Breves notas sobre Responsabilidade Extracontratual do Estado
É
possível que familiares de um detento ingressem com ação de reparação por danos
morais em face do Estado no caso de o preso ser assassinado nas dependências do
presídio? É necessário que estes familiares comprovem o dolo ou a negligência
do Estado para fim de obtenção da indenização? O Estado teria o direito de ingressar
com uma ação regressiva em face do agente público responsável por um dano em
face do particular? É possível ingressar com uma ação reparatória em face do
Estado por omissão no cumprimento de um dever legal? Estas são apenas algumas
das muitas questões relacionadas ao tema da responsabilidade extracontratual do
Estado.
Pode-se
conceituar a responsabilidade extracontratual do Estado como “a obrigação de
reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos
ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis ao agente
público”. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. “Direito Administrativo”. Ed.
Forense. 33ª Edição).
O
tema é regido predominantemente pelo Direito Administrativo. Ao contrário do
direito privado, em que a responsabilidade civil exige sempre um ato ilícito
(contrário à lei), no direito administrativo a responsabilidade pode decorrer
de atos ou comportamentos que, embora lícitos, causem a pessoas determinadas
ônus maior do que o imposto aos demais membros da coletividade.
Um
exemplo: suponha-se que a prefeitura promove uma obra pública com a construção
de um viaduto, beneficiando a coletividade, na medida em que a abertura de novas
vias reduzirá o trânsito local. Contudo, as obras implicarão na interdição de
uma rua onde se localiza um estacionamento de carros, inviabilizando, pelo
prazo de 12 (meses), que eventuais clientes se dirijam ao estabelecimento,
implicando em inequívocos prejuízos à empresa. Não seria justo que um único
particular arcasse com a totalidade dos prejuízos decorrentes de uma obra
pública destinada aos interesses comuns. Neste exemplo, um ato lícito da
administração pública poderá engendrar a responsabilidade extracontratual do
Estado, com o pagamento de indenização por danos materiais em benefício do
particular prejudicado.
Houve
uma evolução histórica da teoria da responsabilidade estatal, até o
estabelecimento da responsabilidade civil objetiva do Estado, consubstanciada
no artigo 37 § 6º da CF/88.
No
contexto das monarquias absolutistas vigorava a noção de total
irresponsabilidade do Estado, sob o princípio de que “o rei não pode errar” (“the
king can do no wrong”; “ler oi ne peut mal faire”). Primeiras alterações nas
legislações reconhecendo a responsabilidade civil subjetiva do Estado foram
estabelecidas nos EUA pelo Federal Tort Claim Act (1946) e na Inglaterra com o
Crown Proceeding Act (1947).
Nesta
primeira etapa, algumas teorias civilistas estabeleciam uma diferenciação entre
os atos de império e os atos de gestão. Admitia-se a responsabilidade apenas nos
atos de gestão, afastando-se a responsabilidade dos atos de impérios, estes
últimos gozando de soberania. O artigo 15 do Código Civil Brasileiro de 1916
retrata esta etapa civilista da responsabilidade extracontratual do estado:
CC/16
- Lei nº 3.071 de 01 de Janeiro de 1916 - Art. 15. As pessoas jurídicas de
direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes
que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao
direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo
contra os causadores do dano.
Hoje
as teorias civilistas foram definitivamente superadas pelas teorias
publicistas. Quando uma pessoa sofre um ônus maior do que o suportado pelas
demais, rompe-se o equilíbrio que necessariamente deve haver entre os encargos
sociais; para reestabelecer esse equilíbrio, o Estado deve indenizar o
prejudicado, independentemente da demonstração de dolo ou culpa, utilizando-se
os recursos do erário.
Vigora
no país a teoria da responsabilidade extracontratual objetiva do estado.
É
objetiva justamente por prescindir de apreciação dos elementos subjetivos da
conduta do agente público (dolo ou culpa).
Fala-se
também em teoria do risco porque parte da ideia de que a atuação estatal
envolve um risco de dano, que lhe é inerente.
Em
regra, a responsabilidade extracontratual pode ser excluída ou atenuada. Pode
ser excluída por força maior, culpa da vítima e culpa de terceiros. Nestas
situações, rompe-se o nexo-causal já que a conduta ou omissão do agente público
deixa de ser a causa do dano.
Ademais,
fala-se em atenuante da responsabilidade extracontratual no caso de culpa
concorrente da vítima.
Há
ainda situações excepcionais em que se fala em Risco Integral da atividade
administrativa e em que não existe sequer a possibilidade de se discutir
atenuação e exclusão da responsabilidade extracontratual. É o que ocorre nos
casos de danos causados por acidentes nucleares (artigo 21, XXIII, d, CF/88), disciplinados
pela Lei 6.453/77; e também na hipótese de danos decorrentes de atos
terroristas, atos de guerra ou eventos correlatos, contra aeronaves de empresas
aéreas brasileiras, nos termos das Leis 10.309/01 e 10.744/03.
Bibliografia:
DI
PIETRO, Maria Sylvia Zanella. “Direito Administrativo”. Ed. Forense. 33ª Edição
Quadro
– “Estudo Para Frei Caneca” – Antônio Parreiras - Óleo sobre tela - 1918
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