Contos de Machado de Assis
Quando se analise a trajetória
de vida de Machado de Assis, chama atenção a ascensão vertiginosa e pouco usual
de um artista mulato, oriundo do morro do Livramento (RJ), que chegaria ao fim
do século XIX reconhecido por unanimidade como o maior escritor do Brasil.
Joaquim Maria Machado de
Assis nasceu em 1839: seu pai era neto de escravos e sua família vivia como
agregados, sob a proteção de uma viúva rica, que se tornou madrinha do futuro
escritor.
Na infância trabalha como
baleiro. Na adolescência sai da chácara e muda-se para a cidade, tornando-se
aprendiz de tipógrafo. Autodidata, nunca teve formação escolar formal. Das suas
primeiras publicações na imprensa fluminense nos de 1860, até a sua plena
maturidade artística nos anos de 1880/90, obteve o reconhecimento do seus
méritos literários, culminando na sua eleição como presidente da recém fundada
Academia Brasileira de Letras, em 1897, função que ocuparia até a sua morte, em
29 de setembro de 1908.
Parece haver um consenso
entre os estudiosos acerca de uma periodização da obra de Machado de Assis.
Os romances da chamada 1ª
Fase como Ressurreição (1872), a Mão e a Luva (1874), Helena (1876) e Iaiá
Garcia (1878) se situam ainda dentro da 3ª Geração do Romantismo. São obras
folhetinescas, destinadas ao público feminino urbano, que suscitam uma análise
condescendente e conciliadora quanto às relações sociais vigentes e os
problemas do amor. Ainda que haja de fato uma mudança substancial nos seus
romances subsequentes, que inauguram no país o realismo literário, estas
primeiras obras não perdem o interesse do leitor de hoje. Em muitos momentos antecipam
a crítica social, o humor sutil e a ironia refinada dos trabalhos posteriores.
Sobre esta mudança de
orientação na obra, opina Ivan Marques:
“Na juventude, Machado de
Assis colaborou fartamente em periódicos como o ‘Jornal das Famílias’ e ‘A Estação’.
Nessa época escreveu narrativas folhetinescas voltadas para o público feminino –
segundo ele ‘as páginas mais desambiciosas do mundo’. As obras-primas do conto
machadiano só viriam à tona após a ‘crise dos quarenta anos’ e o seu famoso
renascimento como escritor. A mudança de fase, no começo da década de 1880, foi
explicada por Machado com a afirmação de que ‘perdera todas as ilusões sobre os
homens’. É a época dos contos-teorias, em que o autor analisa de modo crítico e
pessimista temas como o egoísmo, o interesse que a tudo devora, os limites da
razão e da loucura, a crueldade e o triunfo da aparência sobre a essência”.
De fato, em obras como Memórias
Póstumas de Brás Cubas (1881), Dom Casmurro (1899) e Quincas Borba (1891), o romance
folhetinesco é abandonado, ganhando maior espaço o humor, a ironia ou o patético, palavra de origem francesa que
descrevo o que é ao mesmo tempo engraçado e triste.
O realismo revela o
cinismo e a hipocrisia nas relações sociais: a realidade é feita de aparências
e jogos de cena. No conto “Teoria do Medalhão” (Papeis Avulsos - 1882) um pai educa seu filho para que vença na
vida, devendo seguir o conselho de não se afastar jamais das convenções sociais
e sempre esconder o rosto que existe por trás da máscara.
O escritor fluminense escreveu
e publicou cerca de 200 contos, que acabam também se diferenciando conforme as
fases romântica e realista supracitadas.
O tema dos dilemas da
consciência e a crítica dos costumes são antecipados em contos como “O Relógio
de Ouro” (1873) em que um marido ciumento, ao descobrir um objeto desconhecido
dentro de casa, acaba por ser desmentido pela realidade, já que o relógio fora
entregue por um portador que portava o bilhete de uma Iaiá, e a traição fora
descoberta por sua mulher.
Já no conto “A Carteira”
(1884) os dilemas de consciência são retratados na hesitação do homem entre o
agir ou não de forma correta. O dilema começa logo no início da história,
quando o protagonista, endividado, encontra uma carteira na rua cheia de
dinheiro:
“.... De repente, Honório
olhou para o chão e viu uma carteira. Abaixar-se, apanhá-la e guardá-la foi
obra de alguns instantes. Ninguém o viu, salvo um homem que estava à porta de
uma loja, e que, em o conhecer, lhe disse rindo:
- Olhe, se não dá por ela;
perdia-a de uma vez.
- É verdade, concordou Honório
envergonhado”.
O protagonista faz a coisa
certa e devolve a carteira ao seu dono, que por sinal é um amigo que frequenta
sua casa. Mal sabia Honório que dentro da carteira havia um bilhetinho de amor
deste seu amigo destinado à sua esposa, D. Amélia.
Bibliografia
“Contos de Machado e Assis”
– Difusão Cultual do Livro
Imagem: Machado de Assis,
Joaquim Nabuco e Francisco Pereira Passos reunidos durante almoço oferecido
pelo general colombiano Rafael Uribe no Rio de Janeiro, 1906. Fotografia de
Augusto Malta
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