“Preto No Branco” – Thomas E. Skidmore
Resenha Livro – “Preto no
branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro” – Thomas E. Skidmore – Editora
Companhia das Letras
A história da escravidão
no Brasil e o debate sobre a questão racial ainda hoje são temas da história nacional
cercados de mitos.
Um deles afirma que a
escravidão no Brasil foi generosa com o elemento negro se comparada com o
regime escravagista de outros países, nitidamente o dos EUA. Este ponto de
vista teve como principal expressão as análises do Brasil Colonial suscitadas
por Gilberto Freire em seu “Casa Grande e Senzala” (1933), quando houve uma
interpretação nostálgica do passado colonial e da sociedade patriarcal, afirmando-se
que do passado remoto brasileiro edificou-se uma democracia racial.
O mito da democracia
racial só seria desmontado por historiadores e sociólogos revisionistas de
meados do século XX (Florestan Fernandes, Roger Bastide, Emíla Viotti da Costa,
entre outros) que demonstraram como a violência da escravidão no Brasil em nada
se diferenciava das demais experiências dos países colonizados na América, ao
menos no que diz respeito à violência dos proprietários e repressão às formas
de resistência do negro.
O que há de específico do
regime escravocrata no Brasil é sua tardia abolição. Quando a Guerra Civil
norte-americana colocou fim à escravidão nos EUA, em 1865, apenas três países
na América mantiveram este regime de trabalho: Brasil, Porto Rico e Cuba. O
Brasil foi o último país do ocidente a abolir a escravidão, em 1888.
Outro mito relacionado ao
problema da escravidão do Brasil envolveu a ideia de que a sua abolição teria
sido obra da generosidade da classe dominante brasileira, do Partido
Conservador, dos monarquistas e, particularmente, da Princesa Isabel. Ora, dos
9 deputados que votaram contra a Lei Áurea, todos eles eram do Partido
Conservador, no caso latifundiários do Vale do Paraíba, donos de fazendas de
café atrasados em relação aos proprietários do oeste paulista, já que ainda não
tinham ajustado a organização do trabalho nas fazendas de acordo com a
tendência, já sinalizada há décadas, da substituição pelo trabalho livre.
Quanto ao papel da família
real, apenas em 1866 (um ano após o fim da escravidão nos EUA) o imperador na
sua fala ao trono admitiu a possibilidade da abolição, desde que a longo prazo.
Válido lembrar que o gesto final da Princesa Isabel foi objeto de uma votação
de urgência considerando-se o estado de total desagregação do regime
escravista. O impulso final que levou a abolição não partiu da benevolência da princesa
mas da radicalização política do movimento abolicionista, tendo como exemplo a
luta dos caifazes de São Paulo, além de fugas e rebeliões generalizadas de
escravos em todos os cantos.
Neste quadro de mistificação
do passado brasileiro, a leitura do trabalho de Skidmore sobre o problema de
raça e nacionalidade do Brasil entre 1870-1930 revela como as elites do país,
ora se amparando em teorias cientificistas de cunho racista da Europa, ora confrontando
estas teorias com a realidade multirracial dada, discutiram o futuro racial
brasileiro em termos de branqueamento.
Talvez surpreenda muitos
leitores de hoje o fato de que o abolicionismo no Brasil não significou
exatamente a concessão de direitos democráticos ao elemento negro – este viu-se,
após a Lei Áurea, excluído do acesso à terra e de direitos de cidadania,
enquanto as elites se ocupavam da importação de trabalhadores europeus, necessariamente
brancos, buscando conciliar as teorias racistas europeias em voga e a realidade
multiétnica do país.
O ideal racista do
branqueamento da população estava presente inclusive em Joaquim Nabuco, o
grande líder abolicionista, que se opôs decididamente à imigração de chineses (“amarelos”)
por objeção puramente racial.
Sílvio Romero (1888),
ligado à uma escola de intelectuais do Recife (PE) e influenciado pela
filosofia alemã, foi um dos primeiros intelectuais a tratar do tema da raça
dentro do prisma do determinismo social. Influenciado por Spencer e Thomas
Buckle, Romero entende o negro como essencialmente inferior, opinião consensual
na época, podendo, sob a tutela do branco e através da miscigenação,
redimir-se.
A europeização do país é
um projeto que se relaciona com a participação de representantes do país em
conferências internacionais, ocasiões em que os brasileiros buscaram vender ao
mundo a imagem de um país aberto aos imigrantes para o trabalho nas fazendas:
não só para ocupação dos trabalhos realizados até então pelos escravos negros,
mas especialmente para o branqueamento da população brasileira.
Entre 1902-1912 o Barão do
Rio Branco na condição de ministro das relações exteriores atua justamente para
reforçar a imagem internacional do Brasil como um país europeizado. Este também
foi o sentido da reforma urbana no Rio de Janeiro durante a gestão de Pereira
Passos nos primeiros anos do século XX, bem como as campanhas sanitaristas
lideradas por Oswaldo Cruz.
As campanhas sanitaristas
ajudam as elites intelectuais a abandonar os critérios de análise social
baseadas exclusivamente na raça: o atraso do país paulatinamente deixa de ser
relacionado ao problema da raça e passa a ser explicado pela (falta de) saúde e
da salubridade. Esta mudança de posicionamento se expressa no escritor paulista
Monteiro Lobato: quando criou o seu personagem Jeca Tatu, atribuía o atraso do
caipira à degeneração racial. Em 1918, Monteiro Lobato em prefácio da obra faz
a autocrítica, já reconhecendo a predominância das doenças e da insalubridade
no temperamento de Jeca.
O racismo científico em
voga entre os fins do XIX e inícios de XX vai sendo deixado de lado e já parece
às elites intelectuais brasileiras entre os anos 1920-30. Contudo, a ideologia
do branqueamento da população subsiste, havendo a expectativa de que o elemento
negro seria paulatinamente superado pela etnia branca. Dentro deste ideal de
branqueamento que perpassa todo o período analisado no livro, o homem de cor
pode até elevar-se socialmente, mas apenas em caráter excepcional e mediante
grandes esforços individuais. Mulatos como Nina Rodrigues granjeavam posições
na elite, e ainda assim defendiam as teses racistas e o branqueamento. Outros
como Roquette Pinto, Gilberto Freire e Manoel Bonfim pioneiramente combateram as
teses racistas europeias, inclusive chamando a atenção para o fato de que estas
teorias partiam de países europeus cujos interesses imperialistas estavam
nitidamente relacionados às teorias racistas.
“Examinamos as diversas
formas pelas quais membros articulados da elite explicavam suas expectativas
raciais em termos das teorias raciais dominantes. Quando o racismo científico
chegou ao Brasil, os intelectuais reagiram com a tentativa de produzir um
fundamento para seu sistema social dentro do marco do pensamento científico
racista. Mesmo quando essas teorias caíram em descrédito científico, a elite
manteve fé explícita no processo de branqueamento. Como essa crença já não
podia ser propagada em termos de superioridade ou inferioridade racial, era descrita
como um processo de ‘integração étnica’ que miraculosamente (como tinha sido
desde a década de 1890) vinha resolvendo os problemas raciais do Brasil. Como
permanecia a esperança de branqueamento, crescia a confiança em sua
inevitabilidade”.
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