sexta-feira, 30 de abril de 2021

“Preto No Branco” – Thomas E. Skidmore

 “Preto No Branco” – Thomas E. Skidmore




 

Resenha Livro – “Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro” – Thomas E. Skidmore – Editora Companhia das Letras

 

A história da escravidão no Brasil e o debate sobre a questão racial ainda hoje são temas da história nacional cercados de mitos.

 

Um deles afirma que a escravidão no Brasil foi generosa com o elemento negro se comparada com o regime escravagista de outros países, nitidamente o dos EUA. Este ponto de vista teve como principal expressão as análises do Brasil Colonial suscitadas por Gilberto Freire em seu “Casa Grande e Senzala” (1933), quando houve uma interpretação nostálgica do passado colonial e da sociedade patriarcal, afirmando-se que do passado remoto brasileiro edificou-se uma democracia racial.

 

O mito da democracia racial só seria desmontado por historiadores e sociólogos revisionistas de meados do século XX (Florestan Fernandes, Roger Bastide, Emíla Viotti da Costa, entre outros) que demonstraram como a violência da escravidão no Brasil em nada se diferenciava das demais experiências dos países colonizados na América, ao menos no que diz respeito à violência dos proprietários e repressão às formas de resistência do negro.

 

O que há de específico do regime escravocrata no Brasil é sua tardia abolição. Quando a Guerra Civil norte-americana colocou fim à escravidão nos EUA, em 1865, apenas três países na América mantiveram este regime de trabalho: Brasil, Porto Rico e Cuba. O Brasil foi o último país do ocidente a abolir a escravidão, em 1888.

 

Outro mito relacionado ao problema da escravidão do Brasil envolveu a ideia de que a sua abolição teria sido obra da generosidade da classe dominante brasileira, do Partido Conservador, dos monarquistas e, particularmente, da Princesa Isabel. Ora, dos 9 deputados que votaram contra a Lei Áurea, todos eles eram do Partido Conservador, no caso latifundiários do Vale do Paraíba, donos de fazendas de café atrasados em relação aos proprietários do oeste paulista, já que ainda não tinham ajustado a organização do trabalho nas fazendas de acordo com a tendência, já sinalizada há décadas, da substituição pelo trabalho livre.

 

Quanto ao papel da família real, apenas em 1866 (um ano após o fim da escravidão nos EUA) o imperador na sua fala ao trono admitiu a possibilidade da abolição, desde que a longo prazo. Válido lembrar que o gesto final da Princesa Isabel foi objeto de uma votação de urgência considerando-se o estado de total desagregação do regime escravista. O impulso final que levou a abolição não partiu da benevolência da princesa mas da radicalização política do movimento abolicionista, tendo como exemplo a luta dos caifazes de São Paulo, além de fugas e rebeliões generalizadas de escravos em todos os cantos.  

 

Neste quadro de mistificação do passado brasileiro, a leitura do trabalho de Skidmore sobre o problema de raça e nacionalidade do Brasil entre 1870-1930 revela como as elites do país, ora se amparando em teorias cientificistas de cunho racista da Europa, ora confrontando estas teorias com a realidade multirracial dada, discutiram o futuro racial brasileiro em termos de branqueamento.  

 

Talvez surpreenda muitos leitores de hoje o fato de que o abolicionismo no Brasil não significou exatamente a concessão de direitos democráticos ao elemento negro – este viu-se, após a Lei Áurea, excluído do acesso à terra e de direitos de cidadania, enquanto as elites se ocupavam da importação de trabalhadores europeus, necessariamente brancos, buscando conciliar as teorias racistas europeias em voga e a realidade multiétnica do país.

 

O ideal racista do branqueamento da população estava presente inclusive em Joaquim Nabuco, o grande líder abolicionista, que se opôs decididamente à imigração de chineses (“amarelos”) por objeção puramente racial.

 

Sílvio Romero (1888), ligado à uma escola de intelectuais do Recife (PE) e influenciado pela filosofia alemã, foi um dos primeiros intelectuais a tratar do tema da raça dentro do prisma do determinismo social. Influenciado por Spencer e Thomas Buckle, Romero entende o negro como essencialmente inferior, opinião consensual na época, podendo, sob a tutela do branco e através da miscigenação, redimir-se.

 

A europeização do país é um projeto que se relaciona com a participação de representantes do país em conferências internacionais, ocasiões em que os brasileiros buscaram vender ao mundo a imagem de um país aberto aos imigrantes para o trabalho nas fazendas: não só para ocupação dos trabalhos realizados até então pelos escravos negros, mas especialmente para o branqueamento da população brasileira.  

 

Entre 1902-1912 o Barão do Rio Branco na condição de ministro das relações exteriores atua justamente para reforçar a imagem internacional do Brasil como um país europeizado. Este também foi o sentido da reforma urbana no Rio de Janeiro durante a gestão de Pereira Passos nos primeiros anos do século XX, bem como as campanhas sanitaristas lideradas por Oswaldo Cruz.

 

As campanhas sanitaristas ajudam as elites intelectuais a abandonar os critérios de análise social baseadas exclusivamente na raça: o atraso do país paulatinamente deixa de ser relacionado ao problema da raça e passa a ser explicado pela (falta de) saúde e da salubridade. Esta mudança de posicionamento se expressa no escritor paulista Monteiro Lobato: quando criou o seu personagem Jeca Tatu, atribuía o atraso do caipira à degeneração racial. Em 1918, Monteiro Lobato em prefácio da obra faz a autocrítica, já reconhecendo a predominância das doenças e da insalubridade no temperamento de Jeca.

 

O racismo científico em voga entre os fins do XIX e inícios de XX vai sendo deixado de lado e já parece às elites intelectuais brasileiras entre os anos 1920-30. Contudo, a ideologia do branqueamento da população subsiste, havendo a expectativa de que o elemento negro seria paulatinamente superado pela etnia branca. Dentro deste ideal de branqueamento que perpassa todo o período analisado no livro, o homem de cor pode até elevar-se socialmente, mas apenas em caráter excepcional e mediante grandes esforços individuais. Mulatos como Nina Rodrigues granjeavam posições na elite, e ainda assim defendiam as teses racistas e o branqueamento. Outros como Roquette Pinto, Gilberto Freire e Manoel Bonfim pioneiramente combateram as teses racistas europeias, inclusive chamando a atenção para o fato de que estas teorias partiam de países europeus cujos interesses imperialistas estavam nitidamente relacionados às teorias racistas.

 

“Examinamos as diversas formas pelas quais membros articulados da elite explicavam suas expectativas raciais em termos das teorias raciais dominantes. Quando o racismo científico chegou ao Brasil, os intelectuais reagiram com a tentativa de produzir um fundamento para seu sistema social dentro do marco do pensamento científico racista. Mesmo quando essas teorias caíram em descrédito científico, a elite manteve fé explícita no processo de branqueamento. Como essa crença já não podia ser propagada em termos de superioridade ou inferioridade racial, era descrita como um processo de ‘integração étnica’ que miraculosamente (como tinha sido desde a década de 1890) vinha resolvendo os problemas raciais do Brasil. Como permanecia a esperança de branqueamento, crescia a confiança em sua inevitabilidade”.

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