terça-feira, 16 de março de 2021

Breves notas sobre Responsabilidade Extracontratual do Estado

 Breves notas sobre Responsabilidade Extracontratual do Estado


 



É possível que familiares de um detento ingressem com ação de reparação por danos morais em face do Estado no caso de o preso ser assassinado nas dependências do presídio? É necessário que estes familiares comprovem o dolo ou a negligência do Estado para fim de obtenção da indenização? O Estado teria o direito de ingressar com uma ação regressiva em face do agente público responsável por um dano em face do particular? É possível ingressar com uma ação reparatória em face do Estado por omissão no cumprimento de um dever legal? Estas são apenas algumas das muitas questões relacionadas ao tema da responsabilidade extracontratual do Estado.

 

Pode-se conceituar a responsabilidade extracontratual do Estado como “a obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis ao agente público”. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. “Direito Administrativo”. Ed. Forense. 33ª Edição).

 

O tema é regido predominantemente pelo Direito Administrativo. Ao contrário do direito privado, em que a responsabilidade civil exige sempre um ato ilícito (contrário à lei), no direito administrativo a responsabilidade pode decorrer de atos ou comportamentos que, embora lícitos, causem a pessoas determinadas ônus maior do que o imposto aos demais membros da coletividade.

 

Um exemplo: suponha-se que a prefeitura promove uma obra pública com a construção de um viaduto, beneficiando a coletividade, na medida em que a abertura de novas vias reduzirá o trânsito local. Contudo, as obras implicarão na interdição de uma rua onde se localiza um estacionamento de carros, inviabilizando, pelo prazo de 12 (meses), que eventuais clientes se dirijam ao estabelecimento, implicando em inequívocos prejuízos à empresa. Não seria justo que um único particular arcasse com a totalidade dos prejuízos decorrentes de uma obra pública destinada aos interesses comuns. Neste exemplo, um ato lícito da administração pública poderá engendrar a responsabilidade extracontratual do Estado, com o pagamento de indenização por danos materiais em benefício do particular prejudicado.  

 

Houve uma evolução histórica da teoria da responsabilidade estatal, até o estabelecimento da responsabilidade civil objetiva do Estado, consubstanciada no artigo 37 § 6º da CF/88.

 

No contexto das monarquias absolutistas vigorava a noção de total irresponsabilidade do Estado, sob o princípio de que “o rei não pode errar” (“the king can do no wrong”; “ler oi ne peut mal faire”). Primeiras alterações nas legislações reconhecendo a responsabilidade civil subjetiva do Estado foram estabelecidas nos EUA pelo Federal Tort Claim Act (1946) e na Inglaterra com o Crown Proceeding Act (1947).

 

Nesta primeira etapa, algumas teorias civilistas estabeleciam uma diferenciação entre os atos de império e os atos de gestão. Admitia-se a responsabilidade apenas nos atos de gestão, afastando-se a responsabilidade dos atos de impérios, estes últimos gozando de soberania. O artigo 15 do Código Civil Brasileiro de 1916 retrata esta etapa civilista da responsabilidade extracontratual do estado:

 

CC/16 - Lei nº 3.071 de 01 de Janeiro de 1916 - Art. 15. As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano.

 

Hoje as teorias civilistas foram definitivamente superadas pelas teorias publicistas. Quando uma pessoa sofre um ônus maior do que o suportado pelas demais, rompe-se o equilíbrio que necessariamente deve haver entre os encargos sociais; para reestabelecer esse equilíbrio, o Estado deve indenizar o prejudicado, independentemente da demonstração de dolo ou culpa, utilizando-se os recursos do erário.

 

Vigora no país a teoria da responsabilidade extracontratual objetiva do estado.   

 

É objetiva justamente por prescindir de apreciação dos elementos subjetivos da conduta do agente público (dolo ou culpa).

 

Fala-se também em teoria do risco porque parte da ideia de que a atuação estatal envolve um risco de dano, que lhe é inerente.

 

Em regra, a responsabilidade extracontratual pode ser excluída ou atenuada. Pode ser excluída por força maior, culpa da vítima e culpa de terceiros. Nestas situações, rompe-se o nexo-causal já que a conduta ou omissão do agente público deixa de ser a causa do dano.

 

Ademais, fala-se em atenuante da responsabilidade extracontratual no caso de culpa concorrente da vítima.

 

Há ainda situações excepcionais em que se fala em Risco Integral da atividade administrativa e em que não existe sequer a possibilidade de se discutir atenuação e exclusão da responsabilidade extracontratual. É o que ocorre nos casos de danos causados por acidentes nucleares (artigo 21, XXIII, d, CF/88), disciplinados pela Lei 6.453/77; e também na hipótese de danos decorrentes de atos terroristas, atos de guerra ou eventos correlatos, contra aeronaves de empresas aéreas brasileiras, nos termos das Leis 10.309/01 e 10.744/03.

 

Bibliografia:

 

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. “Direito Administrativo”. Ed. Forense. 33ª Edição

 

Quadro – “Estudo Para Frei Caneca” – Antônio Parreiras - Óleo sobre tela - 1918

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