“Quilombos - Resistência ao Escravismo” – Clóvis Moura
"Dança do Batuque" Johann M. Rugendas - 1835
Resenha Livro - “Quilombos
- Resistência ao Escravismo” – Clóvis Moura – Ed. Expressão Popular - 1ª Edição
– 2020.
“Palmares foi a negação,
pelo exemplo de seu dinamismo econômico, político e social, da estrutura
escravista-colonialista. O seu exemplo era um desafio permanente e um incentivo
às lutas contra o sistema colonial em seu conjunto. Daí Palmares ter sido
considerado um valhacouto de bandidos e não uma nação em formação. A sua destruição,
o massacre da Serra da Barriga, quando os mercenários de Domingos Jorge Velho
não perdoaram nem velhos nem crianças, o aprisionamento e a eliminação de seus
habitantes e finalmente a tentativa de apagar-se da consciência histórica do
povo esse feito heroico foram decorrência de sua grande importância social,
política e cultural.” (Clóvis Moura, op. cit.).
Os quilombos não foram a
única fora de resistência dos negros escravos do Brasil. Houve fugas,
assassinatos de feitores, incêndios, suicídios, motins urbanos, raptos de
mulheres, envenenamentos e guerrilhas. Mas certamente os Quilombos foram a
maior expressão da resistência dos escravos na medida em que o movimento, a sua
própria existência, desafiava a ordem escravagista vigente: servia de exemplo e
esperança aos demais cativos e engendrava o medo disseminado entre os senhores.
Os quilombos surgiram
desde o século XVI e persistiram até os últimos instantes antes da Lei Áurea de
1888.
Não eram casos isolados de
ajuntamentos de escravos fugitivos, mas um fenômeno disseminado em todo o
território nacional, durante todo período da escravidão, com maior expressão em
Palmares, onde resistiu durante sessenta
e cinco anos uma população de até 20/25 mil pessoas.
Uma das especificidades do
escravismo no Brasil é que ele percorre um período de tempo de quatrocentos
anos e espraia-se na superfície de um sobcontinente. No Brasil, diferentemente
de outros países da América Latina, o escravismo não era um sistema adotado de
forma regionalizada, não se tratava de um fenômeno local. O escravismo foi
disseminado em toda a extensão territorial do Brasil. Paralelamente, serão
identificados quilombos do Rio Grande do Sul ao Amazonas, passando por São
Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Goiás, Pará, Alagoas,
Sergipe, Maranhão e Pernambuco. Os quilombos se espraiam pela Colômbia, Cuba,
Haiti, Jamaica, Peru e Guianas, com diferentes denominações.
O quilombo pode ser
definido como ajuntamento de negros em região não habitada. Os mais importantes
foram Palmares no atual estado do Alagoas, além de Cumbe na Paraíba e Ambrósio,
em Minas Gerais. Quilombola é o morador do quilombo, não sendo obrigatoriamente
negro, pois lá havia índios, mestiços e brancos foragidos.
Havia quilombos
extrativistas (Amazonas); pastoris (Rio Grande do Sul); mineradores (Minas
Gerais, Bahia, Goiás e Mato Grosso); de serviços (que saiam dos quilombos para
trabalhar nos centros urbanos); os predatórios, que viviam de saques praticados
contra os brancos.
A importância dos
quilombos reside no fato de ao mesmo tempo se tratar de um desafio político da
ordem escravagista vigente, e a estruturação de uma ordem social alternativa,
em que os antigos escravos readquirem o seu status de ser humano. A sua existência
alimentava as esperanças de uma massa de escravos, além de suscitar fugas e outros
atos de rebeldia. Neste contexto, as classes dominantes eram tomadas por uma
síndrome de medo permanente: o medo da sublevação dos índios e negros, que
compõem a maioria da população, é suscitada reiteradamente pelos documentos da
época e se expressa também pela dura repressão em face dos rebeldes.
Palmares se
estruturou como um quilombo agrícola
onde se plantava feijão, mandioca, batata doce, banana (pacova) e cana de
açúcar. Além da economia doméstica, havia uma economia de guerra com a produção
de facas, arcos, flechas e artesanato. A sociedade se estruturava numa economia
igualitária e comunitária em que havia a distribuição dos excedentes e a obrigatoriedade
do trabalho.
Um ponto a ser levado em
consideração é que a pesquisa histórica sobre Palmares prescinde de documentos
para estabelecer conclusões definitivas sobre o funcionamento interno de
Palmares. Nenhum documento escrito oi deixado pelos quilombolas de Palmares, restando
as fontes históricas orais. Mais recentemente, os estudos de arqueologia na
região do Quilombo do Palmares vem chamando a atenção para a variabilidade da
composição étnica da população: além de escravos negros, compunham as comunidades
índios e brancos foragidos da justiça.
Havia espaço para
religiosidade com sincretismo entre o catolicismo e religiões africanas.
Clóvis Moura fala que a
família palmarina se estruturava de formas poliândricas e poligênicas. O número
de mulheres importadas da África ao Brasil era muito menor do que o de homens e
nos quilombos estima-se que a desproporção era ainda maior. Por conta disso, cada
mulher era dividida por 3 homens. Já as lideranças militares tinham, cada um,
diversas mulheres. Dentre as mulheres de Zumbi, consta que uma delas era branca,
possivelmente raptada.
Quanto ao regime político
de Palmares, parece-nos ser impróprio chamar o quilombo de uma República – não há
absolutamente nada em Palmares que guarde a mais pálida semelhança com as
noções modernas de República. Tratava-se de uma confederação de Quilombos com
um Rei que exercia poderes ilimitados e um conselho com representantes dos
chefes dos diversos quilombos. A necessidade de uma estrutura militarizada não
se relaciona apenas com uma influência política remota da cultura política das
sociedades africanas: trata-se de uma necessidade objetiva, já que o Quilombo,
para sua sobrevivência, depende de uma defesa militar permanente, especialmente
quando as comunidades se sedentarizam e necessitam de estabilidade para
estruturar sua economia agrícola e até mesmo desenvolver um certo comércio
ilícito local.
É certo que após a capitulação
de Ganga Zumba, um setor da elite militar presidido por Palmares rompe com o
antigo rei e retoma a luta. Além disso, também é certo que os movimentos de resistência
costumam engendrar relações sociais de coletivismo e solidariedade entre os
seus membros, o que não era diferente nos Quilombos.
A leitura do “Quilombos
Resistência e Escravismo” de Clóvis Moura proporcionada pela Editora Expressão
Popular ajudará o publico brasileiro a compreender que esta forma de resistência em
armas ao regime vigente não foi excepcional, não foi um fenômeno pontual e
regional, mas uma experiência generalizada em todo o território nacional, durante
todo o período de vigência da escravidão. A resistência dos quilombos nesta
quadra histórica retoma, na atualidade, o debate sobre o problema da violência
revolucionária no Brasil e sua sólida tradição na história nacional, a despeito
da caracterização do brasileiro, pela historiografia tradicional, como um homem
cordial.
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