BREVES NOTAS SOBRE JOSÉ DE ALENCAR
“Quando um homem
chora, minha prima, a dor adquire um quer que seja de suave, uma voluptuosidade
inexprimível; sofre-se, mas sente-se quase uma consolação em sofrer.
Vós, mulheres, que
chorais a todo o momento, e cujas lagrimas são apenas um sinal de vossa
fraqueza, não conheceis esse sublime requinte da alma que sente um alívio em
deixar-se vencer pela dor; não compreendeis como é triste uma lágrima nos olhos
de um homem”. (“A
Viuvinha” – José de Alencar).
Quando José Martiniano
de Alencar nasceu, em 1 de maio de 1829, havia apenas oito anos desde a
independência do Brasil. O autor passou pelo período tumultuado das Regências e participou,
já adulto, ativamente dos debates políticos e literários do II Império.
A questão nacional no escritor
cearense é inequívoca.
Seu projeto literário
correspondeu à aclimatação do romance no território brasileiro. Muitos o
consideram o nosso maior romancista do século XIX.
Segundo Valéria de
Marco:
“É empobrecedor
considerar o romance de Alencar sem levar em conta que intervém em um amplo
debate e que convive, lado a lado, na escrivaninha do escritor com panfletos políticos
e polêmicas literárias. Seu romance não é pausa na vida agitada. É também
proposta de reflexão sobre o país e veículo de discussão política”.
Ficaram conhecidos do público
as obras indianistas deste nosso escritor: O Guarani (1857), Iracema (1865) e
Ubirajara (1874). Na sua crítica à Gonçalves Magalhães, o escritor dizia que a
forma literária dos épicos era meio inadequado de retratar a nacionalidade:
havia muito pouco tempo desde o fim da colônia e início da constituição da nação
para se cogitar uma mitologia brasileira.
Também não se filiava Alencar
à perspectiva dos cronistas que intentaram retratar de forma documental os
índios brasileiros. Para o escritor, os índios deveriam ser retratados através
do romance.
A idealização do bom
selvagem, decorrência do pensamento romântico e com referência clara a Jean-Jacques
Rousseau, geraria críticas já no tempo de Alencar. Manifestou-se o entendimento
de que o autor era um artista de gabinete, que buscava retratar realidades
regionais sem nunca tê-las conhecido de perto.
Sobre a Vida do
Escritor
José Martiniano de
Alencar nasceu em Mecejana, que na época era um povoado nas cercanias de
Fortaleza. Seu pai fora padre, mas largou a batina para dedicar-se à vida
política. José de Alencar estudou na Faculdade de Direito do Largo São
Francisco em São Paulo, onde foi colega de Álvares de Azevedo (1831-1852) e
Bernardo Guimarães (1825-1884).
Exerceu o jornalismo, a
crítica literária e a política. Foi deputado pelo partido conservador e ocupou
o cargo de ministro da justiça no gabinete Itaboraí. Defendeu a escravidão.
Para os heróis do identitarismo que defendem a censura de Monteiro Lobato e o
fogo nas estátuas, é possível que est fato os autorize a deixar de conhecer
nosso escritor, sem grandes remorsos.
O seu primeiro romance,
publicado na forma de folhetim, foi “Cinco Minutos” (1856). A história é contada
na forma de uma carta redigida pelo protagonista do enredo à sua prima. Conta
uma história de amor decorrente de um atraso de cinco minutos: o acaso da falta
da pontualidade do narrador faria com que no bonde, o protagonista conhecesse
Carlota, por quem se apaixona, mesmo sem a conhecer ou mesmo a ver o seu rosto.
A mulher tinha todo o seu corpo coberto por chapéu e panos, nascendo o sentimento
amoroso espiritual antes mesmo de se saber se Carlota era ou não bela.
Nestas tramas, o enredo
leva o leitor a um contato direto com o ambiente urbano do Rio de Janeiro de
meados do século XIX. No seu segundo romance, “A Viuvinha” (1857), a trama
torna-se mais sofisticada e interessante, podendo o leitor de hoje ter uma
fonte histórica valiosa da cidade, e mesmo nos recantos populares.
Vejamos a descrição de
uma tasca, espécie de taberna onde os pobres faziam suas refeições:
“O interior do
edifício correspondia dignamente à sua aparência.
A sala, se assim se
pode chamar um espaço fechado entre quatro paredes negras, estava ocupada por
algumas velhas mesas de pinho.
Cerca de oito ou dez
pessoas enchiam o pequeno aposento: eram pela maior parte marujos, soldados ou
corroceiros que jantavam.
Alguns tomavam a sua
refeição agrupados aos dois e três sobre as mesas; outros comiam mesmo de pé,
ou fumavam e conversavam em um tom que faria corar o próprio Santo Agostinho,
antes da confissão.
Uma atmosfera
espessa, impregnada de vapores acóolicos e fumo de cigarro pesava sobre essas
cabeças, e dava àqueles rostos um aspecto sinistro.
No fundo, pela
fresta de uma posta mal cerrada, aparecia de vez em quando a cabeça de uma mulher
de 50 anos, que interrogava com os olhos os fregueses, e ouvia o que eles pediam”.
Na “A Viuvinha”, a
forma literária é a mesma do livro anterior. Escrito em forma de carta,
conta-se a história de Jorge, um jovem advindo de família rica que gasta toda a
herança do pai numa vida desregrada e boemia. Em certo momento, apaixona-se por
Carolina e pelo amor, abandona a vida dedicada ao ócio. Contudo, poucos
instantes antes do casamento, descobre que tudo já era tarde demais. Seu
padrinho, que cuidava das suas finanças por conta do falecimento do pai, informa
que a empresa da família estava à bancarrota.
Como seria possível, na
véspera do casamento, romper o enlace pela falta absoluta de recursos e, com
isto, desgraçar para sempre a mulher que amava? O que fazer?
Sempre dentro do estilo
romântico, após as mais duras provações, todas as dificuldades serão superadas
e o casal tem um final feliz. A lição subjacente da história é a de que o
homem, quando enfrenta as mais duras dificuldades da vida, tem a alma provada
pelo desejo de evolução, redime-se ao final das culpas, e triunfa.
Há uma beleza nestas
histórias românticas decorrente de um mundo que parece hoje perdido. Buscar a
virtude e a pureza do corpo, hoje, parece ser mais um defeito do que um mérito.
A meta do homem dos dias de hoje parece antes ser a de granjear o máximo de
prazeres, pelo mínimo de esforço. E, como se sabe, o prazer costuma ser uma
experiência puramente individual.
Talvez por isto, e
muito para o nosso pesar, livros de José de Alencar não despertam o interesse,
senão do publico especializado. Mas não desanimemos: as modas filosóficas são passageiras,
mas as grandes obras de arte brasileiras permanecerão.
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