terça-feira, 23 de março de 2021

GEÓRGI DIMITROV E A LUTA ANTIFASCISTA

 GEÓRGI DIMITROV E A LUTA ANTIFASCISTA  




                       XVII Congresso da IC - 1935             


“Camaradas, não é possível representar a subida do fascismo ao Poder de uma forma tão simplista e fácil, como se um comitê qualquer do capital financeiro tomasse a resolução de implantar em tal ou qual dia a ditadura fascista. Na realidade, o fascismo chega geralmente ao Poder em luta recíproca, às vezes exasperada, com os antigos partidos burgueses ou com determinada parte destes em luta até no seio do próprio campo fascista, que muitas vezes conduz a choques armados, como vimos na Alemanha, Áustria e outros países. Tudo isto, no entanto, não diminui a significação do fato de que, antes da instauração da ditadura fascista, os governos burgueses atravessam habitualmente uma série de etapas preparatórias e realizam uma série de medidas reacionárias que facilitam diretamente o acesso do fascismo ao Poder. Todo aquele que não lutar nestas etapas preparatórias contra as medidas reacionárias da burguesia e contra o fascismo em ascensão não estará em condições de impedir a vitória do fascismo, senão que, pelo contrário, a facilitará”. (Geórgi Dimitrov – “Unidade Operária Contra o Fascismo – 1935).

 

Quando Geórgi Dimitrov pronunciou o seu famoso discurso “Unidade Operária Contra o Fascismo” no XVI Congresso da IC em Moscou (02/07/1935), o dirigente comunista búlgaro era não só um militante experiente, como a principal referência mundial da luta antifascista naquele contexto.

 

Originário da Bulgária, Dimitrov iniciou sua militância aos 20 anos de idade, participando de atividades sindicais. Por conta do prestígio junto aos operários, é eleito deputado pelo parlamento búlgaro em 1915. Associa-se ao posicionamento de Lênin, denunciando o caráter imperialista da I Guerra Mundial, acarretando a acusação de alta traição e sua prisão, onde permanece até 1917.

 

Dois momentos posteriores passariam a associar de maneira definitiva a figura de Geórgi Dimitrov e o movimento antifascista.

 

Em 9 de junho de 1923 o fascismo italiano financia um golpe de Estado na Bulgária, promovido pela extrema-direita e a milícia macedônica. Já em agosto, a direção do Partido Comunista Búlgaro, liderado por Dimitrov e Vasil Kolarov, deliberam por um levante contra o novo governo golpista. Mesmo tendo os planos sido descobertos pelas autoridades, a insurreição ocorreu em 27 de Setembro, acarretando na repressão e assassinato de 30 mil pessoas. A insurreição de setembro de 1923 ficou conhecida como o primeiro levante antifascista da história.

 

O segundo momento marcante ocorre anos depois, quando Dimitrov se translada para a Alemanha, animando o movimento contra a guerra e o fascismo naquele país. Após o incêndio do Reichstag, sede do parlamento alemão, em fevereiro de 1927, o recrudescimento da violência leva à prisão os dirigentes do KPD (Partido Comunista Alemão). Levado ao Tribunal Nazista, Dimitrov assumiu sua defesa, sem advogado, transformando o julgamento numa denúncia política. Defendeu inclusive seus direitos de nacionalidade Búlgaro ante os nazistas. Incapazes de encontrar provas contra os comunista búlgaro, foram obrigados a libertá-lo.

 

Em 1934, é eleito presidente da Internacional Comunista, substituindo  Manuilski. Trata-se de uma mudança substancial na política do movimento comunista mundial quanto ao problema do fascismo.

 

Ainda em 1934, a URSS, presidida por Stálin, subestimava-se o perigo do nazismo. Predominou-se uma linha política esquerdistas que caracterizava a social-democracia  (que efetivamente havia sido a primeira responsável pela derrota da Revolução Alemã) como uma variante do fascismo. Falava-se então num duplo combate em face do fascismo e do “social-fascismo[1]”.

 

A nova guinada do movimento consiste justamente na indicação de um herói da luta antifascista como dirigente da IC. A caracterização do fascismo e a tática da frente única são os temas do discurso proferido no XVI Congresso.       

 

A ANÁLISE DO FASCISMO


Geórgi Dimitrov em 1927

 

Talvez, as passagens mais interessantes para um leitor atual do discurso de Dimitrov correspondem à caracterização do fascismo, tema que ainda hoje gera confusão.

 

Poderíamos começar dizendo o que o fascismo não é.

 

O fascismo não é um acidente histórico. O fascismo não é, tão pouco, uma forma de Poder estatal que esteja por cima de ambas as classes do proletariado ou da burguesia. Igualmente o fascismo não é a pequena burguesia sublevada que se apoderou do poder do Estado. O fascismo não é, tampouco, a expressão política do lumpesinato. O fascismo não é um poder situado acima das classes.

 

Dimitrov é enfático: o fascismo é o próprio poder do capital.

 

Corresponde a uma etapa de ofensiva da burguesia e, como instrumento político, destina-se à destruição do movimento operário.

 

Neste sentido, o fascismo é considerado o pior inimigo da classe operária.

 

“O fascismo chega ao poder como partido de choque contra o movimento revolucionário do proletariado, contra as massas populares em efervescência, porém representa sua subida ao Poder como um movimento ‘revolucionário’ dirigido contra a burguesia, em nome de ‘toda a nação’ e para ‘salvar a nação’. (Recordemos a ‘marcha’ de Mussolini sobre Roma, a ‘marcha de Pilsudski sobre Varsóvia, a ‘revolução’ nacional-socialista de Hitler na Alemanha, etc.). Mas qualquer que seja a máscara com que se disfarce, qualquer que seja a forma em que se apresente, qualquer que seja o caminho por que suba o poder, o fascismo é a mais feroz ofensiva do capital contra as massas trabalhadoras”.

 

Este caráter aparentemente contraditório, esta aparência de ‘revolução anticapitalista’ e, na essência, a defesa dos interesses de rapinagem da burguesia, precisa ser bastante compreendido pelos antifascistas, inclusive os brasileiros em tempos de Bolsonaro.

 

O fascismo busca a adesão das massas com a demagogia e a instigação de profundos preconceitos do povo. O fascismo especula com relação à profunda desilusão das massas em face da democracia burguesa e das instituições. O fascismo explora a fé do povo na revolução inclusive se apropriando no nome de “socialismo”, como no caso do partido nazista. Neste contexto, é inoportuno opor-se ao fascismo defendendo “as instituições” ou “a constituição”.

 

Por outro lado, existe uma total fragilidade do fascismo, quando busca se apoiar no descontentamento do povo.

 

O fascismo significa regressão social – os trabalhadores e camponeses que eventualmente acreditaram nas promessas fascistas virão suas condições de vida deteriorarem-se, sua liberdade tolhida e o recrudescimento da exploração de classe. O fascismo é a ditadura da grande burguesia e por isso se choca necessariamente com as massas.

 

Dimitrov menciona, neste sentido, o “calcanhar de aquiles” do fascismo: a fragilidade de sua base social. Em geral, os fascistas buscam apoio nos setores atrasados do campesinato, atuam no movimento operário inclusive mediante a criação de sindicatos, mobilizam intelectuais e movimento de jovens.   Contudo, com o tempo, vai ficando visível o contraste entre a demagogia anticapitalista e a política de rapina da burguesia defendida pelos fascistas.  

 

Nestes marcos, tornava-se necessária uma virada na tática, com a defesa de uma política de unidade da classe trabalhadora, apostando com todas as fichas no “calcanhar de aquiles” do fascismo: dividir a sua base social e eventualmente ganhá-la para o socialismo.

 

A UNIDADE OPERÁRIA CONTRA O FASCISMO

 

É necessária, portanto, a unidade de luta dos trabalhadores para paralisar a influência dos fascistas sobre os camponeses e os setores médios. Ou seja, estender a influência do proletariado junto aos camponeses, setores médios, intelectuais e estudantes, minando a frágil base social dos fascistas.  

 

Anote-se que a tática da frente única deve ser entendida não como um fim em si mesmo, mas como um forma de contraofensiva para derrotar o fascismo. Não se cogita uma aliança com a burguesia para deter o fascismo, já que a natureza de classe do fascismo era indiscutivelmente burguesa.

 

A unidade de ação prevalece sobre a construção de uma unidade política. E ainda assim, no caso da constituição de um eventual  governo fruto do movimento de frente única vitorioso, este governo não admitiria a colaboração de classes:

 

“Enquanto que os governos social-democratas representam um instrumento da colaboração de classes com a burguesia no interesse da conservação do sistema capitalista, o governo de frente única é um órgão da colaboração da vanguarda revolucionária do proletariado com outros partidos de luta contra o fascismo e a reação. É evidente que se trata de duas coisas radicalmente diferentes”.   

 

A forma de se determinar qual é a melhor tática em dado momento envolve procurar entender se determinada política nos aproxima ou nos distancia do horizonte estratégico. Alianças não deveriam ser pensadas, como frequentemente acontece, como valorosas por si só, como uma expressão artificial de “unidade”, especialmente se desta aliança não se aproxima do objetivo de derrotar o inimigo imediato. Estas questões mais ou menos elementares costumam passar desapercebidas por setores da esquerda brasileira que defendem aliança com a direita liberal, dentro e fora do parlamento, para derrotar Bolsonaro.

 

BALANÇOS

 

“Um dos aspectos mais fracos da luta antifascista de nossos Partidos consiste em que não reagem suficientemente nem em seu devido tempo contra a demagogia do fascismo e ainda hoje continuam tratando levianamente os problemas da luta contra a ideologia fascista. Muitos camaradas não acreditavam em absoluto que uma variedade tão reacionária da ideologia burguesa como a ideologia do fascismo, que em seu absurdo chega com muita frequência até o desvario, fosse capaz de conquistar influência sobre as massas. Foi um grande erro. A avançadíssima putrefação do capitalismo penetra até a própria medula de sua ideologia e de sua cultura, e a situação desesperada das extensas massas do povo predispõe certos setores ao contágio dos detritos ideológicos deste processo de putrefação”.

 

É provável que o fascismo no Brasil ganhe audiência com a crise social e política em curso. A demagogia em torno do problema do Lockdown já mobiliza hoje, no contexto da pandemia, setores médios e até populares, através de atos de rua. A maior parcela da esquerda, neste momento, defende o Lockdown e a não realização de atos de rua.

 

Neste contexto, é necessário retomar este discurso de Dimitrov e reforçar o “calcanhar de aquiles” do fascismo: sua frágil base social. Construir a unidade dos trabalhadores em torno da ação, apresentando reivindicações objetivas. Apostar na unidade dos trabalhadores mediante a organização da luta social. Resgatar a bandeira do Brasil dos fascistas e apresentar a questão nacional nos seus devidos termos. Defender a unidade dentro do movimento sindical. Convencer setores da esquerda do reformismo a travar uma luta consequente contra o fascismo, abandonando as ilusões de colaboração com a burguesia.

 

A esquerda deve se preparar para dirigir o levante social que se aproxima e, em qualquer hipótese, impedir que a demagogia dos fascistas persista sem contestação.  

 

BIBLIOGRAFIA

 

GEORGI DIMITROV - A luta pela unidade da classe operaria contra o fascismo – Acesso em https://www.marxists.org/portugues/dimitrov/1935/fascismo/index.htm

 

JORGE BATISTA - https://averdade.org.br/2016/11/georgi-dimitrov-heroi-da-luta-contra-o-nazifascismo/



[1] A subestimação do perigo fascista em Stálin ainda em 1934 pode ser justificada na medida em que não se sabia então das possibilidades de avanço do fascismo, sua disseminação da Itália e Alemanha. Outro ponto é que a URSS sofria hostilidades de todo o mundo capitalista, principalmente França e Inglaterra, de modo que fazia algum sentido uma “neutralidade” em face das divergências entre os países imperialistas.

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