“Caçadas de Pedrinho –
Hans Staden” – Monteiro Lobado
Resenha Livro - “Caçadas
de Pedrinho – Hans Staden” – Monteiro Lobado – Ed. Círculo do Livro
“Esse fato causou o maior
rebuliço no Brasil inteiro. Os jornais não tratavam de outra coisa. Até uma
revolução, que estava marcada para aquela semana, foi adiada, porque os conspiradores
acharam mais interessante acompanhar o caso do rinoceronte do que dar tiros nos
adversários” (“Caçadas de Pedrinho” – Monteiro Lobato).
No ano de 2010 ganhou
repercussão na mídia nacional o ajuizamento de um mandado de segurança pelo “Instituto
de Advocacia Racial” junto ao Supremo Tribunal Federal demandando a retirada do
livro “Caçadas de Pedrinho” (1933) da lista de leitura obrigatória do ensino
oficial, sob a alegação de que as crianças estariam supostamente expostas a conteúdo
racista.
Desde então, vem sendo ventilado
pela por grupos identitários a ideia de que o escritor paulista seria racista
ou até mesmo eugenista.
Esta não seria a primeira
vez que as obras de Monteiro Lobato seriam objeto de ataques injustos e
infundados.
Meses depois da publicação
do livro infantil “História do Mundo Para Crianças” (1933), a obra passou a
sofrer perseguição e censura da Igreja Católica. Naquela época era ainda uma
novidade a existência de obras literárias direcionadas ao público infantil, que
suscitavam a imaginação por meio de personagens fantásticos como o Visconde de
Sabugosa, um nobre fidalgo feito de espiga de milho que traz a voz da razão e
da ponderação; ou o Marquês de Rabicó, um porquinho medroso que conversa com as
crianças; ou Emília, uma boneca de pano que se distingue por sua bravura, autoconfiança
e uma certa esperteza. Consta mesmo que
um grupo de freiras chegou a organizar fogueiras para destruir exemplares de
livros no ano de 1942. No exterior, o Governo Português também chegou a proibir
os livros infantis em seu país tanto porque os livros indicam que o Brasil
teria sido achado ‘por acaso’ pelos portugueses, quanto por “ter registrado das
1600 orelhas cortadas à marinhangem árabe por Vasco da Gama”. [1]
Tanto no passado quanto no
presente, são injustos estes julgamentos sobre a obra do escritor de Taubaté.
Não é correto dizer que
Monteiro Lobato era racista, mesmo porque o escritor não teve uma única opinião
com relação ao tema racial. Já nos ano de 1920, quando inicia seu trabalho de
literatura infantil, já havia feito uma autocrítica acerca do seu personagem
Jeca Tatu. Os vícios do caipira não decorriam de questões raciais, da
miscigenação do branco, do índio e do negro. O atraso de Jeca decorria da falta
de salubridade, de higiene e de saúde. Nas palavras do escritor: “Jeca não é
assim. Está assim”. Vale dizer que esta mudança de orientação se deu ainda em 1918,
nada menos do que 15 anos antes do lançamento de “Casa Grande e Senzala”,
quando o grande sociólogo pernambucano chegaria às mesmas conclusões que
Monteiro Lobato.
Há outros indícios de que
Monteiro Lobato não mantinha a mentalidade racista propalada pelo
identitarismo.
No conto “Negrinha” (1920),
por exemplo, faz uma das mais contundentes denúncias dos resquícios da
mentalidade escravocrata nas fazendas de café após a abolição de 1888. A
perversidade com que Dona Inácia, “excelente senhora, gorda, rica, animada dos
padres”, brutaliza Negrinha, uma órfã de sete anos, contando com o beneplácito
de um padre, é o que há de melhor de literatura social escrita no Brasil:
“A excelente Dona Inácia
era mestra na arte de judiar crianças. Vinha da escravidão, fora senhora de
escravos – e daqueles ferozes, amigas de ouvir cantar o bolo e estalar o
bacalhau. Nunca se fizera ao regime novo – essa indecência de negro igual a
branco e qualquer coisinha: a polícia! (...) O 13 de maio tirou-lhe das mãos o
azorrague, mas não lhe tirou da alma a gana. Conservava Negrinha em casa como
remédio para os frenesis”.
Há uma carta do escritor de
data de 01/10/1916 endereçada à Godofredo Rangel em que Lobato tece fortes
elogios ao escritor negro Lima Barreto, na época solenemente ignorado pela
elite intelectual do país por puro preconceito racial.
A leitura das obras
infantis de Monteiro Lobato encanta tanto os jovens como os adultos e algumas
de suas lições de história oriundos do “Hans Staden” revelavam uma leitura
progressista da História do Brasil.
Por exemplo, sobre as
razões de Portugal não se desenvolver economicamente a despeito de ter saqueado
todo o ouro do Brasil:
"- Por que, então, não se
tornaram esses países os mais ricos do mundo? – Perguntou Pedrinho.
- Porque não souberam guarda-lo
– respondeu Dona Benda. – Não basta ganhar, é preciso conservar, coisa muito
mais difícil. Todo o ouro que Portugal tirou do Brasil foi se passando aos poucos
para os países industriosos, sobretudo para a Inglaterra, em troca dos produtos
das suas fábricas. Quando os portugueses abriram os olhos, era tarde – o ouro
do Brasil estava todo em mãos de gente mais esperta.”. (Hans Staden)
O mandado de segurança que
pretende censurar “Caçadas de Pedrinho” seguiu em trâmite no STF até maio de
2020. O STF declarou-se incompetente para analisar ação mandamental que tem
como ato coator parecer do Conselho Nacional de Educação. O mandado de
segurança, contudo, prossegue. É dever dos comunistas e dos patriotas defender a
obra de Monteiro Lobato como parte indissolúvel da cultura popular, motivo de
orgulho da população brasileira e obra literária que deve ser defendida em face
dos devaneios do identitarismo.
[1] Zöler,
Zöler (2018). «3.7.2.4 história». Lobato Letrador. 3º passo 1 ed. [S.l.]:
Tagore Editora. p. 357. 408 páginas. In: https://pt.wikipedia.org/wiki/Monteiro_Lobato
- Acesso em 15 de Julho de 2021
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