GEÓRGI DIMITROV E A LUTA ANTIFASCISTA
“Camaradas, não é possível
representar a subida do fascismo ao Poder de uma forma tão simplista e fácil,
como se um comitê qualquer do capital financeiro tomasse a resolução de
implantar em tal ou qual dia a ditadura fascista. Na realidade, o fascismo
chega geralmente ao Poder em luta recíproca, às vezes exasperada, com os
antigos partidos burgueses ou com determinada parte destes em luta até no seio
do próprio campo fascista, que muitas vezes conduz a choques armados, como
vimos na Alemanha, Áustria e outros países. Tudo isto, no entanto, não diminui
a significação do fato de que, antes da instauração da ditadura fascista, os
governos burgueses atravessam habitualmente uma série de etapas preparatórias e
realizam uma série de medidas reacionárias que facilitam diretamente o acesso
do fascismo ao Poder. Todo aquele que não lutar nestas etapas preparatórias
contra as medidas reacionárias da burguesia e contra o fascismo em ascensão não
estará em condições de impedir a vitória do fascismo, senão que, pelo
contrário, a facilitará”. (Geórgi Dimitrov – “Unidade Operária Contra o
Fascismo – 1935).
Quando Geórgi Dimitrov
pronunciou o seu famoso discurso “Unidade Operária Contra o Fascismo” no XVI
Congresso da IC em Moscou (02/07/1935), o dirigente comunista búlgaro era não
só um militante experiente, como a principal referência mundial da luta
antifascista naquele contexto.
Originário da Bulgária,
Dimitrov iniciou sua militância aos 20 anos de idade, participando de
atividades sindicais. Por conta do prestígio junto aos operários, é eleito
deputado pelo parlamento búlgaro em 1915. Associa-se ao posicionamento de
Lênin, denunciando o caráter imperialista da I Guerra Mundial, acarretando a
acusação de alta traição e sua prisão, onde permanece até 1917.
Dois momentos posteriores passariam
a associar de maneira definitiva a figura de Geórgi Dimitrov e o movimento
antifascista.
Em 9 de junho de 1923 o
fascismo italiano financia um golpe de Estado na Bulgária, promovido pela
extrema-direita e a milícia macedônica. Já em agosto, a direção do Partido
Comunista Búlgaro, liderado por Dimitrov e Vasil Kolarov, deliberam por um
levante contra o novo governo golpista. Mesmo tendo os planos sido descobertos
pelas autoridades, a insurreição ocorreu em 27 de Setembro, acarretando na
repressão e assassinato de 30 mil pessoas. A insurreição de setembro de 1923
ficou conhecida como o primeiro levante antifascista da história.
O segundo momento marcante
ocorre anos depois, quando Dimitrov se translada para a Alemanha, animando o
movimento contra a guerra e o fascismo naquele país. Após o incêndio do
Reichstag, sede do parlamento alemão, em fevereiro de 1927, o recrudescimento da
violência leva à prisão os dirigentes do KPD (Partido Comunista Alemão). Levado
ao Tribunal Nazista, Dimitrov assumiu sua defesa, sem advogado, transformando o
julgamento numa denúncia política. Defendeu inclusive seus direitos de
nacionalidade Búlgaro ante os nazistas. Incapazes de encontrar provas contra os
comunista búlgaro, foram obrigados a libertá-lo.
Em 1934, é eleito presidente
da Internacional Comunista, substituindo Manuilski. Trata-se de uma mudança substancial
na política do movimento comunista mundial quanto ao problema do fascismo.
Ainda em 1934, a URSS,
presidida por Stálin, subestimava-se o perigo do nazismo. Predominou-se uma
linha política esquerdistas que caracterizava a social-democracia (que efetivamente havia sido a primeira
responsável pela derrota da Revolução Alemã) como uma variante do fascismo.
Falava-se então num duplo combate em face do fascismo e do “social-fascismo[1]”.
A nova guinada do
movimento consiste justamente na indicação de um herói da luta antifascista
como dirigente da IC. A caracterização do fascismo e a tática da frente única são
os temas do discurso proferido no XVI Congresso.
A ANÁLISE DO FASCISMO
Talvez, as passagens mais
interessantes para um leitor atual do discurso de Dimitrov correspondem à caracterização
do fascismo, tema que ainda hoje gera confusão.
Poderíamos começar dizendo
o que o fascismo não é.
O fascismo não é um acidente
histórico. O fascismo não é, tão pouco, uma forma de Poder estatal que esteja
por cima de ambas as classes do proletariado ou da burguesia. Igualmente o
fascismo não é a pequena burguesia sublevada que se apoderou do poder do
Estado. O fascismo não é, tampouco, a expressão política do lumpesinato. O
fascismo não é um poder situado acima das classes.
Dimitrov é enfático: o
fascismo é o próprio poder do capital.
Corresponde a uma etapa de
ofensiva da burguesia e, como instrumento político, destina-se à destruição do
movimento operário.
Neste sentido, o fascismo
é considerado o pior inimigo da classe operária.
“O fascismo chega ao poder
como partido de choque contra o movimento revolucionário do proletariado,
contra as massas populares em efervescência, porém representa sua subida ao
Poder como um movimento ‘revolucionário’ dirigido contra a burguesia, em nome
de ‘toda a nação’ e para ‘salvar a nação’. (Recordemos a ‘marcha’ de Mussolini
sobre Roma, a ‘marcha de Pilsudski sobre Varsóvia, a ‘revolução’
nacional-socialista de Hitler na Alemanha, etc.). Mas qualquer que seja a
máscara com que se disfarce, qualquer que seja a forma em que se apresente,
qualquer que seja o caminho por que suba o poder, o fascismo é a mais feroz
ofensiva do capital contra as massas trabalhadoras”.
Este caráter aparentemente
contraditório, esta aparência de ‘revolução anticapitalista’ e, na essência, a
defesa dos interesses de rapinagem da burguesia, precisa ser bastante
compreendido pelos antifascistas, inclusive os brasileiros em tempos de Bolsonaro.
O fascismo busca a adesão
das massas com a demagogia e a instigação de profundos preconceitos do povo. O
fascismo especula com relação à profunda desilusão das massas em face da
democracia burguesa e das instituições. O fascismo explora a fé do povo na
revolução inclusive se apropriando no nome de “socialismo”, como no caso do
partido nazista. Neste contexto, é inoportuno opor-se ao fascismo defendendo “as
instituições” ou “a constituição”.
Por outro lado, existe uma
total fragilidade do fascismo, quando busca se apoiar no descontentamento do povo.
O fascismo significa
regressão social – os trabalhadores e camponeses que eventualmente acreditaram
nas promessas fascistas virão suas condições de vida deteriorarem-se, sua
liberdade tolhida e o recrudescimento da exploração de classe. O fascismo é a
ditadura da grande burguesia e por isso se choca necessariamente com as massas.
Dimitrov menciona, neste
sentido, o “calcanhar de aquiles” do fascismo: a fragilidade de sua base
social. Em geral, os fascistas buscam apoio nos setores atrasados do campesinato,
atuam no movimento operário inclusive mediante a criação de sindicatos, mobilizam
intelectuais e movimento de jovens. Contudo, com o tempo, vai ficando visível o
contraste entre a demagogia anticapitalista e a política de rapina da burguesia
defendida pelos fascistas.
Nestes marcos, tornava-se
necessária uma virada na tática, com a defesa de uma política de unidade da
classe trabalhadora, apostando com todas as fichas no “calcanhar de aquiles” do
fascismo: dividir a sua base social e eventualmente ganhá-la para o socialismo.
A UNIDADE OPERÁRIA CONTRA
O FASCISMO
É necessária, portanto, a
unidade de luta dos trabalhadores para paralisar a influência dos fascistas
sobre os camponeses e os setores médios. Ou seja, estender a influência do
proletariado junto aos camponeses, setores médios, intelectuais e estudantes,
minando a frágil base social dos fascistas.
Anote-se que a tática da
frente única deve ser entendida não como um fim em si mesmo, mas como um forma
de contraofensiva para derrotar o fascismo. Não se cogita uma aliança com a
burguesia para deter o fascismo, já que a natureza de classe do fascismo era
indiscutivelmente burguesa.
A unidade de ação
prevalece sobre a construção de uma unidade política. E ainda assim, no caso da
constituição de um eventual governo
fruto do movimento de frente única vitorioso, este governo não admitiria a
colaboração de classes:
“Enquanto que os governos
social-democratas representam um instrumento da colaboração de classes com a
burguesia no interesse da conservação do sistema capitalista, o governo de
frente única é um órgão da colaboração da vanguarda revolucionária do
proletariado com outros partidos de luta contra o fascismo e a reação. É
evidente que se trata de duas coisas radicalmente diferentes”.
A forma de se determinar qual
é a melhor tática em dado momento envolve procurar entender se determinada política
nos aproxima ou nos distancia do horizonte estratégico. Alianças não deveriam
ser pensadas, como frequentemente acontece, como valorosas por si só, como uma
expressão artificial de “unidade”, especialmente se desta aliança não se
aproxima do objetivo de derrotar o inimigo imediato. Estas questões mais ou
menos elementares costumam passar desapercebidas por setores da esquerda
brasileira que defendem aliança com a direita liberal, dentro e fora do
parlamento, para derrotar Bolsonaro.
BALANÇOS
“Um dos aspectos mais fracos da luta antifascista
de nossos Partidos consiste em que não reagem suficientemente nem em seu devido
tempo contra a demagogia do fascismo e ainda hoje continuam tratando
levianamente os problemas da luta contra a ideologia fascista. Muitos camaradas
não acreditavam em absoluto que uma variedade tão reacionária da ideologia
burguesa como a ideologia do fascismo, que em seu absurdo chega com muita
frequência até o desvario, fosse capaz de conquistar influência sobre as
massas. Foi um grande erro. A avançadíssima putrefação do capitalismo penetra
até a própria medula de sua ideologia e de sua cultura, e a situação
desesperada das extensas massas do povo predispõe certos setores ao contágio
dos detritos ideológicos deste processo de putrefação”.
É provável que o fascismo no Brasil ganhe audiência
com a crise social e política em curso. A demagogia em torno do problema do Lockdown
já mobiliza hoje, no contexto da pandemia, setores médios e até populares,
através de atos de rua. A maior parcela da esquerda, neste momento, defende o
Lockdown e a não realização de atos de rua.
Neste contexto, é necessário retomar este discurso
de Dimitrov e reforçar o “calcanhar de aquiles” do fascismo: sua frágil base
social. Construir a unidade dos trabalhadores em torno da ação, apresentando reivindicações
objetivas. Apostar na unidade dos trabalhadores mediante a organização da luta
social. Resgatar a bandeira do Brasil dos fascistas e apresentar a questão
nacional nos seus devidos termos. Defender a unidade dentro do movimento
sindical. Convencer setores da esquerda do reformismo a travar uma luta
consequente contra o fascismo, abandonando as ilusões de colaboração com a
burguesia.
A esquerda deve se preparar para dirigir o levante
social que se aproxima e, em qualquer hipótese, impedir que a demagogia dos
fascistas persista sem contestação.
BIBLIOGRAFIA
GEORGI DIMITROV - A luta
pela unidade da classe operaria contra o fascismo – Acesso em https://www.marxists.org/portugues/dimitrov/1935/fascismo/index.htm
JORGE BATISTA - https://averdade.org.br/2016/11/georgi-dimitrov-heroi-da-luta-contra-o-nazifascismo/
[1] A subestimação do perigo fascista em
Stálin ainda em 1934 pode ser justificada na medida em que não se sabia então
das possibilidades de avanço do fascismo, sua disseminação da Itália e
Alemanha. Outro ponto é que a URSS sofria hostilidades de todo o mundo
capitalista, principalmente França e Inglaterra, de modo que fazia algum
sentido uma “neutralidade” em face das divergências entre os países
imperialistas.
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