segunda-feira, 12 de abril de 2021

“Quilombos - Resistência ao Escravismo” – Clóvis Moura

 “Quilombos - Resistência ao Escravismo” – Clóvis Moura


"Dança do Batuque" Johann M. Rugendas - 1835

 

Resenha Livro - “Quilombos - Resistência ao Escravismo” – Clóvis Moura – Ed. Expressão Popular - 1ª Edição – 2020.

 

“Palmares foi a negação, pelo exemplo de seu dinamismo econômico, político e social, da estrutura escravista-colonialista. O seu exemplo era um desafio permanente e um incentivo às lutas contra o sistema colonial em seu conjunto. Daí Palmares ter sido considerado um valhacouto de bandidos e não uma nação em formação. A sua destruição, o massacre da Serra da Barriga, quando os mercenários de Domingos Jorge Velho não perdoaram nem velhos nem crianças, o aprisionamento e a eliminação de seus habitantes e finalmente a tentativa de apagar-se da consciência histórica do povo esse feito heroico foram decorrência de sua grande importância social, política e cultural.” (Clóvis Moura, op. cit.).

 

Os quilombos não foram a única fora de resistência dos negros escravos do Brasil. Houve fugas, assassinatos de feitores, incêndios, suicídios, motins urbanos, raptos de mulheres, envenenamentos e guerrilhas. Mas certamente os Quilombos foram a maior expressão da resistência dos escravos na medida em que o movimento, a sua própria existência, desafiava a ordem escravagista vigente: servia de exemplo e esperança aos demais cativos e engendrava o medo disseminado entre os senhores.

 

Os quilombos surgiram desde o século XVI e persistiram até os últimos instantes antes da Lei Áurea de 1888.

 

Não eram casos isolados de ajuntamentos de escravos fugitivos, mas um fenômeno disseminado em todo o território nacional, durante todo período da escravidão, com maior expressão em Palmares, onde resistiu durante  sessenta e cinco anos uma população de até 20/25 mil pessoas.

 

Uma das especificidades do escravismo no Brasil é que ele percorre um período de tempo de quatrocentos anos e espraia-se na superfície de um sobcontinente. No Brasil, diferentemente de outros países da América Latina, o escravismo não era um sistema adotado de forma regionalizada, não se tratava de um fenômeno local. O escravismo foi disseminado em toda a extensão territorial do Brasil. Paralelamente, serão identificados quilombos do Rio Grande do Sul ao Amazonas, passando por São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Goiás, Pará, Alagoas, Sergipe, Maranhão e Pernambuco. Os quilombos se espraiam pela Colômbia, Cuba, Haiti, Jamaica, Peru e Guianas, com diferentes denominações.

 

O quilombo pode ser definido como ajuntamento de negros em região não habitada. Os mais importantes foram Palmares no atual estado do Alagoas, além de Cumbe na Paraíba e Ambrósio, em Minas Gerais. Quilombola é o morador do quilombo, não sendo obrigatoriamente negro, pois lá havia índios, mestiços e brancos foragidos.

 

Havia quilombos extrativistas (Amazonas); pastoris (Rio Grande do Sul); mineradores (Minas Gerais, Bahia, Goiás e Mato Grosso); de serviços (que saiam dos quilombos para trabalhar nos centros urbanos); os predatórios, que viviam de saques praticados contra os brancos.

 

A importância dos quilombos reside no fato de ao mesmo tempo se tratar de um desafio político da ordem escravagista vigente, e a estruturação de uma ordem social alternativa, em que os antigos escravos readquirem o seu status de ser humano. A sua existência alimentava as esperanças de uma massa de escravos, além de suscitar fugas e outros atos de rebeldia. Neste contexto, as classes dominantes eram tomadas por uma síndrome de medo permanente: o medo da sublevação dos índios e negros, que compõem a maioria da população, é suscitada reiteradamente pelos documentos da época e se expressa também pela dura repressão em face dos rebeldes.  

 

Palmares se estruturou  como um quilombo agrícola onde se plantava feijão, mandioca, batata doce, banana (pacova) e cana de açúcar. Além da economia doméstica, havia uma economia de guerra com a produção de facas, arcos, flechas e artesanato. A sociedade se estruturava numa economia igualitária e comunitária em que havia a distribuição dos excedentes e a obrigatoriedade do trabalho.

 

Um ponto a ser levado em consideração é que a pesquisa histórica sobre Palmares prescinde de documentos para estabelecer conclusões definitivas sobre o funcionamento interno de Palmares. Nenhum documento escrito oi deixado pelos quilombolas de Palmares, restando as fontes históricas orais. Mais recentemente, os estudos de arqueologia na região do Quilombo do Palmares vem chamando a atenção para a variabilidade da composição étnica da população: além de escravos negros, compunham as comunidades índios e brancos foragidos da justiça.

 

Havia espaço para religiosidade com sincretismo entre o catolicismo e religiões africanas.

 

Clóvis Moura fala que a família palmarina se estruturava de formas poliândricas e poligênicas. O número de mulheres importadas da África ao Brasil era muito menor do que o de homens e nos quilombos estima-se que a desproporção era ainda maior. Por conta disso, cada mulher era dividida por 3 homens. Já as lideranças militares tinham, cada um, diversas mulheres. Dentre as mulheres de Zumbi, consta que uma delas era branca, possivelmente raptada.

 

Quanto ao regime político de Palmares, parece-nos ser impróprio chamar o quilombo de uma República – não há absolutamente nada em Palmares que guarde a mais pálida semelhança com as noções modernas de República. Tratava-se de uma confederação de Quilombos com um Rei que exercia poderes ilimitados e um conselho com representantes dos chefes dos diversos quilombos. A necessidade de uma estrutura militarizada não se relaciona apenas com uma influência política remota da cultura política das sociedades africanas: trata-se de uma necessidade objetiva, já que o Quilombo, para sua sobrevivência, depende de uma defesa militar permanente, especialmente quando as comunidades se sedentarizam e necessitam de estabilidade para estruturar sua economia agrícola e até mesmo desenvolver um certo comércio ilícito local.

 

É certo que após a capitulação de Ganga Zumba, um setor da elite militar presidido por Palmares rompe com o antigo rei e retoma a luta. Além disso, também é certo que os movimentos de resistência costumam engendrar relações sociais de coletivismo e solidariedade entre os seus membros, o que não era diferente nos Quilombos.

 

A leitura do “Quilombos Resistência e Escravismo” de Clóvis Moura proporcionada pela Editora Expressão Popular ajudará o publico brasileiro a  compreender que esta forma de resistência em armas ao regime vigente não foi excepcional, não foi um fenômeno pontual e regional, mas uma experiência generalizada em todo o território nacional, durante todo o período de vigência da escravidão. A resistência dos quilombos nesta quadra histórica retoma, na atualidade, o debate sobre o problema da violência revolucionária no Brasil e sua sólida tradição na história nacional, a despeito da caracterização do brasileiro, pela historiografia tradicional, como um homem cordial.    



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