quinta-feira, 8 de julho de 2021

“As Três Marias” – Rachel de Queiroz

Resenha Livro - “As Três Marias” – Rachel de Queiroz – Coleção literatura Brasileira Contemporânea 6 – José Olimpio Editora 




 

“A noite ficávamos no pátio, olhando nossas estrelas, identificando-nos com elas. Glória era a primeira, rutilante e próxima. Maria José escolheu a da outra ponta, pequenina e tremente. E a mim coube a do meio, a melhor delas, talvez; uma estrela serena de luz azulada, que seria decerto algum tranquilo sol aquecendo mundos distantes, mundos felizes, que eu só imaginava noturnos e lunares”.

 

Rachel de Queiroz nasceu em Fortaleza em 17 de novembro de 1910. Começou na literatura ainda muito jovem: com apenas 19 anos publicou por conta própria 1000 exemplares do romance “O Quinze” (1930), trabalho prontamente reconhecido pela crítica, recebendo elogios de Graciliano Ramos, Augusto Frederico Schmidt, Graça Aranha e Agrippino Grieco.

 

Boa parte de sua obra pode ser situada naquilo que ficou conhecida como 2ª Geração Modernista da literatura Brasileira, com histórias de cunho regionalista, mas, ao mesmo tempo, suscitando no particular aquilo que é o universal. Histórias que se passam nos sertões nordestinos, nas pequenas cidades e vilas, mas remetem às questões de consciência que ainda tocam o leitor, independentemente do tempo e do local. Neste sentido, o regional é também nacional, razão pela qual obras como “Vidas Secas” (1933), “O Quinze” (1930) e “A Bagaceira” (1928) são irmãs mais velhas da arte nacionalista oriunda do movimento modernista de 1922.

 

Já no naturalismo literário do século XIX e dentro da literatura de alguns pré modernos como Lima Barreto, já se verifica uma maior atenção das narrativas aos extratos mais baixos da população brasileira. N’o “Cortiço” (1890), Aluísio de Azevedo retrata os tipos populares ainda dentro de uma perspectiva pitoresca, bem como situando as populações suburbanas do Rio de Janeiro dentro das orientações cientificistas tão em voga no século XIX. O determinismo (social, do meio e da raça) acabava servindo como um impeditivo para esta literatura superar uma compreensão meramente exterior da vida e da realidade dos extratos populares.

 

 

A grande novidade desta geração regionalista, já no modernismo, foi justamente superar esta artificialidade no trato dos extratos mais baixos da população, reivindicando uma literatura realista, objetiva e que não se furta de tratar os mais íntimos dilemas de consciência de retirantes, camponeses e trabalhadores urbanos.

 

“As Três Marias” é o quarto livro escrito por Rachel de Queiroz, publicado em 1939. O livro se diferencia das obras anteriores, já que o regionalismo presente em “O Quinze” (1930), “João Miguel” (1932) e em certo sentido no politizado “Caminho de Pedras” (1937), é substituído por uma história de ambientação urbana, inicialmente se passando num colégio e orfanato de freiras.

 

A história é narrada em primeira pessoa, por Maria Augusta, que irá descrevendo sua experiência de vida e de certa forma a condição das mulheres no Brasil do início do século XX:

 

“O colégio era grande como uma cidadela, todo fechado em muros altos. Por dentro, pátios quadrados, varandas brancas entre pitangueiras, numa quietude mourisca de claustro.

 

De um lado vivíamos nós, as pensionistas, ruidosas, senhoras da casa, estudando com doutores de fora, tocando piano, vestindo uniforme de seda e flaneta branca”.

 

A disciplina na escola era rígida: as regras exigiam das alunas a modéstia, a humildade e o silêncio. Os namoros proibidos se davam por trocas de cartas, ou trocas de olhares com transeuntes da rua. Eventualmente, o escândalo rompe a monotonia: uma normalista fugia com um namorado, resultando na sua desgraça pessoal.

 

A medida que a história avança, Maria Augusta (narradora) forma-se do colégio e passa a trabalhar na cidade como datilógrafa. Neste ponto, parece que a narrativa perde o interesse do leitor: o romance cai para o puro sentimentalismo feminino. Um jovem se apaixona por Maria Augusta: num rompante de desespero e embriaguez, tira a própria vida, e Maria Augusta não sente sequer compaixão do rapaz. Queixa-se do suicídio de Aluísio, como se a vítima fosse ela própria. Posteriormente, se envolve de forma sentimental com um intelectual carioca chamado Isaac, permite o sexo sem o casamento e engravida. No penúltimo capítulo revela ter abortado a criança e não demonstra muitos problemas de consciência com a sua conduta – no parque um bêbado ao acaso gritava “assassina”, o que aparece como uma mera coincidência. Maria Augusta se posiciona como vítima, chora a todo momento, o seu sentimentalismo irrita o leitor.

 

Sintomaticamente, este que deve ter sido o ponto mais baixo da produção literária de Rachel de Queiroz, passou a ser editado e lido por mulheres simpáticas ao movimento feminista moderno, buscando demonstrar como este romance de 1939 já seria uma pioneira defesa política do sexo frágil. Sintomático.  

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