha
desventura, uma santa mulher, um anjo de bondade, curvou-se sobre o berço da
pobre criança e veio ampará-la à sombra de suas asas caridosas.”.
Sob o cuidado e proteção da mulher do Comendador,
Isaura teve aulas de francês, italiano, dança,
música e desenho. Sua educação não se diferenciava das mulheres da alta
sociedade, não obstante sua beleza incomum irritar a vaidade e o amor próprio daquelas
donzelas.
Com a morte do Comendador, o seu filho
Leôncio, igualmente libertino, assume a direção da Fazenda e passa a assediar
Isaura, que com a altivez de uma mártir, busca se esquivar do estupro, fazendo-a
chegar até a drástica resolução de uma fuga.
Ainda que seja inequívoca a crítica à escravidão
neste romance, a defesa da liberdade do cativo não deixa de ser cercada de
ambiguidades. O que chama atenção é que Isaura, apesar de escrava, é branca, além
de educada com requinte e com uma moral que a coloca acima das demais mulheres
do topo da pirâmide social.
A oposição à escravidão, talvez, não se
refira necessariamente a um direito inato do ser humano mas à injustiça de um
caso específico: Isaura não merece ser escrava por sua beleza de anjo e suas
qualidades morais:
“- Por piedade, Isaura, não me martirize
mais com essa maldita palavra que constantemente tens nos lábios. Escrava,
tu!... Não o és, nunca o foste e nunca serás. Pode acaso a tirania de um homem
ou da sociedade inteira transformar um ente vil e votar à escravidão aquela que
das mãos de Deus saiu um anjo digno de respeito e adoração de todos? Não,
Isaura; eu saberei erguer-te ao nobre e honroso lugar que o céu te destinou, e
conto com a proteção de um Deus justo, porque protejo um dos seus anjos.”.
A idealização do amor, da mulher e da
natureza, o tom abolicionista (ainda que limitado) e o estilo folhetinesco dão
o tom deste que foi o mais conhecido romance de Bernardo Guimarães.
Seria necessário um desenvolvimento posterior
da literatura brasileira para que fosse dado ao aos tipos populares um
verdadeiro protagonismo, cujo ponto culminante se dará com o advento do modernismo
literário.
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